Óleo de Argan e as cooperativas de mulheres no Marrocos

O cenário é montanhoso, uma paisagem que mistura marrom com tons de verde. Na região das Montanhas Atlas, no Marrocos, fica o vale que é o único lar no mundo das árvores de argan, que existem há milhões de anos e hoje são responsáveis pela subsistência de milhares de pessoas, principalmente mulheres, através da produção do óleo de argan.

Árvore de Argan. Foto: Uglix / Flickr (CC BY-NC 2.0)

Há relatos que desde o século 13 o povo Berber, nativo do norte da África, tem usado o óleo de argan, que é extraído das sementes da árvore, para fins culinários e cosméticos. A argania é uma árvore espinhosa e frondosa: garante não só abrigo contra o sol quente das savanas no sudoeste marroquino, como são essenciais para o equilíbrio do ecossistema local. Suas raízes profundas ajudam a combater a erosão e a reabastecer aquíferos, o que protege essa região, tão próxima do Saara, da desertificação.

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Da árvore ao óleo de Argan

A fruta da árvore dá no verão e os animais precisam ser mantidos longe dela. Principalmente as cabras, que são criadas pela população e tendem a subir nas árvores para comer os frutos. Uma cena um tanto quanto instagramável, mas, a longo prazo, prejudicial ao desenvolvimento das florestas de argan.

Foto: Elena Tatiana Chis / Wikimedia Commons – CC BY-SA 4.0

Enquanto a fruta não cai naturalmente do pé e seca no sol, não pode ser usada. Dentro dela está uma amêndoa pequena, oval e de casca dura, que precisa ser quebrada para revelar os ricos grãos que produzem o óleo de argan. Mas do grão ao óleo, ainda vem a parte mais difícil do processo, que é tradicionalmente feita de forma artesanal pelas mulheres: um moinho é utilizado para moer e pressionar o grão, que é muito duro, e assim chegar no óleo.

Da fruta (a direita) à noz

Da noz ao grão/semente

O óleo de Argan para uso culinário tem os grãos tostados antes da moagem, enquanto o óleo cosmético dispensa essa parte. No final, a massa que sobra dos grãos é utilizada para fazer sabonetes esfoliantes ou é dada aos animais. E o óleo fica duas semanas decantando até chegar ao produto final, de cor bastante amarelada e cheiro forte de castanha. Seus benefícios para saúde incluem ácidos como omega-6 e vitamina E, que servem para o tratamento e o embelezamento da pele e do cabelo. Também tem benefícios para quem busca uma alimentação saudável.

Óleo de argan comestível puro e misturado como manteiga de amêndoa e com mel

As cooperativas de mulheres para produção do óleo de Argan

Nas últimas duas décadas, a popularidade global do óleo de argan cresceu exponencialmente. Porém, apesar da alta demanda, o método artesanal de produção do óleo ainda é o mesmo. São as mulheres das comunidades que fazem o trabalho intenso: 10 a 16 horas para transformar cerca de 30 quilos de fruta em apenas um litro de óleo de argan.

Além do crescimento econômico, o potencial de transformação social possibilitada pela produção chamou a atenção não só do governo do Marrocos, mas também de organismos internacionais como ONU, União Europeia e agências de desenvolvimento social de países como Alemanha, Espanha e Japão. Foi a partir da cooperação dessas instituições que, em meados dos anos 1990, surgiu a primeira cooperativa de mulheres para a produção e marketing de Argan, em Tissaliwine, uma província da cidade de Essaouira.

Dessa primeira cooperativa derivaram várias outras, que tornaram possível a criação de uma União de Cooperativas Femininas, a UCFA, cobrindo toda a região da rota do Argan (Agadir, Tiznit, Taroudant, Chtouka Ait Baha e Essaouira), que hoje é apenas um de vários coletivos.

Mulher nos explica a produção do Óleo na cooperativa de Argan Assaisse

O objetivo da ação coletiva é dar suporte às mulheres dessas comunidades rurais e garantir remuneração às suas famílias e o desenvolvimento sustentável da região. Além disso, por meio das cooperativas as mulheres conseguem apoio governamental para investir em equipamentos como maquinário para ajudar na moagem dos grãos, o que facilita o processo e diminui o trabalho pesado.

Com as cooperativas, aumentou o acesso à educação, salário e uma vida fora do âmbito doméstico. As duas cooperativas que visitei durante a viagem pelo Marrocos empregavam entre 50 a 60 mulheres.

“Antes, uma mulher não podia sair de casa. Entregávamos o óleo ao nosso marido, que depois vendia no mercado e não ganhávamos nada. Mas hoje as coisas mudaram completamente. Somos financeiramente independentes agora, e em geral recebemos mais que nossos maridos. Nós vamos ao mercado, compramos coisas, negociamos com homens. Estivemos na Espanha, na Itália, na França, na Alemanha e na China, para visitar eventos e apresentar nossos produtos”. conta Zahra Kenabo, presidente de uma cooperativa, para a Agência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO).

Hoje, segundo dados da Agência Alemã para Cooperação Internacional, existem mais de 400 cooperativas e mil mulheres trabalhando ativamente com o produto. Entretanto, é um ambiente competitivo, que exige certificados de qualidade internacionais cuja obtenção é cara e muitas vezes impeditiva para alguns dos grupos – assim, várias cooperativas continuam impedidas de exportar seus produtos e aumentar os lucros.

E a questão dos lucros é chave porque, mesmo unidas, as mulheres berberes são o elo mais fraco e empobrecido de toda a cadeia produtiva. Segundo dados da UNIDO, o salário das mulheres chega no máximo a 100 euros por mês (uma média de 40 dirhans por dia). Isso porque a exportação do óleo é dominada por empresas estrangeiras, feita em massa para grandes conglomerados, o que dificulta que as pequenas produtoras locais consigam negociar preços melhores, uma vez que elas nem têm acesso direto ao mercado internacional.

100 ml de óleo de argan puro comprado numa cooperativa marroquina

Segundo a revista Insider Arabia, enquanto o preço do óleo de Argan fora do Marrocos pode chegar a 400 dólares por litro, no mercado interno o valor é de apenas 40 dólares. Isso sem contar o fato de que marcas de cosméticos de luxo usam o nome do Argan e do Marrocos, sem de fato contribuírem com a melhoria das condições de trabalho no país.

Crescimento da produção e sustentabilidade

Não é fácil encontrar estatísticas recentes sobre a produção do óleo de argan no Marrocos. Segundo dados de 2018, levantados pelo jornal marroquino Telquel, o chamado “ouro líquido” gera em torno de 30 milhões de dólares anuais para o país. São produzidas mais de 4400 toneladas por ano, das quais 70% são exportadas.

Fruto da árvore argania. Foto: Mohamed Hamed / Wikimedia Commons – CC BY-SA 4.0

O tamanho da produção e a popularização do óleo de argan nos mercados internacionais levaram à consciência da necessidade de proteger as árvores e a região do vale do Suz. Em 1998, a área, que compreende mais de 2 milhões de hectares, foi definida como Reserva de Biosfera pela UNESCO e passou a ser protegida também pelo governo do país. Nos 100 anos anteriores à criação da reserva, o número de árvores nessa região havia encolhido pela metade, por conta da produção de carvão e agricultura intensiva.

As autoridades marroquinas trabalham há mais de uma década para estabelecer métodos modernos para irrigação e reabilitação das florestas de Argan, com o objetivo de triplicar a produção do óleo, desenvolver as comunidades rurais e aumentar o valor econômico do produto. Vem do governo 70% do financiamento para que as cooperativas invistam em maquinário e cursos de especialização.

Em 2019, o governo do Marrocos entrou com um processo para certificação do óleo de Argan com “Indicação de Geográfica Protegida”, um selo semelhante aos queijos da União Europeia e ao Champagne. A partir do momento que o IPG for alcançado, apenas o óleo de argan preparado no Marrocos e segundo uma série de regras poderá ser vendido no mundo com esse nome. Um passo importante de um longo caminho até que uma remuneração mais justa chegue aos produtores.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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