Depois de quase morrer no interior da Amazônia, Theodore Roosevelt tinha certeza que os mosquitos foram os maiores inimigos que enfrentou na vida. “A selva brasileira me roubou 10 anos”, disse ele, ao retornar da expedição pelo interior do Brasil, em 1914. E olha que ele tinha fama de durão.
Presidente dos Estados Unidos por dois mandatos, entre 1901 e 1909, Roosevelt lutou na Guerra Hispano-Americana, foi eleito governador de Nova York e, um ano depois, vice-presidente dos Estados Unidos. Chegou ao poder após o assassinato do então presidente, William McKinley. No governo, ficou conhecido pela criação do Canal do Panamá e por desmantelar cartéis, mas foi também criticado por seu imperialismo. “Fale com suavidade, mas tenha na mão um grande porrete”, dizia o provérbio que tornou sua, err, diplomacia célebre. Com porrete e tudo mais, Theodore Roosevelt ganhou o Prêmio Nobel da Paz, em 1906, por ser o mediador num tratado entre Japão e Rússia. Ele é também um dos presidentes homenageados no famoso Monte Rushmore.
Depois de fazer seu sucessor na Casa Branca, Roosevelt passou quatro anos afastado da politica, período em que resolveu cair na estrada: ele liderou uma expedição de aventureiros pela África. De volta aos Estados Unidos, tentou vencer a eleição seguinte, em 1912. Foi preterido pelo partido, mas fundou seu próprio, só para poder disputar a presidência pela terceira vez. Tomou um tiro durante um comício, mas deu um jeito de acabar o discurso mesmo assim. Não adiantou: ele perdeu a eleição para o Woodrow Wilson, na última disputa eleitoral dos Estados Unidos que não foi polarizada entre democratas e republicanos.
Sem cargo e definitivamente aposentado da vida política, restou ao ex-presidente viajar. O foco seguinte das andanças de Roosevelt pelo mundo foi a América do Sul. Ele aceitou fazer palestras pelo continente e se planejou para, depois do trampo, dar uma passadinha pelo rio Amazonas. Ao saber do interesse do antigo mandatário dos Estados Unidos, Lauro Muller, então Ministro das Relações Exteriores do Brasil, resolveu convidá-lo para participar de uma aventura por terras verde e amarelas. Roosevelt aceitou na hora. “É minha última chance de ser um menino”, disse ele.
Mas a aventura, que seria comandada pelo então Coronel Cândido Rondon, passava longe de ser coisa de criança. O objetivo da expedição era percorrer o Rio da Dúvida, única área do território brasileiro que o homem branco ainda não conhecia. É importante lembrar que a redescoberta de Machu Picchu tinha ocorrido apenas dois anos antes, o que alimentou teorias de outras cidades perdidas na Amazônia e fez chover exploradores por aqui. Após as conquistas dos polos, também naquela época, a Amazônia era, no fim das contas, o último território inexplorado do planeta, a última grande aventura disponível.
Patrocinado por um museu norte-americano, o ex-presidente desembarcou no Brasil, junto com uma equipe de 20 pessoas, entre eles seu filho. No livro Through The Brazilian Wilderness, Roosevelt escreveu sobre as primeiras conversas que teve com o Coronel Cândido Rondon e que devem ter deixado claro o tamanho do desafio. “Durante suas viagens, o coronel Rondon teve várias experiências com criaturas selvagens. Os jacarés não são normalmente perigosos; mas eles às vezes se tornam devoradores de homens. Os enormes crocodilos da Amazônia são muito mais perigosos e o coronel sabia de repetidos casos em que homens, mulheres e crianças haviam se tornado suas vítimas. Certa vez, enquanto dinamitava um riacho para pescar, ele atordoou parcialmente uma anaconda gigante, que ele matou. Rondon disse que ela era maior que qualquer outra sucuri que ele já havia visto, e que, na opinião dele, se estivesse com fome, atacaria prontamente um homem adulto”.
Rondon já era respeitadíssimo na época, o maior explorador brasileiro e autoridade máxima no assunto Amazônia, território que ele percorria há duas décadas. A Expedição Científica Rondon-Roosevelt começou em Cáceres, cidade do Mato Grosso que fica na fronteira com a Bolívia. Dali eles inciaram uma caminhada de 40 dias pela selva, até a nascente do rio, que tinha sido localizada alguns anos antes pelo Coronel Rondon.
O passo seguinte foi começar a navegação pelos 1600 quilômetros do Rio da Dúvida – e pelo menos o começo da viagem foi tranquilo. “Borboletas de muitos tons esvoaçavam sobre o rio. O dia estava nublado e com chuvaradas constantes. Quando o sol rompeu as nuvens, seus raios transformaram a floresta em ouro”, escreveu o ex-presidente dos EUA.
Mas não demorou para a situação ficar complicada. O rio era repleto de corredeiras, o que fez com que a expedição perdesse suas embarcações e tivesse que improvisar outras – muitos dos suprimentos também se perderam corredeira abaixo. Numa dessas, um homem morreu afogado. A comida ficou tão escassa que uma parte do grupo desistiu da viagem e não demorou para brigas tornarem a situação ainda pior: num desentendimento por conta de comida, outro membro da expedição perdeu a vida. O culpado fugiu. “Nós não tentamos perseguir o assassino. Não poderíamos legalmente matá-lo, embora ele fosse um soldado que, a sangue frio, acabara de matar outro. Se estivéssemos perto da civilização, teríamos feito o possível para entregá-lo à justiça. Mas nós estávamos na selva. Nossa comida estava acabando, a doença estava começando a aparecer entre os homens, e tanto a coragem como a força deles estavam gradualmente diminuindo”, escreveu o político norte-americano.
Nesse ponto o humor de Roosevelt já tinha mudado um pouquinho. “Nessas florestas, há uma miríade de insetos que picam, picam, devoram e atacam outras criaturas, causando sofrimentos atrozes”. A natureza implacável, disse o ex-presidente, era sinônimo de dor e aflição. Junte a tudo isso a presença constante de indígenas, supostamente canibais, ao longo das margens do rio. Se o canibalismo ou não é motivo de controvérsia, não há dúvidas de que a tribo – cujo território estava sendo invadido pelos expedicionários – foi pouco amigável e executou outros grupos que passaram por ali. Foi a estratégia de Cândido Rondon, que orientava seus homens a não reagirem mesmo se atacados e espalhou presentes pelas margens do rio, que garantiu uma passagem segura para o grupo.
Perto do fim da aventura, Theodore Roosevelt feriu gravemente uma das pernas numa pedra, ao tentar colocar uma canoa de volta no rio. A ferida infeccionou e uma febre persistente, de 40 graus, deixou o ex-presidente a um passo da morte, delirando por dois dias numa maca e incapaz de prosseguir por conta própria. “Nenhum homem deve encarar uma viagem dessas sem estar disposto a não comprometer o bem-estar de seus associados com qualquer atraso causado por uma fraqueza ou doença dele. É seu dever ir adiante, se necessário de quatro, até cair. Felizmente, não fui submetido a esse teste”, escreveu o ex-presidente, que chegou ao final da aventura muito fraco, com 25 quilos a menos e com malária.
Theodore Roosevelt ainda visitou Manaus e Belém antes de retornar para Nova York, onde foi recebido com um misto de aplausos e descrença. A constatação de que ele tinha deixado 10 anos de vida na selva brasileira foi profética. Com complicações por conta da malária, ele morreu em 1919, aos 60 anos. Por iniciativa de Cândido Rondon, o Rio da Dúvida foi rebatizado, e hoje é conhecido como rio Roosevelt – ou, em bom português, rio Teodoro.
Além das memórias escritas pelo político, essa história gerou o livro O Rio da Dúvida: A Sombria Viagem de Theodore Roosevelt e Rondon pela Amazônia, da escritora Candice Millard. Os vídeos e fotos produzidos durante a expedição viraram um documentário, que faz parte do acervo da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.
Em tempo: Theodore Roosevelt foi um primo distante de outro presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, que décadas mais tarde foi eleito para quatro mandatos consecutivos na Casa Branca. Ele foi o presidente durante boa parte da Segunda Guerra Mundial. A esposa de FDR, a primeira-dama Eleanor Roosevelt, tinha parentesco ainda mais próximo com o ex-presidente aventureiro, que era tio dela.
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