Você talvez nunca tenha ouvido falar no Molotov-Ribbentrop, mas sabe que, em 19 de agosto de 1989, a manchete na capa do The New York Times dizia: “Após décadas de negações, o Kremlin confirma pela primeira vez hoje que, ‘sem alguma dúvida’, a União Soviética e a Alemanha Nazista secretamente e ilegalmente dividiram o Leste Europeu em esferas de influência antes do começo da Segunda Guerra Mundial.”
Antes de entrar no processo de como Estônia, Letônia e Lituânia conseguiram finalmente se tornar países independentes, vamos voltar um pouco no tempo e entender o tal pacto secreto.
Visite a história: Roteiro de viagem pelos Países Bálticos
No dia 23 de agosto de 1939, quando a Europa assistia inerte a Alemanha Nazista fortalecer seu projeto armamentista e invadir alguns Estados, o Ministro Soviético das Relações Exteriores, Vyacheslav M. Molotov, e o Ministro Alemão, Joachim von Ribbentrop, assinaram um tratado de não agressão. O que os russos negaram, veementemente, até o final dos anos 1980, é que esse tratado também incluía um pacto secreto que não só abriu caminho para os nazistas invadirem a Polônia em 1° de Setembro – causando o início da Segunda Guerra – como também permitiu que a União Soviética invadisse os territórios dos Bálticos.
O tal pacto ou protocolo secreto, que tem o nome dos dois ministros, Molotov-Ribbentrop, dividia o mapa do leste europeu em esferas de influência. Um segundo protocolo foi assinado um mês depois, definindo melhor tais fronteiras. Basicamente, os russos teriam liberdade para anexar Letônia, Estônia, Lituânia, o norte da Romênia, o leste da Finlândia e parte da Ucrânia e da Bielorrússia. A Polônia seria dividida entre as duas potências. Você pode ler o acordo (em inglês) nesse link.
Ministros assinando o Tratado de não agressão
O pacto Molotov-Ribbentrop continuou em vigor até 1941, quando a Alemanha quebrou o acordo de não agressão e invadiu a Rússia (e os territórios ocupados por ela). Na confusão da guerra entre as duas potências, os três estados tentaram estabelecer governos nacionais e, inclusive, num movimento anticomunista, chegaram a apoiar os nazistas, mesmo com a Alemanha não reconhecendo a independência dessas nações. Cerca de 90% da população judia desses países foi exterminada durante os anos de ocupação nazista, uma soma que chega a quase 300 mil pessoas.
Segundo uma reportagem do NYT de 1991, os documentos originais sobre o acordo Molotov-Ribbentrop foram queimados pelos nazistas no final da guerra, mas uma cópia de microfilme (forma de armazenamento analógica, em filme fotográfico) acabou preservada, e foi entregue aos britânicos e aos norte-americanos, que divulgaram seu conteúdo. No entanto, o governo soviético da época negou a existência de tais protocolos. Alguns anos depois, os soviéticos passaram a dizer que não possuíam arquivos do tal acordo secreto. Somente em 1989, como dito no início do texto, o Kremlin confirmou sua existência. E apenas em 2019 eles foram expostos ao público.
Qualquer expressão nacional dos países bálticos, com a ocupação, foi proibida. Símbolos, cores nacionais, religião, tudo isso precisava desaparecer. Os territórios passaram por um processo de “russialização” econômica e social e muitos russos também imigraram para lá nesse período. Ao mesmo tempo, centenas de milhares de pessoas foram deportadas para áreas remotas na Rússia ou para campos de trabalhos forçados. As estimativas são de que, no período total de ocupação soviética, morreram cerca de 60 mil pessoas na Estônia, 35 mil na Letônia e 45 mil na Lituânia.
Na Lituânia, foi organizado o principal movimento contra a ocupação soviética. Na primeira década da ocupação, movimentos de guerrilha, chamados de “Combatentes pela Libertação”, conseguiram reunir por volta de 50 mil pessoas, principalmente jovens de menos de 21 anos, contra o exército vermelho. A repressão foi violenta. Mais de 20 mil morreram, segundo o Museu da Luta pela Liberdade (também conhecido como Museu da KGB), em Vilnius.
Na data que marcou os 50 anos da assinatura do protocolo de Molotov-Ribbentrop, em agosto de 1989, movimentos nacionalistas, na Estônia, Letônia e Lituânia, que foram crescendo ao longo do tempo, organizaram protestos. O maior deles foi uma corrente humana, conhecida como Baltic Way, que uniu cerca de 500 mil pessoas, nos 600 quilômetros que ligam Tallinn, Riga e Vilnius.
Entretanto, as autoridades soviéticas ainda seguiram negando que o protocolo teria determinado de alguma forma o status político e legal desses territórios na URSS. A posição oficial era de que as três áreas teriam se tornado repúblicas soviéticas por livre e espontânea vontade, após seus parlamentos terem votado, em julho de 1940, um pedido de inclusão na URSS. O problema, obviamente, é que tais eleições foram conduzidas imediatamente depois do exército vermelho ter invadido as três repúblicas – e pressionado os governos locais.
O mapa mostra a divisão planejada pelo acordo Molotov-Ribbentrop e as mudanças reais nos territórios (algumas delas – como a fronteira da Rússia e a criação da Moldávia – permanecem até hoje)
Enquanto isso, as manifestações nos Bálticos só cresciam, especialmente na Lituânia, que em março de 1990 declarou sua independência, o que gerou uma série de boicotes econômicos, invasões do exército russo e mortes de manifestantes. Isso acabou inflamando ainda mais os sentimentos nacionalistas dos três estados.
Em agosto de 1991, ocorreu uma tentativa frustrada de golpe em Moscou, que enfraqueceu ainda mais o governo russo de Gorbatchov. Estônia e Letônia se juntaram à Lituânia e declararam independência – dessa vez, com o apoio do resto do mundo, que reconheceu a soberania desses países e, no mesmo mês, os admitiu na ONU. Com isso, a URSS aceitou finalmente a independência dos bálticos. Em 2004, os três países passaram a fazer parte da União Europeia e da OTAN.
Stalin entre os Ministros Ribbentrop e Molotov
Desde o início dos anos 2000 a Rússia vem tentando mudar a percepção pública sobre a assinatura do pacto, buscando reforçar que, naquelas circunstâncias, era sua única forma de defesa contra a Alemanha Nazista e que foi, na verdade, uma vitória em termos de diplomacia. Além disso, os russos acusam os demais países europeus, especialmente França e Inglaterra, de não assumirem suas responsabilidades em acordos semelhantes. Especificamente, citam o tratado de Munique, de 1938, em que franceses e ingleses concordam com a ocupação da Checoslováquia pela Alemanha, acreditando que isso evitaria um conflito de maiores proporções.
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Em agosto de 2019, 80 anos após a assinatura do pacto secreto de Molotov-Ribbentrop, a Russia lançou uma exposição sobre o documento e colocou o acordo original em exibição pública, nos Arquivos Públicos Russos, em Moscou.
Conjuntamente, Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia e Romênia publicaram, na época, uma declaração afirmando que Molotov-Ribbentrop teria “condenado metade da Europa a décadas de miséria”.
“É por isso que nesse dia (23 de agosto), proclamado pelo Parlamento Europeu como um Dia Europeu de Recordação das Vítimas dos Regimes Totalitários, lembramos de todos aqueles cujas mortes e vidas quebradas foram uma conseqüência dos crimes perpetrados sob as ideologias do nazismo e do stalinismo.”
O renomado historiador Roger Moorhouse explica como dois poderes ideologicamente opostos mantiveram uma parceria brutal e eficiente, na qual trocaram matéria-prima e maquinário e orquestraram a divisão da Polônia e dos Países Bálticos. Ao compartilhar equipamentos e expertise tecnológica, os nazistas e soviéticos tornaram possível uma guerra muito mais sangrenta e prolongada. Saiba mais: https://amzn.to/3pUXz2b
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Sugiro a leitura de https://blogdaboitempo.com.br/2019/10/25/contra-o-revisionismo-historico-o-pacto-de-nao-agressao-germano-sovietico-e-a-segunda-guerra-mundial/
abraço
Oi Mariana,
Obrigada pela indicação do texto.
Eu, enquanto estava escrevendo esse post, li e pesquisei algumas coisas semelhantes e tentei integrar a posição russa no texto no último tópico. Eu tenho muitos pensamentos conflituosos com tudo isso. É inegável que a Rússia foi quem garantiu que a vitória contra a Alemanha, que boa parte da ascensão do Hittler foi resultado direto de políticas estúpidas da Inglaterra e França. É errada e até hipócrita a tentativa de colocar nazistas e soviéticos num mesmo cesto.
Ao mesmo tempo, não dá para negar que a União Soviética invadiu sim alguns países de uma forma ilegal e violenta. Deportou, torturou e matou milhares de pessoas nesses territórios. Foi a única a fazer isso? De forma alguma (inclusive também tentamos trazer aqui no blog críticas ao capitalismo tb)! Mas negar que isso aconteceu também, logo depois de visitar países em que isso tudo aconteceu, seria errado da nossa parte.