De navio à erva-mate, a origem dos nomes de 7 aeroportos brasileiros

Oficialmente eles têm nomes de políticos, artistas e personalidades, mas poucas vezes são chamados assim: preferimos falar de Galeão, Congonhas, Cumbica e Confins. Que tal conhecer a história por trás dos nomes de alguns dos mais importantes aeroportos brasileiros?

Muitos desses nomes informais vêm do tupi-guarani – casos de Congonhas e Cumbica. Outros, como Viracopos, têm origem mais, digamos, divertida. E tem até navio colonial gigantesco que, sem querer, batizou aeroporto.

Origem dos nomes de 7 aeroportos brasileiros

Aeroporto Internacional Tom Jobim

O final de outubro de 1665 foi um período agitado em Lisboa, quando a cidade inteira correu para ver o navio que chegava da colônia. O Galeão Padre Eterno era mesmo impressionante: que outro navio seria capaz de carregar até duas mil toneladas de carga e transportar cerca de quatro mil pessoas? Que outra embarcação daquele tempo era protegida por quase 150 peças de artilharia? E, ao mesmo tempo, tinha sido construída para ser um meio de transporte leve e resistente?

Com 53 metros de comprimento, o Galeão Padre Eterno foi o maior navio do seu tempo. Por isso mesmo, gerou perplexidade não apenas na sociedade lisboeta, mas também em estrangeiros que estavam por ali – e logo a notícia correu o mundo. O jornal O Mercúrio Português não exagerou ao descrevê-lo como “o mais famoso navio de guerra que os mares jamais viram”.

E o Padre Eterno seguiu cruzando os mares pelos anos seguintes, até naufragar no Oceano Índico, em data incerta. Séculos depois, ainda está presente no dia a dia do Brasil, mesmo que pouca gente saiba disso. É que o maior navio do mundo foi construído na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, ao longo de quase uma década – para isso, os portugueses criaram um imenso estaleiro e utilizaram madeiras da mata que cobria a região. Não demorou para aquela parte do Rio passar a ser chamada de Ponta do Galeão.

O nome ficou, mesmo depois que o Galeão tomou os mares. Séculos depois, batizou um bairro do Rio de Janeiro e o Aeroporto Internacional Tom Jobim, que é conhecido mesmo como Galeão. E assim o maior navio do século 17 deu nome a um dos mais importantes aeroportos do mundo.

Aeroporto de Congonhas

Para alguém nascido no interior da colônia, Lucas Antônio Monteiro de Barros teve um trajetória impressionante. Ele foi o segundo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o primeiro Presidente de São Paulo, durante o Império. Mas se o nome dele é praticamente desconhecido hoje em dia, seu título nobiliárquico segue famoso: ele era o Visconde de Congonhas.

Ele recebeu o título em 1827, numa referência à sua cidade natal, Congonhas do Campo, hoje um Patrimônio da Humanidade e conhecida internacionalmente. Culpa do santuário que Aleijadinho adornou com 12 estátuas em pedra-sabão. Mas não pense nos profetas mineiros ao desembarcar no aeroporto paulista.

A palavra congonhas, que batizou cidade, visconde e aeroporto, tem origem no tupi-guarani: a expressão kõ’gõi, que significa algo como “o que mantém o ser”. Era o nome que os tupis davam a uma planta que crescia nos morros onde Congonhas, a cidade, foi fundada: a erva-mate. Criado na década de 1930, o aeroporto ocupa uma área que antes pertencia ao Visconde de Congonhas – na época da construção, o terreno era do bisneto dele.

Portanto, quando desembarcar em Congonhas, você não estará errado se pensar na erva-mate. Ou no chimarrão.

Aeroporto de Congonhas no começo do século 20

Aeroporto de Confins

O século 21 já corria solto quando o Aeroporto de Confins superou a concorrência do Aeroporto da Pampulha, se tornando o principal de Minas Gerais. Com capacidade para receber 22 milhões de passageiros por ano, Confins ficou bonito e moderno depois da reforma e ampliação. Mas continua com uma fama ingrata, a de ser longe pacas. Cerca de 40 quilômetros separam o aeroporto da Praça Sete, o centro da capital mineira.

Embora o nome oficial seja Aeroporto Internacional Tancredo Neves, Confins é o apelido pelo qual todos o conhecem.  E vem do município onde o aeródromo está inserido, uma cidade de 7 mil habitantes. No fim das contas, não poderia ter nome mais apropriado, já que confins significa algo como “limite extremo” ou “fronteira” – a própria cidade tem esse nome porque, quando surgiu, ficava no ponto mais distante das fazendas da região.

Quando o Governo de Minas resolveu procurar um local para a construção do novo aeroporto, na década de 1980, Confins foi escolhida pela lonjura, para evitar que a cidade em expansão envolvesse o aeroporto em algumas décadas. BH cresceu de lá pra cá e Confins ficou bem mais próximo, mas ainda segue distante.

Aeroporto Recife/Guararapes

Como todo aeroporto que se preze, o que não falta para o de Recife é nome: a personalidade homenageada é sociólogo Gilberto Freyre, mas o aeródromo é conhecido mesmo como Recife/Guararapes.

Entender o Guararapes envolve relembrar as aulas de história: é que ali pertinho, num morro com esse nome, ocorreu a Batalha dos Guararapes, em que se enfrentaram holandeses e portugueses, em 1648 e 1649.

Em números bem menores, a tropa luso brasileira venceu os dois confrontos, no episódio que é considerado como o dia em que surgiu o Exército Brasileiro. E também colocou um ponto final na presença holandesa no país, como narrou o cronista Diogo Lopes Santiago:

A luta desesperada (…) durou várias horas, com os oficiais (nossos e inimigos) no meio da ação. Por fim, o campo ficou nosso e o alto dos montes do inimigo. O general holandês, gravemente ferido no tornozelo, determinou a retirada durante a noite, deixando dois canhões apontados para o boqueirão, disfarçando seu recuo para o Recife.

Se hoje Pernambuco tem aquele sotaque maravilhoso, é porque os holandeses perderam a guerra. O Morro dos Guararapes pode ser visto durante pousos e decolagens no aeroporto, agora com os prédios da metrópole ao fundo.

Morro dos Guararapes

Aeroporto de Cumbica

Outro que tem mais nome que os membros da família imperial: Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos – Governador André Franco Montoro. De uns tempos pra cá, começou a pegar o nome GRU Airport, mas bastante gente ainda se refere ao maior aeroporto do país de forma muito, muito mais simpática: Cumbica.

Com 90 mil habitantes, Cumbica é um distrito da cidade de Guarulhos, onde o aeroporto está localizado. A palavra tem origem no tupi-guarani, embora o significado gere polêmica. Alguns pesquisadores dizem que cumbica significa algo como “buraco feito por serpentes ou outros animais” – daí a semelhança com outra expressão brasileiríssima, a cumbuca, também um buraco, mas que em tupi passou a denominar objetos como copos ou cuias.

Outra versão garante que cumbica significa algo como “nuvem baixa ou nevoeiro” – e ta aí um nome não muito apropriado para um aeroporto. Melhor ficar com as serpentes.

Aeroporto Internacional de Viracopos

Se um dia o Brasil fizer um torneio para os melhores nomes de aeroportos, a taça ficará em Campinas. Maior centro de carga da América do Sul e uma alternativa aos principais terminais de São Paulo, o Aeroporto Internacional de Viracopos fica a pouco menos de 100 km da capital paulista.

Existem duas versões para a origem do nome, e ambas envolvem bebedeira. Uma delas conta que, no começo do século 20, a comunidade que vivia ali deu uma festa daquelas: teve brigas, quebradeira e muita gente bêbada. Nas missas seguintes, o padre da igreja local passou uma baita reprimenda, reclamando do festival de viracopos. O nome pegou, batizou o bairro e, décadas depois, o aeroporto.

A outra versão é menos interessante, mas também prova que a vida noturna por ali sempre foi agitada. Diz que no local onde está o aeroporto existiria um bar, usado como parada estratégica pelo tropeiros.

Aeroporto Internacional Eduardo Gomes

A curiosidade não está no nome do aeroporto, mas no doce. O Aeroporto Internacional de Manaus presta homenagem a Eduardo Gomes, aviador e patrono da Força Aérea Brasileira. Ele foi ministro em três governos diferentes (Café Filho, Carlos Luz e Castelo Branco).

Antes, em 1922, participou da Revolta dos 18 do Forte, quando um pequeno número de soldados rebeldes marchou contra centenas de combatentes do Exército, em plena Copacabana. Foi um massacre, mas Eduardo Gomes sobreviveu.

Foi preso, mas solto a tempo de participar das guerras seguintes, como a de 1930, que colocou Getúlio Vargas no poder, e a de 1932. Promovido a Brigadeiro – a patente mais alta da Aeronáutica e equivalente à de General do Exército – Eduardo Gomes entrou para política. Foi candidato a presidente nas eleições de 1945 e 1950, perdendo nas duas ocasiões.

A herança dele para o Brasil foi um doce, o brigadeiro, criado durante as campanhas presidenciais e assim batizado em homenagem ao político. A versão mais maldosa, que pode não passar de mito, diz que o doce ganhou esse nome porque, assim como o Brigadeiro Eduardo Gomes, não levava ovos – na época, corria o boato de que ele teria perdido os testículos após tomar um tiro, durante a Revolta dos 18 do Forte.

A outra versão, a oficial, conta que o brigadeiro foi homenageado pelos próprios apoiadores, que inventaram o doce e passaram a vendê-lo para juntar dinheiro pra campanha.

Veja também: A curiosa história política do Brigadeiro
As histórias secretas de Copacabana, no Rio de Janeiro
Vigilantes do céu – como a falcoaria ajuda na segurança de aeroportos
O jubileu do Concorde – os 50 anos de história do avião supersônico
5 acidentes misteriosos de avião

Bônus – o Aeroporto Santos Dumont

O Santos Dumont é dono da vista mais impressionante do mundo. Chegar no Rio por ali é incrível não só pela proximidade com o centro, mas pelo voo panorâmico por alguns dos pontos turísticos mais bonitos do Brasil.

Um dos mais movimentados aeroportos do país, o Santos Dumont deve seu nome, claro, ao inventor e aeronauta brasileiro. E foi sempre assim, já que o nome foi escolhido por Getúlio Vargas pouco antes da inauguração do aeroporto, em 1934 – Santos Dumont tinha morrido dois anos antes, o que tornou a homenagem em algo lógico.

Morro do Castelo, em pintura de Victor Meirelles, em 1885

Se não existe nada de curioso envolvendo o nome, há com o endereço. É que o Aeroporto Santos Dumont foi construído numa área aterrada da Baía da Guanabara, o Aterro do Calabouço. O aterramento ocorreu na década de 1920 e para isso foram usadas as terras do Morro do Castelo, onde a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro tinha sido fundada, em 1565. Na segunda década do século 20, políticos resolveram que eliminar o morro ajudaria a melhorar o clima na cidade. Uma bobagem, mas o crime estava feito.

No Morro do Castelo ficavam inúmeras casas dos séculos 16, 17 e 18, dois fortes, uma igreja, um convento e até a muralha que cercou a primeira Rio de Janeiro que existiu. Ali estava enterrado Estácio de Sá, fundador e governador do Rio – os restos dele foram removidos e guardados, mas a maior parte do Morro do Castelo virou pó. E serviu no aterramento da área onde, uma década depois, surgiria o Aeroporto Santos Dumont.

Se você chegar ao Rio por ali, lembre-se que está pisando em 500 anos de história.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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