O que você pensa quando imagina uma atração cultural numa cidade? Quais programas culturais te atrairiam a visitar um lugar ou te fariam sair de casa mesmo na sua própria cidade? A verdade é que esses “usos” da cultura mudaram muito ao longo das últimas décadas.
Faz alguns meses, publicamos um post sobre não gostar de atrações turísticas tradicionais e algumas ideias do que podemos fazer em uma viagem para explorar os destinos de forma mais criativa. Na caixa de comentários, muitos leitores se manifestaram dizendo que também preferem esse tipo de abordagem do turismo. Todo mundo conhece alguém que fica entediado em museus. Tem um estudioso da área do turismo, o Prof. Greg Richards, que explica bem essa tendência. É que lá para os anos 1990, a ideia de consumo da cultura para atrair turistas tinha a ver com a construção de atrações como museus ou a criação de grandes eventos. É por isso que em qualquer cidade europeia – pequena ou grande – vai ter um museu com um tema bastante aleatório, como museu do papel, museu do relógio, dos esgotos…
Só que além disso não gerar os resultados esperados e ainda criar um monte de atrações meio parecidas umas com as outras, com a crise econômica global os investimentos públicos e privados em grandes obras ou grandes eventos culturais diminuíram.
Assim, segundo Richards, nós entramos numa fase da Cultura 3.0, que implica no uso das novas tecnologias para a diversificação e fragmentação da produção cultural, que passa a ser vista também como um meio de criar identidades, apoiar a criatividade e estimular a coesão: ou seja, voltada não só para os visitantes, mas os residentes também.
Como exemplo, Richards compara Berlim, onde o setor criativo tem, nos últimos anos, desenvolvido atrações culturais dinâmicas, propulsionando a cidade para o topo do ranking Europeu de destinos culturais. Ao mesmo tempo, as cidades italianas, mais baseadas no seu “capital cultural” tradicional, tem visto uma queda no número de visitantes.
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A percepção do autor é que a tendência do turismo cultural é uma mudança da valorização da cultura tangível para a intangível. Cada vez mais há interesse na cultura popular, em tradições e narrativas diferentes. A arte de rua, por exemplo, emerge com um fator importante nas cidades, às vezes tanto quanto os museus.
O que vemos hoje é o crescimento de programas de divulgação de cidades forcando nos termos “criativa” ou “cool”. Como exemplo, Richards cita Istambul, que tem sido divulgada na mídia com esses adjetivos, após investir em turismo nas favelas, festas em prédios abandonados, música rap e cena gastronômica diversificada para atrair residentes e visitantes. O slogan “Viva como um local” passou a ser vendido na internet.
O turismo criativo também foca em proporcionar experiências aos visitantes, como cursos diversos, que permitam ao turista ter um contato maior com a cultura local. Dai a necessidade de promover oportunidades para que não só os turistas possam desenvolver seu potencial criativo, mas também se comprometam e participem ativamente dos modos de vida e das experiências típicas dos locais que visitam.
Aprendendo a fazer gelato em Bolonha
Essa proposta é o que Richards chama de “economia da experiência”. E não é nenhuma novidade se você se lembrar de lugares como a Disney ou a Starbucks, cujo modelo de negócios é exatamente criar uma experiência para os consumidores com tema, narrativa e encenação.
Porém, cabe também acrescentar uma crítica a esse modelo. Toda essa interatividade com as comunidades locais que a economia das experiências propõe pode gerar uma nova forma de exclusão ainda mais cruel, por ser disfarçada de inclusão. Afinal, nesse caso, não só a cultura e as artes seriam um produto, mas também as próprias pessoas e seu modo de vida: por exemplo, o turismo de favela, citado por Richards ao explicar como Istambul tornou-se uma cidade “cool”, não só explora a pobreza como atração turística, mas colabora para o desenvolvimento de uma indústria que pretende sustentar a pobreza como está, afim de manter sua “atração” viva.
Ainda, a própria interatividade suscitada por novas tecnologias tem sim um grande potencial para aumentar o acesso à cultura nas cidades. Mas se o foco se mantiver somente nos turistas culturais e habitantes de alto nível de escolaridade e poder aquisitivo, dificilmente esse acesso será decodificado a outros segmentos sociais.
Por isso é tão importante que o turismo criativo procure ser mais que só uma experiência, mas sim uma real integração com as comunidades, uma valorização das culturas em geral e não somente aquelas que já são publicizadas de qualquer maneira. Assim, a criatividade vale aos produtores criativos, que usam suas habilidades para desenvolver as experiências; ao consumo criativo, que atrai os turistas; e, principalmente, às comunidades que usem do turismo criativo como um estímulo ao seu desenvolvimento.
Muitos os artigos do Prof. Greg Richards estão disponíveis gratuitamente na internet na sua página do Academia.edu – inclusive alguns desses estão traduzidos para o português. Também recomendo dar uma olhada no blog da Creative Elena, uma blogueira austríaca que escreve sobre turismo criativo e publicou o livro “The Creative Traveler’s Handbook“.
Quem quiser curtir experiências de turismo criativo pode checar o site da Sabiar, que reúne experiências legais em diferentes cidades brasileiras. Também vale a pena conferir a Rede de Turismo Criativo, que reúne iniciativas assim ao redor do mundo.
* Imagem Destacada: Shutterstock
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Muito bom artigo !
Parabéns.