“Enquanto a última mulher no final da fila não tiver igualdade de direitos, nós temos que continuar lutando. Aquela mulher é a medida da igualdade”, esse foi o argumento de Gail Heath, enquanto discutíamos sobre as mudanças nas vidas das mulheres nos últimos 100 anos. Healh é a CEO do Pankhurst Trust, uma fundação dedicada à memória e legado de Emmeline Pankhrust, uma das fundadoras e líder do movimento sufragista na Inglaterra.
Em 2018, comemora-se no Reino Unido o centenário do Representation of the People Act, uma emenda na lei que permitiu que mulheres com mais de 30 anos de idade – e que se enquadrassem em mais algumas regras sobre propriedades – pudessem votar. O ato também estendeu o direito a todos os homens acima de 21 anos. “Isso mudou a vida de tantas pessoas, e particularmente tantas mulheres, que nunca tiveram a chance de votar antes”, conta Helen Antrobus, historiadora especializada em mulheres no século 20.
Exposição no People’s History Museum em Manchester
Emmeline Pankhurst foi uma figura central para que essa mudança acontecesse. Desde o nascimento até a morte, ela esteve envolvida em movimentos sociais e política. Seja na educação que seus pais lhe deram, no casamento e na criação de suas próprias filhas, esteve conectada com o desejo de transformar o mundo e melhorar a vida das pessoas. Seu marido, Richard Pankhrust, era um advogado que trabalhava ativamente no movimento pelo direito das mulheres ao voto. Quando eles se mudaram juntos para Manchester, no norte da Inglaterra, Emmeline entrou no movimento sufragista, dentro de um grupo de um partido político liberal.
Cartazes pró-sufragistas. Disponíveis no Pankhurst Centre
“Manchester sempre foi uma cidade radical. Há uma frase bastante famosa que diz: ‘O que Manchester faz agora, o resto do país vai fazer duas semanas depois’, explica Antrobus, que também é curadora do People’s History Museum. Segundo a historiadora, “a cidade se tornou um espaço seguro para que as mulheres pudessem se envolver com política. Em 1819, já havia registros de mulheres participando da política. Isso foi cem anos antes delas ganharem o direto ao voto e 50 anos antes de começaram a fazer campanhas por esse direito”.
Quando o marido de Emmeline morreu, a deixou com quatro filhos e uma dívida significativa. Ela se mudou para uma pequena casa na Nelson Street e conseguiu um trabalho no qual passou a ter mais contato com tristes histórias de pobreza das mulheres na região. Ao mesmo tempo, ficava cada vez mais incomodada com a falta de efetividade dos movimentos sufragistas que existiam até então.
“Foi aqui, nessa sala, que em outubro de 1903, ela promoveu a primeira reunião e a organização foi fundada”, aponta Gail. A Women’s Social and Political Union (WSPU) – União Social e Política das Mulheres – estava aberta somente para mulheres e não tinha conexão com nenhum partido político. O lema era “Deeds, not word” (Atos, não palavras).
Duas filhas de Emmeline, Christabel e Sylvia, também eram líderes do movimento. Em 1905, Christabel Pankhurst foi presa pela primeira vez, quando, num comício, perguntou a Winston Churchill – então um político no início da carreira – se fosse eleito, o que faria pelo sufrágio feminino. “Elas foram presas e decidiram, em reunião, que não pagariam a fiança. Quando Christabel saiu da prisão, passou a ser considerada uma celebridade da época e o movimento ficou bem mais conhecido”, conta Heath.
Todas as mulheres do WSPU, inclusive Emmeline Pankhurst, foram presas dezenas de vezes. Elas faziam greve de fome durante o tempo encarceradas, o que gerava mais notícias sobre direitos das mulheres. Em 1908, durante um julgamento, Emmeline disse ao juiz: “Não estamos aqui porque nós quebramos a lei, estamos aqui por causa dos nossos esforços para nos tornamos fazedoras de leis”.
Mulheres do WSPU. Foto disponível no Pankhurst Centre
Quebrar janelas, pichar prédios e promover grandes protestos que chegavam a reunir 500 mil pessoas eram algumas das atitudes do grupo. Com o tempo e o desespero por mudanças, o radicalismo das ações aumentou e passou a incluir explosões em locais públicos vazios ou queimar igrejas à noite. Muitos grupos condenavam a atitude. “O jornal conservador Daily Mail criou o termo suffragette como uma forma de as diminuírem”, conta Gail. O termo correto seria sufragista. Porém, as mulheres do WSPU abraçaram o nome e passaram a utilizá-lo como uma forma de diferenciá-las de grupos moderados, que elas consideravam inefetivos.
Protesto sufragista. Foto disponível no Pankhurst Centre
Em 1908, Emmeline e suas filhas venderam a casa em Manchester e foram para Londres, a fim de centralizar o movimento. Pankhrust vivia viajando não só pela Inglaterra, mas também Estados Unidos e Canadá, para fazer discursos e marchas pelo sufrágio feminino. Ela era continuamente perseguida e presa durante essas marchas, a ponto de criarem estratégias de disfarce e até um grupo de seguranças femininas para tentar protegê-la.
Em 1914, quando começou a Primeira Guerra Mundial, Pankhurst considerou que esse era um momento de parar a militância e apoiar o governo contra a ameaça alemã. Ao mesmo tempo, cerca de um milhão de mulheres ingressaram no mercado de trabalho no Reino Unido: essa era uma mudança muito grande na sociedade. Toda a luta nas décadas anteriores, somada a contribuição das mulheres durante a guerra, convenceu o governo britânico a garantir pelo menos alguns direitos de votos a elas.
Cartaz crítico das sufragistas. Disponível no Pankhurst Centre
Foi em 1918, logo depois da guerra, que veio o Representation of the People Act. Um ano depois, outra lei deu às mulheres o direito de serem eleitas no Parlamento. Foi somente em julho de 1928 que os direitos de voto das mulheres foram igualados aos dos homens no Reino Unido. Pankhurst não viveu para ver isso – ela morreu aos 69 anos de idade, um mês antes da lei. Em tempo: no Brasil, o sufrágio feminino ocorreu apenas em 1936.
“Elas não lutaram por isso para si mesmas, elas lutaram por nós. E como mulheres hoje em dia, nós temos que continuar lutando. E é muito importante comemorar isso no ano que vem”, afirma Antrobus, que também é a gerente do programa de comemorações do centenário do movimento sufragista no People History Museum, em Manchester.
Emmeline, Sylvia e Christabel Pankhurst
“Hoje nós seguimos lutando pelos mesmos problemas básicos. Eu não consigo acreditar que se passaram 100 anos e mulheres no parlamento ainda sofrem tanto preconceito. É muito frustrante. Mas eu também não quero me esquecer das coisas que nós alcançamos. Como uma historiadora, quando eu olho para trás e leio a respeito, alguns dos comentários que foram feitos sobre essas mulheres e o fato de hoje elas serem consideradas heroínas para tantas pessoas é muito importante”, completa.
É possível visitar o Pankurst Centre, a casa onde Emmeline, Sylvia e Christabel viveram e criaram o WSPU. O pequeno museu conta com memorabilia antiga e um vídeo de apresentação mostrando filmagens e notícias da época. Abre todas as quintas-feiras, de 10h a 16h, ou ainda no 2º e 4º domingos do mês, de 13h às 16h. A entrada é gratuita, mas doações são aceitas, visto que o centro é parceiro de uma ONG que atende mulheres vítimas de violência doméstica.
Já o People’s History Museum, um museu muito dinâmico e interativo, conta não só a história do movimento sufragista no Reino Unido, mas também toda a história da democracia britânica nos últimos dois séculos, dos movimentos sociais e políticos e das grandes mudanças da sociedade. A entrada é gratuita e o museu fica aberto todos os dias, de 10h às 17h.
Em 2018, todo o Reino Unido celebrará os 100 anos do Representation of the People Act e do movimento sufragista, com programação especial organizada pelos dois museus citados acima. Segundo Antrobus, o objetivo será olhar para os 100 anos passados, para a campanha pelo sufrágio e todos os eventos que trouxeram essas mudanças e entender o que isso significa hoje: “Estamos ainda brigando pelas mesmas coisas que estávamos há 100 anos? E a principal questão que estamos trabalhando é se um voto é igual a uma voz. Será que sermos capazes de votar hoje é o bastante para que sejamos capazes de falar de problemas no Parlamento: sobre questões sociais, questões de gênero, questões que as mulheres lutaram há 100 anos”.
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Excelente texto Luiza. Esse é um tema que sempre vale a pena trazer à tona, para lembrarmos do poder arraigado em cada alma feminina.