Acredite: nada vai te preparar para a Índia. Lotada, caótica, suja e confusa. Ao mesmo tempo, diferente, interessante e bela. Por ali, os contrastes estão por todos os lados. Se apenas visitar o país já causa um tremendo choque cultural, imagina morar lá? Pois é. Quem acompanha o blog há mais tempo sabe que nós vivemos na Índia entre 2011 e 2012.
Selecionamos aqui algumas das primeiras impressões que tivemos do país, coisas que fazem muitos viajantes desejarem sair correndo de lá. Se isso acontecer com você, tenha calma. Superado o susto inicial, a Índia se revela um lugar incrível. Uma experiência que certamente muda a vida das pessoas, embora não exatamente do jeito que elas esperavam.
Sujeira e poluição
Nós nem tínhamos pisado na Índia quando tomamos o primeiro susto. Segundos antes do avião pousar no aeroporto de Nova Délhi, capital do país, eu olhei pela janela da aeronave. Eu esperava ver um país exótico, cheio de tuk-tuks, elefantes e vacas andando pelas ruas. O que eu vi? Absolutamente nada. É que a poluição impedia que tuk-tuks, vacas (e um ou outro elefante) estivessem visíveis. Também não consegui ver o aeroporto até que a roda da aeronave tocou o solo.
A Índia é suja, a ponto de invalidar completamente aquela regra dos seis segundos de tolerância para comer algum alimento que caiu no chão. Há lixo por todos os lados. Muitos lugares fedem a merda e mijo – não, nada de fezes e urina. O cheiro é de bosta mesmo, sem eufemismos. E o pior: nem sempre de origem animal. A culpa não é das vacas, mas da falta de banheiros que assola o país, problema considerado uma humilhação nacional até mesmo pelo governo.
Do aeroporto, nós seguimos até a rodoviária de Nova Délhi, uma unanimidade entre os estrangeiros que conheci por lá: todos concordavam que aquele era o pior lugar do mundo. Paredes quebradas, escuridão, odores nada agradáveis e lixo. Muito lixo. Era tão sujo que nós nem queríamos colocar as mochilas no chão. Ficamos com elas nas costas mesmo, até o ônibus partir. Conselho número um: Vai visitar a Índia? Ande com um pouco de álcool em gel. E prepare-se para deixar de ser fresco mudar alguns padrões.
Trânsito indiano
Enfim, o ônibus partiu. O motorista era alto, magro e tinha uma barba enorme. Ou seja: era a cara do Bin Laden. Com o Osama ao volante, começamos a viagem até Chandigarh, cidade onde iríamos morar. Na estrada, minhas impressões do país começaram a mudar.
– “Olha, aqui nem é tão sujo. Até se parece com o Brasil. Nem tem tanta… MERDA! A GENTE VAI BATER NAQUELA VACA!”.
Buzina. Mugidos. Num passe de mágica, o ônibus desviou da vaca, que ruminava calmamente na beira da estrada.
– “Ufa. Foi por pouco. O Osama é bom de roda. Nem sei como ele conseguiu desviar da… PUTA QUE PARIU, ele está dirigindo na contramão!!”
Buzinas. Gritos. Nosso motorista, ainda na contramão, mandava que os veículos no sentido contrário dessem passagem.
Qualquer pessoa que diga que o trânsito da Índia é o caos subestima o trânsito da Índia. Se o Caos em pessoa resolvesse dirigir na Índia ele certamente se envolveria num acidente nos primeiros cinco minutos. É preciso ter talentos extraordinários para dirigir ali, em meio a vacas, elefantes, carros, bicicletas, vacas, tuk-tuks, vacas, búfalos, camelos… e mais vacas.
Teoricamente o trânsito funciona na mão errada de direção, aquilo que os súditos da Rainha chamam de mão-inglesa. Na prática, essa regra pode ser abolida facilmente. Vi motoristas dirigirem por longos trechos no que seria a contramão, mesmo em avenidas movimentadas de grandes cidades. Conselho número 2: Nem pense em alugar um carro e dirigir. (Temos um post inteiro sobre o trânsito indiano. Leia aqui).
Barulho
Dizem que a Índia é o pior país do mundo para acordar de ressaca. Além dos vários odores, é barulho que não acaba mais. Depois de ser atropelado por um cerveja com 8% de álcool, o cara acordada zonzo. Tenta ir para o trabalho, até que é quase atropelado por um tuk-tuk. BUZINA. GRITOS. “De onde você é?”, pergunta um. “Compre meu produto”, fala o outro. BUZINAS. GRITOS. “De onde você é?, perguntam cinco pessoas diferentes. Cambaleante, o cara continua a andar, mas até agora não percorreu cinco metros. BUZINAS. GRITOS. Dor de cabeça.
Nada me irritava tanto quanto o barulho. Em especial o da buzina. Se no Brasil uma buzinada um pouco mais longa equivale a pior das ofensas, na Índia nada mais é do que um “me dá licença, que agora eu vou passar”. Eles buzinam para tudo. Para pedir passagem. Enquanto fazem a ultrapassagem. Depois que ultrapassaram. Quando estão sozinhos na pista e não tem nenhum carro para ser ultrapassado. A buzina é um barulho tão inofensivo que letreiros dizem “Buzine por favor”, na traseira de vários caminhões. BUZINAS. GRITOS. Conselho número 3: Vai visitar a Índia? Leve um tapa-ouvidos.
Noção de espaço pessoal
Eu estava dentro de um trem, numa das várias viagens que fizemos pelo país. Era uma classe mais cara, que tinha ar-condicionado, camas confortáveis e cobertores. E o melhor: garantia de camas individuais, sem ninguém invadindo o seu espaço. Peguei meu computador para assistir a um filme.
“O que você está vendo?”, perguntou o indiano que estava na cama do outro lado.
Tirei os fones de ouvido. Pausei o vídeo. Olhei para ele. “Um filme”, respondi.
Coloquei os fones. Peguei o computador. “Qual filme?”, perguntou o indiano. Fingi que não ouvi.
Um segundo depois ele estava tentando se sentar ao meu lado, na minha cama-que-seria-individual, e perguntando insistentemente: “Qual filme? Qual filme? Qual Filme?
A noção de espaço é muito diferente por lá. Os homens andam perto uns dos outros, encostam uns nos outros. Invadem o tempo inteiro o que seria o seu espaço, pelo menos aqui no Brasil. E perguntam. O tempo inteiro, coisas que nós consideramos indiscretas. “Quanto você ganha? É casado? Qual filme? Qual filme? Qual… AHHHHHH!
Como ter noção de espaço quando seu transporte público é sempre assim?
Calma. Conselho número 4: Tente não se irritar com perguntas indiscretas ou com gente invadindo o seu espaço. É um país com quase um bilhão e 300 milhões de habitantes. É claro que a noção de espaço é diferente. Seja compreensivo.
Comida indiana
Muita gente acha que o maior problema é não ter carne na alimentação diária. Engano: isso incomoda pouco. Além do mais, é possível achar carne na Índia. Em algumas cidades, de maioria muçulmana, até mesmo carne de vaca. O problema mesmo é a pimenta. Se você não curte, aprenda o mantra: no salt, no massala, no chilli. E tenha certeza que mesmo a comida não apimentada será picante para você, embora o cozinheiro indiano jure que não tem pimenta nenhuma ali. E muito provavelmente a língua dele, acostumada com os temperos, não sentiria mesmo pimenta nenhuma.
Superado o problema com a pimenta, há a diferença da alimentação em si. Nada de lasanha congelada. Nada de comida para forno micro-ondas comprada no hipermercado. Na realidade, muito provavelmente nada de hipermercado para comprar comida. Para quem vai só visitar o país isso pode ser interessante, afinal conhecer a comida de um lugar é uma etapa importante na hora de turistar. Mas experimente ficar seis meses com essa alimentação. Você vai sentir mais falta do arroz com feijão do que da carne. Conselho 5: Quando se cansar da comida indiana tente a afegã. Ela salvou nossas vidas.
Barganha
Se alguém te disser que o críquete é o esporte nacional da Índia, diga “truco”. Certamente o críquete lota estádios e causa uma comoção comparável a que temos com o futebol, mas todos sabem que o esporte nacional indiano é a barganha. Para os escolados funciona assim:
Você está numa feira quando vê um artesanato fantástico numa barraquinha. Se aproxima do local e, sem olhar para o produto e com cara de total desinteresse, pergunta –“Quanto é essa porcaria isso?”
“ É um produto raríssimo, original da caxemira. Três mil rúpias”, responde o proprietário.
“O que, meu amigo, eu moro aqui. Aquilo não vale nem cinco rúpias.”
E começa o jogo. Se comprador e vendedor saírem furiosos depois da venda, é a prova de que o preço foi o justo e deu empate. Caso raro. Ok, isso parece divertido num primeiro momento. Mas vai por mim: quando você tiver que barganhar para tudo, até para comprar uma garrafa d’água, você vai se cansar. O vendedor não, já que para ele isso é normal. Conselho 5: Treine sua sua capacidade de barganhar. Temos um guia completo sobre isso.
Roupas
Um estrangeiro chega na Índia e tenta se vestir como os locais. Para isso, ele usa sua melhor camisa indiana, comprada pela internet. O problema é que nós pensamos que os indianos costumam usar isto:
Mas na realidade eles usam isto:
Troll face. Você foi enganado pelos ocidentais, gente que acha que sabe o que a Índia é. A realidade é outra – mulheres indianas raramente usam roupas que deixem as pernas ou os ombros descobertos. Muitas delas usam o tradicional Sari. Homens quase nunca usam bermudas. E definitivamente não usam essas camisetas com elefantinhos. Na realidade, a vestimenta do homem indiano, pelo menos no norte do país, raramente varia do conjunto camisa social + mais calça. Quando muito, inclui uma camisa social dentro da calça. Assim:
E isso até na moda praia, como você pode ver na foto. É claro que nada impede que você use sua camisa com elefantinhos – é até muito fácil achar esse tipo de roupa em cidades turísticas. Mas tenha em mente que essas peças são feitas pensando em você, caro ocidental, e nenhum indiano vai acompanhar a moda.
Além disso tudo, ainda existe a diferença religiosa, afinal a Índia está bem longe do mundinho cristão a que estamos acostumados. Tem maioria hindu, mas também milhões de muçulmanos e sikhs. Isso significa que sai o Cristo, entra o Shiva Redentor. Ou o Ganesha. E outros costumes e crenças. Mas essas diferenças são bem menos impactantes, pelo menos diretamente. O pior mesmo é a buzina.
Vai viajar? O seguro de viagem é obrigatório em dezenas de países e indispensável nas férias. Não fique desprotegido na Índia. Veja como conseguir o seguro com o melhor custo/benefício para o país – e com cupom de desconto.
Rafael, amei teu texto!
Encontrei teu post numa pesquisa sobre cultura da Índia, tenho um canal de nail art no youtube e preparei um tutorial inspirado nesse país! Amo historias como a tua, fiz intercambio na Irlando no mesmo periodo que vc estava na India, se pudesse viveria rodando o mundo! Parabens pelo texto, me senti vivendo tuas experiencias (claro que a parte da bosta foi meio intensa huahuahua). Um dia ainda vou visitar a ìndia! Abraço!
Jesus! Pelo jeito a India é uma m.
Riscada da minha viagem
Prezado Rafael,
Estou pretendendo ir para India em fevereiro e vou com minha mãe e meu filho de 4 anos. Vc vê um grande problema em levar criança nessa viagem? Posso levar comigo por exemplo leite e papinhas?
Com relação ao dinheiro posso levar somente dólares?
Abs.
tem alguma sugestão como podemos comprar passagem de trem pela internet? gd abç do fã desse blog.
Ilustre Sette Camara, infelizmente não aceitam qualquer cartão de crédito para compra de passagem de trens no IRCTC. Pelo menos conclui isso pelo email que recebi:
Dear Customer,
With regard to your mail, we wish to inform you that the facility to use international card for making payment is available with AMEX Payment Gateway.
Further note that AMEX will allow cards issued only by following countries for Rail Ticket Booking-
Australia,China,Cyprus ,France ,Germany,Greece ,Hong Kong,India,Italy ,Japan,Malaysia ,Netherlands ,Russia ,Singapore ,Spain ,Switzerland ,Turkey ,United Kingdom ,Vietnam
Please ensure whether your card is issued by any of the above country then only it will be accepted on our website.
Note-IRCTC should be accepting Amex Safe key
transactions for countries covered on the link given below.
https://network.americanexpress.com/uk/en/safekey/faq.aspx
Haha ha Rafael me peguei rindo varias vezes sozinha com esse post,eu adoro e acompanho o blog e posso dizer que esse post foi o meu xodo,pois esta explicativo,realista sem susto apenas realista e uma pitade de comedia.aumentando ainda mas meu desejo de conhecer a “INACREDITABLE INDIA”como se refere o governo Indiano que por sinal nao e propaganda enganosa.Eu pretendo fazer o triangulo dourado “Dehli,Agra e Jaipur.rsrs esse post esta formidavel parabens um abraco carioca. Att Elaine Rangel
Olá pessoal, sou fã de suas dicas e estou com passagem comprada para o mês de novembro. Fiz os procedimentos recomendados e me cadastrei no IRCTC (trem). Simulei uma reserva e reparei que, entre os inúmeros meios de pagamento, não tem cartão de crédito convencional, só os de lá mesmo: geralmente débito. Como você faziam para comprar com antecedência e realizar o pagamento? gd abç
Boa tarde, gostava de ir para a India, ainda não sei se em trabalho ou em Turismo. Gostava que me indicassem (preço de vida, com quanto é possivel viver mensalmente nesse país); que cidade com melhor qualidade de vida, essas coisas.
Obrigado
Caro Rafael, gostei muito do seu livro. Tenho um pré-roteiro, entre 30/10 a 20/11. As cidades preferidas são (o que não quero perder coloquei entre parênteses): DELI (Bukhara); AGRA (Taj Mahal);Jaipur (?); Rishikesh (banho no Ganges); Khajuraho (Kandariya Mahadeo); Varanasi (passeio de barco); Amritsar (Golden Temple + troca de guardas na fronteira); Goa (?); Mumbai (?). Aceito sugestões. Qual seria a melhor ordem de uma cidade a outra? abç
Olá Rafael
Adorei seu relato sobre a India, sonho em ir pra lá e em todo cantinho deste mundo, aos poucos (:
Eu já conhecia esses problemas do país,mas nada que me assuste, ainda acho que por mais podre que seja o país, conhecer a cultura vale muito mais. A China, que visitei ano passado, também é um pouco assim, não chega a tanto, mas é… Cada lugar tem seus pontos ruins e bons, você mesmo deixou bem claro isso!
Bom, como desabafo só queria dizer que as pessoas (amigos) não entendem quando eu falo sobre esses pontos ruins da India… eles acham que estou criticando e logo já começam a defender, e isso me irrita. Penso: vamos ser realistas e equilibrados, não uns cegos… Para acabar com isso já vou mandar o link desse post para eles, finalmente achei o que precisava!
Eu estava planejando viajar pra India, mas o alto indice de estrupo foi a principal causa que me deixou com o pé atrás, afinal sou mulher.
Valeu muito a visita, até uma próxima. Ótimo Blog.