“Para todo mal mezcal, para todo o bem também”. O dito popular estava escrito em giz em uma parede negra de um bar descolado na Cidade do México. Era a nossa primeira semana no país e estávamos animados em tomar uma dose de tequila no berço da bebida. “Tequila não temos. Mas vou trazer um mezcal para vocês”, disse o gerente do bar. A palavra era nova pra gente, mas topamos mesmo assim.
O gerente desaparece atrás do balcão e volta instantes depois, segurando uma garrafa de vidro cheia com uma bebida branca e um prato com laranjas e goiabas cortadas em fatias. Ele serve sete pequenos copos de shot pela metade. Eu olhei para aquele licor desconhecido em descrença. Não sou grande fã de destilados ou bebidas fortes. Normalmente só o cheiro do álcool já é suficiente para me fazer arrepiar em repulsa. A única exceção é a tequila.
Me preparei mentalmente para virar o conteúdo do copo direto na garganta. “O mezcal é para ser apreciado” – disse ele, antes que eu fizesse o que planejava. “É para ser tomado devagarinho, enquanto conversamos com os amigos. Tem que sentir o sabor. Lá no fundo você vai sentir as notas de frutas e flores”, acrescentou.
Assim como a tequila, o mezcal é uma bebida obtida a partir da destilação do maguey (agave), a planta nacional do México também usada na produção de outra bebida alcoólica típica do país, o pulque. Mas, ao contrário desse último, o mezcal não tem origens ancestrais. O processo de destilação chegou ao México com os espanhóis, no século 16, e a produção e consumo comum de bebidas destiladas só se difundiu largamente pelo território mexicano no século 18. Mezcal é o nome usado para classificar uma variedade de bebidas produzidas dessa forma, cada uma delas com suas características marcantes de sabor influenciadas tanto pelo tipo de agave usado na produção, quanto pelo clima. E é por causa dessa ampla variedade que a bebida ganhou tantos adeptos.
A própria tequila é considerada uma das variantes de mezcal. No entanto, a bebida mais famosa do México é produzida em escala industrial a partir do agave azul da região de Jalisco. Já o mezcal é fabricado por pequenos produtores usando mais de 30 variantes da planta e métodos tradicionais em pequenas comunidades espalhadas no interior do país.
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Mezcal nunca falta nas casas de Oaxaca, estado do México no qual é produzido 75% de todo o mezcal consumido no mundo. A região é também conhecida por ter algumas das melhores destilarias do país. Ali, a bebida faz parte do dia a dia local e acompanha as mais diversas ocasiões sociais, de festas tradicionais a um aperitivo depois da janta. Durante as festas de Dia dos Mortos, muito tradicionais no estado, o mezcal acompanha o cortejo até o cemitério e também é dado como presente em noivados, batizados e velórios. Os mais apaixonados pela bebida garantem que esse é o álcool mais perfeito para o consumo humano e o único que não cobra a conta no dia seguinte.
O mezcal é também compartilhado entre os oaxaqueños nos téquios, trabalhos comunitários voluntários, e nas velas, as festas tradicionais dos indígenas zapotecas que habitam a região, e se bebe oferecendo-o aos quatro pontos cardeais, molhando os dedos e deixando que as gotas caiam sobre a terra. No pequeno povoado indígena de Mitla, é conhecido como “trago” e, mais que uma bebida de socialização, é considerado sagrado e servido como oferenda com regras bastante estritas.
Ao caminhar pelas ruas da capital, Oaxaca de Juaréz, diversos bares e mezcalerias oferecem degustações acompanhadas de explicações sobre a produção e consumo da bebida. Também é possível visitar pequenos produtores da região para ver de perto o maguey transformando-se em mezcal e, quem sabe, levar para casa algumas garrafas compradas direto da fábrica. Muitas dessas produtoras se preocupam em manter a produção da bebida um processo artesanal e sustentável, beneficiando a comunidade local e preservando a terra e a planta do agave.
O processo começa com cuidadosa seleção do agave, com base na maturidade da planta, níveis de açúcar e outros indicadores. Após o corte, as raízes são colocadas em um forno, o que garante o gosto sutil do defumado no processo final. Em seguida, o maguey pode ser triturado à mão, cortado ou colocado em um moedor de pedra. Cada um desses processos afetará o resultado final. A planta é então posta para fermentação e o mestre mezcaleiro decide qual será o nível de fermentação que ele utilizará em seu produto. Mas o grande aumento de demanda pelo mezcal sentido nos últimos anos ameaça esse modo de produção secular.
Assim como ocorreu com o Pulque, o Mezcal passa por um boom em seu consumo graças a uma onda de valorização da autenticidade da cultura mexicana entre turistas e locais. “O mezcal ficou mais popular nos últimos anos, antes seu consumo era associado às classes baixas. Hoje, temos mais variedade disponível e também é mais fácil de encontrar”, conta Irma Pineda, escritora, enquanto abre uma garrafa e nos serve uma dose em sua casa em Juchitán de Zaragoza, em Oaxaca. “Eu sempre tenho uma garrafa, gosto de tomar uma dose às vezes”, acrescenta.
De olho nessa crescente demanda, o mercado interno começa a se transformar para permitir a produção em larga escala e a entrada de grandes empresas no jogo, de forma semelhante ao que aconteceu com a tequila. Caso isso aconteça, pode representar um risco para as micro destilarias espalhadas pelos estados de Oaxaca, Guerrero, San Luis Potosí, Durango, Zacatecas, Tamaulipas, Guanajuato e Michoacán, muitas delas mantidas por famílias indígenas.
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Tomei mezcal no Ano-Novo em Cabo Polonio, servido por um mexicano. Me lembrou um pouco saquê, não pelo sabor, mas porque também é suave, você mal percebe que aquilo é álcool... Até a hora em que o efeito começa, claro.
hahahah o efeito é certeiro!