Terremoto, a bebida chilena que te faz perder o chão

Nada na minúscula portinha e nas paredes pintadas de vermelho e amarelo indicava que eu estava prestes a entrar em um dos mais tradicionais bares de Santiago. No alto da porta, um letreiro avisava em letras cursivas: “La Pijoera“, ou “A Espelunca”, em bom português. Embora o bar funcionasse desde 1896, a placa só foi colocada em 1981, quando a administração se rendeu ao nome que já havia ganhado as ruas. “Dois terremotos”, pedimos, ao sentar nas velhas cadeiras de madeira no salão principal. A bebida que chegou também não tinha nenhuma cara de ser um dos drinks mais populares do Chile: servido em um copo de plástico de 400 ml, uma mistura bifásica de vinho branco, sorvete de abacaxi, fernet e granadina esperava para ser bebida à minha frente. “Toma cuidado. É forte”, advertiu meu acompanhante chileno.

“¿Y a ésta piojera que me han traído?”, exclamou o ex-presidente chileno Arturo Alessandri, no longínquo ano de 1922, ao entrar naquele botecão de marca maior no hipercentro de Santiago. A ideia pegou e o bar, que já teve vários nomes, passou a ser conhecido assim. A frase taxava o recinto de espelunca mas, apesar de um tanto mal-educada, tinha lá seu fundo de verdade. A Piojera era desses bares sem o menor resquício de frescura, do tipo que vende litrão barato e sanduíche de pernil. Fica em uma portinha bem da discreta ao lado do Mercado Central e, se você não sabe bem o que está procurando, pode até passar sem perceber. Apesar disso, já era considerado tradicional e queridinho entre a população local há décadas.

Bandeja de terremotos saindo na Piojera. Foto: (CC)

Mas a bebida só nasceu mesmo depois do grande tremor de 1985, que afetou duramente o país. Adicionar merengue, sorvete ou leite condensado ao vinho branco doce já era uma tradição que tinha certo tempo no Chile. E foi em meio à catástrofe que o bar estreou sua nova receita do tipo, batizando-a assim porque, embora seja doce e refrescante, pode te fazer perder o chão. A história tem controvérsias: há quem diga que o Terremoto surgiu no El Hoyo, outro bar de Santiago, e que recebeu esse nome porque dois jornalistas alemães que cobriam o sismo de 1985 exclamaram “Isso sim que é um terremoto!”, após tomar um copo da bebida.

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Pisco peruano ou pisco chileno: pra mim tanto faz

Onde comer e beber em Santiago

Seja como for, foi a Piojera que se consagrou no preparo do drink, que apesar de não ter completado nem 40 anos de existência, já é uma das receitas alcóolicas mais tradicionais do país. É bastante consumida nos meses de primavera e verão, como um antídoto para o calor, e também nas Festas Pátrias, que ocorrem em 18 e 19 de setembro – e os chilenos gostam de comemorar a independência bastante alcoolizados. O bar também popularizou as réplicas, os tragos servidos depois de um terremoto, e o tsunami, que se prepara com uma mistura de cerveja, vinho e pisco.

Com canudinho, bebi meu Terremoto até o fim. A bebida é docinha e desce fácil, mesmo não sendo fã de sorvete de abacaxi. Ao terminar, tremores de magnitude 6.5: insuficiente para causar qualquer desastre, mas forte o suficiente para sentir o abalo. “Uma réplica?”, perguntou o garçom. Não, hoje não. Era preciso sentir a terra firme para voltar para casa.

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Foto destacada: Shutterstock

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones e no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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