Mil dragões pelas ruas de Barcelona

Foi um abrir de olhos. Eu já estava em Barcelona há alguns meses e, durante todo aquele tempo, eles passaram despercebidos. Mas foi só um amigo perguntar, como quem não quer nada, se eu gostava de dragões que, subitamente, eu comecei a vê-los. “Não sei por que, mas aqui eles estão por todos os lados”, ele me disse, apontando para um pequeno dragão chinês no alto da fachada de uma casa. E estavam. De todas as formas, estilos e tamanhos, escondidos em cada esquina. Nas esculturas das praças, nas entradas dos edifícios, nas maçanetas e janelas, em todo lugar.

Há quem diga que o motivo para a infestação desses seres mitológicos na cidade é o seu patrono. São Jorge, ou Sant Jordi, como os catalães o chamam, recebeu tal título em 1456 e desde então protege a capital catalã. Segundo a lenda do século 9, um terrível dragão aterrorizava a região da Capadócia. Assustados, os moradores dali começaram a entregar ao monstro dois cordeiros por dia para manter seu estômago ocupado.

No entanto, um dia os cordeiros acabaram e a solução foi tirar na sorte quem seria o primeiro humano a virar papinha de dragão. E é claro que a premiada do dia foi a princesa. Mas São Jorge não podia deixar uma donzela ter um fim tão terrível. Com sua espada, salvou a princesa das garras do dragão e terminou com o suplício do reino, imortalizando-se como herói.

Ninguém sabe ao certo a origem dessa fábula, já que registros históricos afirmam que o verdadeiro Jorge morreu em uma perseguição aos cristãos na região que hoje chamamos de Turquia. O fato é que a imagem do santo ficou para sempre ligada ao ser mitológico. Onde há São Jorge, há dragões, e não poderia ser diferente nas ruas de Barcelona. Ninguém sabe ao certo quantos dragões habitam a cidade. Esse blog local que afirma que são 400, mas o fotógrafo andorriano Josep Martínez, que se dedica há mais de 10 anos a registrar essa excêntrica presença na capital catalã, afirmou ao El Periódico já ter contado mais de mil.

As descobertas do fotógrafo são publicadas no livro Drakcelona, ciutat de dracs (Dracelona. Cidade dos Dragões), que se propõe a descobrir esse animal nas ruas da cidade e, com isso, também criar passeios e roteiros alternativos. A primeira edição do livro, lançada em 2010, já contava com 500 dragões. Hoje, já na terceira edição, o número ultrapassa os quatro dígitos, a maioria espalhados pelos bairros Gótico e Eixample, talvez pelo apelo turístico desses lugares. As figuras, no entanto, aparecem por todas as partes. Justo na minha janela, no charmoso bairro de Grácia, havia um que me fazia companhia dia e noite.

Ainda segundo o fotógrafo, outras partes do mundo também têm nos dragões seus guardiões. É o caso de várias cidades da China e do Japão, onde os animais mitológicos são considerados portadores de boa sorte. Nesses lugares, no entanto, predomina a figura oriental do dragão, aqueles, sem asas e com forma de serpente, conhecidos como naga.

Barcelona, no entanto, impressiona pela variedade de estilos e materiais usados na confecção de seu mascote. Há dragões de cimento, de cerâmica, de ferro, de pedra, com asas, sem asas e que representem diferentes mitologias. Alguns deles, catalogados em seu livro, já não podem ser encontrados porque foram roubados ou por algum outro motivo retirados das ruas: “Não se pode esquecer que algumas peças têm valor artístico ou de antiguidade e algumas pessoas as levam para casa”, afirma ao jornal.

E os dragões não foram o único legado de São Jorge para a cidade. Lembram da lenda que eu contei lá em cima? Dizem ainda que, do sangue que brotou do monstro, nasceu uma bonita rosa vermelha. Por isso, todos os anos, no dia 23 de abril, quando é comemorado o Dia de São Jorge, a cidade é decorada com flores por todas as partes. Também é costume que os homens ofereçam uma rosa às mulheres. Em troca, as moças os presenteiam com livros. Por sorte, o costume – um tanto machista – vem mudando nos últimos anos e agora todo mundo termina o dia de São Jorge com um volume a mais na estante, independente do gênero.

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Fotos: Shutterstock

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones e no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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