Suco de Manga ou “Sleeve Juice”? Por que a tradução de cardápios pode virar piada

Sempre que eu estou numa conversa com estrangeiros sobre comida brasileira, afirmo que a melhor culinária do Brasil é a do meu estado, Minas Gerais. O problema é que depois tenho que explicar o que é feijão tropeiro ou frango com quiabo em outra língua. E se eu tenho dificuldade em traduzir esses pratos, as listas na internet com as formas mais engraçadas de traduzir comida em cardápios Brasil afora provam que essa é uma tarefa para profissionais.

Enquanto muita gente pensa que só no Brasil você vai encontrar pérolas como “turned pages” para designar o salgado folhado, “it barks” para falar da lata de cerveja ou “against the filet” para o contra-file, esse artigo incrível “Por que a tradução de menus dá terrivelmente errado“, no Atlas Obscura, traz o ponto de vista de uma tradutora culinária americana na França e também compartilha vários casos de falhas em traduções pelo mundo.

Segundo um dos tradutores entrevistados para a matéria, Nicole Felipe, o problema é que quem traduz o menu, muitas vezes, não é um tradutor: “Com tantos restaurantes fazendo cardápios que mudam toda noite, eles não podem ter um tradutor profissional todas ás vezes que um novo prato vem da cozinha”, afirma. Porém, a autora Emily Monaco completa que mesmo alguém que fale bem as duas línguas pode ter dificuldade com certos itens do menu, principalmente aqueles em que as palavras não existem em outro idioma ou não são adequadas para explicar algo.

Pedimos, nas nossas redes sociais, para vocês compartilharem os itens mais engraçados que já acharam na tradução de menus. Eis as respostas:

É claro que seu boteco do coração não vai ter um tradutor profissional e vai apelar para o Google Translate, tendo como resultado as pérolas que ilustram o texto. Mas, para explorar mais o assunto, eu fui atrás de uma tradutora culinária profissional no Brasil e encontrei a Julia Medrado, da Tradstar, uma empresa brasileira especializada em tradução de menus. Compartilho com vocês o que descobri sobre a difícil tarefa de descrever comida, emoções e cultura num idioma diferente do seu:

360: A comida tradicional pode ser mais difícil de traduzir por conta das relações emocionais associadas à cultura e idiomas locais. Como trazer essas memórias emocionais numa tradução de menu?

Julia Medrado: Sim, é sempre um desafio traduzir tradicionalidades e nuances regionais, especialmente quando o prato ou ingrediente tem ressonâncias emocionais, como é o caso do nosso brigadeiro, da coxinha ou do pastel de feira, para citar exemplos bem fáceis e claros.

Só é possível transmitir um pouco da composição e/ou da história de determinado prato/ingrediente se houver, por parte do estabelecimento que o oferece, a intenção de conscientizar e aproximar o cliente.

O tradutor, por conta própria, nem sempre tem liberdade e/ou compromisso de redigir e inserir uma nota de rodapé sem que esta já esteja pensada no texto do menu original ou, pelo menos, solicitada previamente pelo cliente.

Mas, estando o tradutor liberado para se discorrer e explicar o prato ou ingrediente, este poderá então ser apresentado de modo detalhado, estilístico e totalmente mais atraente, ultrapassando barreiras linguísticas e culturais.

360: E quando o termo tem uma relação cultural que não faz sentido em outras línguas, por exemplo, feijão tropeiro ou arroz de carreteiro? 

JM: É preciso, abrindo espaço de diagramação nos menus, poder contextualizar o cliente dentro da proposta do estabelecimento na oferta daquele prato. Dizer a origem, a história, alguma curiosidade e, principalmente, a composição do prato, são formas de envolver o cliente e despertar o apetite através de recursos interessantes e explicativos. Sem esse espaço é difícil explicar ou traduzir literal e satisfatoriamente um prato tão específico quanto o “arroz de carreteiro”.

Esse serviço de explicar melhor o prato, quando não feito no menu, recai, então, aos garçons, que a menos que tenham sido previamente preparados, terão menos vocabulário/tempo/habilidade para explicar, em idioma estrangeiro, ao cliente algo que o tradutor poderia fazer de modo muito mais adequado.

360: Como traduzir ingredientes que são incomuns?

JM: Às vezes não há tradução. Ou há, mas é uma tradução que não cobre todos os sentidos do ingrediente em idioma de origem, como é o caso do “cury” ou “emmenthal” ou até de processos e estágios culinários como “al dente”. O tradutor nem sempre deve ou pode fazer contorcionismos linguísticos. Por isso, a solução é manter o termo em idioma original, explicando, se possível, e preferencialmente de modo breve, a origem, o conceito e/ou a referência mais próxima. Há situações especiais em que se é adicionada uma foto ou ilustração do item para facilitar ainda mais a identificação. Mas, em geral, conta-se com o talento do tradutor/redator para solução caso a caso.

360: E nas situações contrárias, de tradução de ingredientes estrangeiros para o português. Quando é aceitável usar palavras estrangeiras, sem excluir ou alienar os consumidores?

JM: No Brasil ainda é comum dar-se espaço a estrangeirismos e termos in natura. Parece soar mais sofisticado e original, o que atrai e agrada um público que busca cada vez mais “experiências” diferentes através das suas refeições feitas fora de casa. Por parte dos estabelecimentos, nem sempre é uma escolha democrática, especialmente em um país com alarmantes índices de diferença social, mas é o que vemos.

360: A menção do local de origem, seja no Brasil ou estrangeira, é usada como uma forma de valorizar o prato. Mas também pode confundir muita gente. Como isso é pensado no momento da tradução?

JM: Se as fontes são confiáveis, não deve haver proposições confusas. No entanto, se a origem do prato ainda é de certo modo indefinida, como é o caso do “arroz byriani” ou do “kebab”, por exemplo, é preciso redigir uma síntese, em recorte, que apresente o prato por um aspecto mais sólido, como sua importância para determinada cultura. Normalmente, esse recorte é feito em favorecimento da linha gastronômica do estabelecimento.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Desde que vi no Porto uma tasca com "sarrabulho popes" (papas de sarrabulho), "caretaker pudding" (pudim caseiro) e "steak with egg on horseback" (bife com ovo a cavalo), nada me admira...

  • Olá! curti muito o seu texto! Estou encerrando um estágio em Uniadade de Alimentação e Nutrição a achei incrível a sua forma de explicação sobre a importância da real tradução do alimento, seja ele para o hóspede que vem de determinados países, como a forma original do alimento, para que não seja passado para ele, algo que em sua tradução seja algo totalmente diferente.

    Abraços!!!

  • Adorei a matéria! Sempre me divirto com essas traduções, tanto aqui como no exterior. Eu já tinha visto Contra- filé como "against-steak" em um hotel de uma bandeira super conhecida, rede internacional (!). Acho que se fosse um hotel mais simples eu não ia reparar ou encrencar, mas por se tratar de um hotel mais sofisticado, achei uma mancada! E adorei essa tradução de Pamonha - "Fool" :D

    Bj e adoro o site de vocês!

    • Against-steak foi a tradução que eu mais vi enquanto pesquisava para escrever o post hahahaha

      Pamonha - fool é tão engraçado que é até difícil de acreditar que é verdade.

      bjs

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Publicado por
Luiza Antunes
Tags: Línguas

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