Varzeneh: as mulheres de branco e as ruínas do deserto

Diz uma lenda que uma antiga civilização condenada pelo pecado foi enterrada sob as areias douradas do deserto iraniano. Os resquícios são poucos: alguns potes de cerâmica e outros artefatos cobertos pelas dunas por séculos e séculos.

Varzaneh é uma pequena cidade com 14.000 habitantes, situada a 105 km a sudeste de Isfahan, na divisa da província, e a cerca de 200 km de Yazd. Ao redor dela, o imenso Dasht-e-Lut.

Uma característica especial faz desse lugar perdido no mapa uma vila única no Irã. Ali, manda a tradição que as mulheres se vistam em chadors totalmente brancos, em contraste com as vestes escuras usadas no resto do país.

Um chador é uma peça de vestuário comum no mundo islâmico. Trata-se de um manto grande e semicircular que cobre o corpo inteiro, deixando apenas o rosto exposto. Usado para cumprir os requisitos de modéstia no Islã, ele é geralmente preto e não possui costuras ou fechos. Por isso, é segurado pelas mãos ou preso de alguma forma para mantê-lo no lugar.

Essa tradição vai muito além de uma mera preferência de moda. Embora menos chamativos que as túnicas das mulheres, os homens por ali também preferem roupas brancas a outras cores. A prática vem de tempos antigos e está enraizada na identidade cultural da vila, mas não se sabe ao certo o motivo.

Algumas fontes sugerem que é para afastar espíritos malignos, mas o mais provável é que as cores tenham sido uma forma de se adaptar ao clima quente do deserto.

Para além da curiosidade cultural, há pouco para se ver em Varzaneh. Uma pequena mesquita no centro da cidade é o ponto central da vida comunitária de uma vila extremamente religiosa. Se você visitar o lugar numa sexta-feira, dia sagrado do Irã, verá uma grande movimentação ao redor do prédio.

Algumas iniciativas de turismo de base comunitária tentam colocar Varzaneh no mapa do turismo no país. Elas incluem passeios pelos arredores e hospedagem estilo homestay, para quem busca imersão cultural em uma casa de uma típica família do interior mais profundo do Irã.

Se você visita a cidade com uma agência, é provável que sua parada por ali seja breve, incluindo o almoço em um simples restaurante local. Todo o resto do passeio será reservado ao deserto.

Resquícios do passado enterrados na areia

Escalar dunas exige preparo. É preciso vencer a gravidade sem nada de sólido abaixo dos pés. Você sobe, o chão cede, você desce alguns centímetros. O truque é dar passos rápidos, tentando ganhar mais altura que a que você perde. Em algum momento, ofegante, você chega ao topo.

Lá de cima, a areia é um oceano dourado de ondas que refletem a luz do sol e se espalham em todas as direções. Tudo parece tão estático, imenso e absoluto que é difícil imaginar que algum dia algo existiu onde hoje são apenas dunas.

Para o folclore local da religiosa e conservadora Varzeneh, a resposta veio dos céus. Segundo a lenda, um pai se apaixonou pela própria filha e conseguiu convencer todas as pessoas em sua vila de que a união era legítima. O pecado ofendeu Deus, que enviou uma tempestade de areia para sotarrá-los vivos.

Achados arqueológicos demonstram que o lugar pode, de fato, já ter sido habitado no passado. Não se sabe, no entanto, se se trata de uma civilização perdida, assentamento ou vila de pecadores. Mais provável que tenha sido apenas o trabalho paciente do vento que, aliado ao tempo, é capaz de soterrar reinos inteiros. Uma passagem incansável contra a qual todos somos indefesos e que nos mostra que tudo acaba um dia, um grão de cada vez, como em uma ampulheta.

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones e no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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Natália Becattini

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