A receita é simples: açúcar, gemas de ovo, água e folhas de hóstia. Cozidos em fogo baixo, formam um dos doces mais tradicionais de Portugal, os Ovos Moles de Aveiro. O local onde são feitos é tão importante quanto o sabor doce e forte de ovos. É que esses são classificados pela União Europeia com a Indicação Geográfica Protegida (IGP), ou seja, uma certificação dada a produtos gastronômicos produzidos numa região, que ainda são confeccionados da mesma forma que os fez famosos há séculos.
Segundo a Bernadete Bittencourt, pesquisadora que fez um estudo sobre a inovação social no processo de certificação do doce, nunca antes na Comunidade Europeia alguém havia pedido uma certificação para doces conventuais feitos de ovos, tendo em vista as dificuldades para armazenagem e conservação do produto.
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Os ovos moles surgiram no Mosteiro de Jesus, no século 16, onde hoje funciona o Museu de Aveiro. Naquela época, as freiras usavam as claras de ovos para engomar roupas. Para não ocorrer o desperdício das gemas, criaram a receita do doce. O açúcar vinha da Ilha da Madeira e era distribuído aos conventos pela coroa portuguesa, como uma espécie de esmola.
Na receita original dos ovos moles de Aveiro é necessário que as gemas venham de ovos frescos, e sejam misturadas lentamente, em tacho de cobre a fogo brando, a uma mistura caramelizada de água e açúcar. Tudo isso mexendo por 45 minutos, sem parar. Depois, viram o recheio de uma massa de hóstia que tem temáticas de conchas e peixes – afinal, Aveiro é uma cidade de pescadores.
No século 19, os conventos foram extintos em Portugal e a receita do doce foi parar nas pastelarias da cidade. E ganhou fama.
Em 2016, uma escultura, no Largo da Fonte Nova, em Aveiro, imortalizou a história da cidade e seus doces.
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No final dos anos 1990, segundo Bittencourt, havia um problema de adulteração na produção de ovos moles. Não existiam leis de amparo para combater as fraudes na produção e o preço do doce vendido na rua era menor do que nas pastelarias.
Ao mesmo tempo, com os quase 500 anos de produção, também existia uma percepção da importância dos ovos moles tanto para o turismo, quanto para a gastronomia da região. Tratava-se não só de um atrativo para negócios, mas também da cultura daquelas pessoas.
Nessa época surgiu a Confraria Gastronômica de São Gonçalo, o primeiro espaço formalizado onde passou-se a discutir a necessidade de proteger a qualidade do produto. Dessas discussões e da aproximação com a Universidade de Aveiro, a Associação Comercial e o projeto Rota da Luz, surgiu a Associação dos Produtores dos ovos moles de Aveiro (APOMA).
O objetivo da Associação, explica o estudo da Universidade de Lisboa, era garantir que a receita e os processos de fabricação do produto fossem genuínos. A APOMA interviu na falsificação, nos contratos de trabalho ilegais e nas questões de segurança, tipo evitar problemas de saúde pública como a salmonela.
Desde 2004, a APOMA criou o Caderno de Especificações dos ovos moles de Aveiro, que é um documento que protege nacionalmente a produção do doce. Não são regras impossíveis de mudar. Por exemplo, o Caderno sofreu algumas alterações em 2015, para permitir que também pudessem ser produzidos ovos moles cobertos com chocolate 63% de cacau, os chamados ovos moles pretos.
A conquista do IGP só ocorreu em 2010. Há um conjunto de regras muito rígidas para a certificação. Por exemplo, a matéria-prima, no caso, os ovos, deve ser da região que lhe dá o nome e precisa ser fabricada de forma artesanal, em empresas familiares, organizações menores ou cooperativas. O produto deve conservar suas características típicas e os saberes dos atores sociais preservados ao longo de gerações.
Após essa conquista, a APOMA passou a buscar a internacionalização dos Ovos Moles de Aveiro, com técnicas para ultracongelar o produto e possibilitar a exportação. Logo, você pode comprar ovos moles lá em Aveiro ou aqui no Brasil, e eles terão o mesmo rótulo e símbolo de certificação padronizados. Em 2017, lançaram uma candidatura a Patrimônio Imaterial da Humanidade. Além disso, o doce concorre, em 2019, como uma das 7 Maravilhas Doces de Portugal.
Há diversas pastelarias no centro histórico da cidade de Aveiro, próximas aos canais da Ria, que servem o doce. Além do seu formato tradicional, você encontrará sorvetes de ovos moles e o recheio do doce utilizado em diversas receitas. Há também lugares como a Pastelaria Latina, que foi uma das precursoras na produção atual dos ovos moles pretos, feitos com chocolate.
Certamente, o local mais interessante para visitar é a Confeitaria Peixinho, fundada em 1856, que diz ser a mais antiga casa de ovos moles de Aveiro. Eles vendem os doces em caixinhas iguais aos dos macarons de Paris.
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