Pode acreditar: o mundo tem jeito

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Basta entrar na internet ou ligar a TV para se dar conta de quantos golpes, guerras e problemas existem nesse nosso mundão complicado. Em meio a tudo isso, muita gente se pergunta que planeta é esse, que parece mais uma definição do caos que um ambiente saudável para curtir a nossa breve existência. Mas antes que você grite  “o horror, o horror”, acalme-se.

Sim, tem muita coisa ruim em nosso planeta, mas muita coisa legal também – o problema é que nem sempre nos lembramos disso. Como disse o escritor moçambicano Mia Couto, “há, neste mundo, mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.” 

Como é notícia ruim que vende jornal, muitas vezes somos conduzidos a uma espécie de terrorismo pré-viagem. Por exemplo, eu morria de medo dos taxistas de Buenos Aires, tantas foram as advertências que li sobre isso. Desde que cheguei aqui, no entanto, não sofri nenhuma tentativa de golpe. Tenho certeza de que muitos casos assim ocorrem, claro, mas mais certeza ainda que a quantidade de taxistas honestos é infinitamente maior do que a de golpistas, seja em Buenos Aires ou em qualquer lugar do mundo.

A ideia deste post é mostrar que numa viagem – e na vida como um todo –  há mais pessoas dispostas a ajudar do que gente que vai te passar para trás. Para isso, selecionei um monte de boas ações que gente desconhecida fez comigo, com a Naty e com a Lu.

Algum desconhecido já te salvou de um perrengue de viagem? Conta para gente como foi e vamos levar adiante essa mensagem: o mundo é um lugar legal. A prova disso? Entre muitas outras, o ser humano.

Dos perrengues que já fui salvo

1 – Assim que chegamos em Buenos Aires, no mês passado, o taxista fez questão de nos dizer quais cuidados deveríamos tomar na cidade, contar um pouco da história da Argentina e dar dicas turísticas. E olha que isso foi horas depois da Argentina perder a Copa do Mundo. E ele não estava num dia muito feliz, óbviamente.

2 – Há quem diga que Paris é incrível, mas tem um problema: os parisienses, que seriam arrogantes e mal-educados. Não foi isso que percebemos. Numa noite de 2011, estávamos perdidos na cidade. E um senhor de uns 80 anos, que não sabia uma única palavra em inglês, se esforçou muito para nos ensinar, com mímica, como voltar ao hotel.

3 – O mesmo aconteceu quando encontramos uma mãe que estava com dois filhos pequenos e não falava uma palavra em inglês. Ela passou vários minutos fazendo mímica para nos dar uma informação.

4 – Também em Paris, um parisiense ajudou uma tia da Naty a carregar as malas pelas escadas do metrô. E isso aconteceu mais de uma vez.

5 – Foi também na capital da França, em 2013, que dois parisienses pararam para nos explicar como chegar numa atração turística. E nem precisamos pedir ajuda – eles simplesmente nos viram com um mapa na mão e resolveram ajudar.

6 – Em 2011, resolvemos fazer trekking na Table Mountain, na Cidade do Cabo. Só que o clima mudou de uma hora para outra – naquele dia fez um calor absurdo e várias pessoas tiveram que ser resgatadas da montanha de helicóptero. Nossa água acabou depois de seis horas de subida, mas uma família indiana nos deu uma garrafa a mais para que pudéssemos ir até o fim.

Não disse que teve até helicóptero?

7 – Também na África do Sul, precisamos deixar o país repentinamente, por causa de uma emergência familiar no Brasil. O dono do hotel onde estávamos, numa cidade chamada George, remarcou nossas passagens até Cape Town e avisou a todos hotéis seguintes que teríamos que cancelar a viagem. Antes disso eu tinha achado o cara meio chato, mas fui embora sentindo só gratidão.

8 – No Nepal, em 2012, uma greve geral tornou os deslocamentos por terra pelo país perigosos. O dono da pousada onde estávamos, em Pokhara, nos avisou disso e ofereceu as milhas aéreas dele para que conseguíssemos ir de avião até Katmandu. Ele foi tão legal que não me canso de fazer propaganda do hotel até hoje – ser for a Pokhara, fique lá.  E diga que nós mandamos um abraço.

9 – Depois de uma interminável viagem entre Nova Zelândia e Chile, chegamos em Santiago. Só que uma confusão no hotel atrapalhou a vida da Luíza, que não conseguia entrar no quarto dela. Depois de muita espera, ela chorou de desespero e cansaço. E um desconhecido se aproximou e ofereceu um abraço.  E não, ele não era um creep, só alguém legal mesmo.

10 – Em Kuala Lumpur, na Malásia, fizemos couchsurfing pela primeira vez. Além de nos receber de graça em sua casa, a Chiew inverteu a ideia do couchsurfing: ela fez questão de dormir no sofá e de nos dar a cama dela. E não houve nada que falássemos que mudasse a opinião da moça.  

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Naty, Chiew  e Lu em Kuala Lumpur

11 – A Chiew também resolveu nos buscar no aeroporto. Fez isso ao perceber que nosso voo chegaria muito tarde e que um táxi até a casa dela seria muito caro. 

12 – Em outra experiência de couchsurfing, o Marcel, um brasileiro, nos recebeu em Munique, justamente na época em que a cidade é mais concorrida: durante o Oktoberfest. Ele comprou um colchão inflável só para nos receber e nos deu a chave da casa dele, para que entrássemos e saíssemos a qualquer hora. A gentileza de uma pessoa que nunca tínhamos visto na vida permitiu que realizássemos um sonho antigo.

13 – Em 2011, nos mudamos para Índia, onde trabalhamos por um ano. O Dev, um colega de trabalho, fazia de tudo para ajudar os estrangeiros a resolver coisas básicas, mas que eram complicadas para quem não falava hindi: pagar contas, comprar gás, contratar um encanador…

14 – No Brasil, em 2010, o nosso carro atolou numa estrada de areia, entre Trancoso e a Praia do Espelho. Dois carros pararam para nos ajudar a sair de lá.

15 – A Naty deixou o celular dela na escada de um prédio, em Praga, na República Tcheca. Alguém achou e devolveu o iPhone na recepção do nosso hotel.

16 – A mesma coisa aconteceu com um taxista de Belo Horizonte, em 2011. Eu tinha acabado de comprar meu iPhone, mas ele caiu do meu bolso e ficou no banco de trás do carro. O taxista deu uma volta inteira na cidade para devolvê-lo – e não aceitou que eu pagasse o valor dessa corrida extra.

17 – A Luíza e uma amiga estavam perdidas numa cidade dos Estados Unidos. Elas já tinham caminhado dois quilômetros, quando o dono de uma loja de conveniência ficou com pena das duas, deu comida e providenciou que um funcionário as deixasse em casa.

E você? Tem um história para contar? Deixe um comentário e me ajude a ampliar essa lista.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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45 comments

Olá pessoal,

Adoro viajar e também acho que existem mais pessoas boas do que más, mas a maior parte das vezes estamos tão de pé atrás que é difícil aceitar a ajuda…

Felizmente já encontrei muitas pessoas impecáveis, uma das vezes em Israel após alugarmos um carro, parámos numa estação de serviço e quando regressámos já não nos recordávamos como o voltar a ligar (tinha um código e uma data de situações que se tinha que fazer) e um senhor Israelita quando percebeu que estávamos com dificuldade ofereceu para ajudar, telefonou para a empresa de aluguer, esteve imenso tempo ao telefone e lá conseguiu, no final nem aceitou que pagássemos a chamada 🙂

Numa outra situação no Rio de Janeiro, nos distraímos a caminhar quando demos conta já não estávamos perto de nenhuma zona turística, não passavam taxis e não fazíamos a mínima ideia onde apanhar algum autocarro/ónibus, de repente passa um autocarro/ónibus e pára no meio da estrada e o condutor nos chama e avisa que vai para o Leblon, percebeu que andávamos perdidos e que ainda nos poderíamos colocar nalguma fria 🙂

Beijinhos e parabéns pelo excelente trabalho

Andreia

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Dizem que os nova yorquinos são arrogantes, idiotice, um dia lá perguntamos ao segurança do museu onde ficava o Mc donalds ele explicou n entendemos, sentamos nas escadas do museu e meu disse q não havia entendido, poucos segundos depois, o segurança desceu até nós e fez questão de nos explicarmos onde ficava o local.

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Olá, Rafael!

Muito legal isso de compartilhar estes momentos.

Já recebi muitas ajudas de desconhecidos e já ajudei a muitos também. Tenho muito isso em mente, se tenho condições de ajudar, por qual motivo não o farei? E acho que a vida acaba retribuindo de alguma forma, como diria nosso mestre “Gentileza gera gentileza!”.

Uma das últimas que me aconteceu foi que eu estava “pernoitando” no aeroporto de Londres e eu estava no final da minha viagem esperando para voltar ao Brasil, sem dinheiro em espécie, e eu não estava conseguindo sacar, como se o banco estivesse bloqueando por segurança. Eu estava morrendo de fome e não tinha como comprar comida e teria que ficar no aeroporto mais 12 horas. Fui até uma loja estilo “Americanas express” que não lembro o nome e descobri que nem usar o débito eu conseguia. Foi aí que a menina que estava no caixa (acho que leu minha mente com a cara de frustração e fome que eu estava) colocou tudo que eu tinha pego para comprar na sacola e disse “pode levar, você vai ficar com fome a noite!” e eu disse que não, que eu estava com problema no cartão mas ia tentar de outra forma, e ela estendeu a sacola com os sucos e snacks que eu tinha escolhido e repetiu “Pode levar, não tem problema!”. Tinha dado 11 pounds. Eu agradeci e fui embora!

Fiquei tentando sacar em todos os ATMs do terminal e em 1 deles depois de muito esforço eu consegui. Acabei voltando na loja e pagando a menina, e agradeci novamente. Conversamos um pouco e depois me despedi. Pretendo levar algo quando voltar e se ela estiver por lá deixar uma lembracinha!

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Muito legal o post, concordo com você e o Mia Couto sobre o nosso alarmismo e pânico geral. Existe gente boa no mundo. abraço

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Em Caruaru, uma senhora que limpava a rodoviária ficou tão preocupada com o fato de eu ir sozinha pro hotel áquela hora da noite que parou o próprio serviço, falou com a dona da banca de jornal e conseguiu que ela me desse uma carona. Olha, a cada filho da puta no mundo, tem pelo menos umas 20 pessoas incríveis dando o melhor de si.

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Sim, o mundo tem jeito. Voltei a acreditar nisso na Tasmânia. Estávamos em Sydney e de lá meu filho ligou para reservar uma camper van para viajarmos pela Tasmânia durante uma semana. Meu filho, um amigo e eu. O responsável pela empresa, um belga, não só foi nos buscar no aeroporto, como nos deu uma pilha de guias de turismo e centenas de dicas imperdíveis. E equipou a camper van com TUDO o que precisávamos. Pura simpatia e gentileza.
Na Tasmânia, em Bicheno, planejamos conhecer a Maria Island, mas perdemos a lancha da manhã. Para ir na lancha da tarde, só se fosse para acampar à noite por lá. Mas não tínhamos barraca. Anna, a atendente do Posto de Apoio ao Turista, ofereceu sua barraca para passarmos a noite na Ilha. Indicou o local da sua casa, ligou para o esposo e, quando chegamos, ele nos esperava com a barraca e um sorriso no rosto, além de nos brindar com várias histórias interessantes e ricas sobre a cultura local. Durante toda a viagem nos lembramos deles, e ainda hoje lembrar de tanta gentileza me faz querer ser sempre melhor.

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Hola, Rafa! É verdade, existe muita gente bacana sim.. Tive uma experiência impressionante em Buenos Aires, numa noite de sexta-feira: distraída com o maridão, esqueci minha bolsa (com absolutamente tudo!!) em um táxi. Eu já a tinha dado como perdida quando tivemos a ideia de ligar pro meu celular, mesmo com pouca esperança uma vez que sabia que ele estava no vibra call.. Por sorte, depois de algumas tentativas nos antendeu um senhor velhiiiiinho que disse ter entrado no táxi com a esposa e ela tinha encontrado a bolsa. Eles a levaram pra casa porque perceberam que não era do taxista e diziam imaginar que alguém ia procurar por ela. Rapidamente nos passaram a direção da casa deles nós fomos imediatamente buscar.. e não faltava nada.. fiquei muito agradecida.. e mais atenta daquele dia em diante, rs..
Ah, nós vivemos em Buenos Aires há três anos, amo o blog de vocês.. o dia que quiserem fazer um couchsurfing lá em casa, estão convidados!!
Abraços!

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Esse post melhorou minha segunda-feira!!! Às vezes nos prendemos tanto nas notícias ruins que esquecemos que ainda existem pessoas boas…

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Em Paris, uma moça que estava no trenzinho que liga o aeroporto aos trens/metros, me ajudou a comprar o passe para poder usar o serviço. Tenho um pouco de limitação para caminhar, nas estações de metro, até chegar ao hotel, tive de fazer baldeações com a mala, em TODAS as escadas, sem que eu pedisse, alguém pegava minha mala e a deixava escada acima ou escada abaixo! Enquanto eu, no meu ritmo, ia pelos degraus…
Em Santiago, Chile, quando perguntava pra alguém, que passava na rua, determinada informação sobre direção de endereço, por várias vezes ouvi: “estou indo pra lá, você quer que eu lhe acompanhe?” Aceitei uma vez a companhia de uma mãe com 2 filhos. Fui conversando com ela e as crianças ficaram admiradas de ver a mãe “falar português”!
Costumo viajar só e até hoje contei com a ajuda e simpatia das pessoas dos lugares por onde passei!

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Rafael,
Eu também já passei por situações parecidas na minha vida de viajante. Eu lembro quando eu estava em Belém, no Pará, e acabei pegando o ônibus errado, que ia para um lugar completamente diferente daquele que eu precisava ir.
Quando fui perguntar para o cobrador como fazia para voltar e pegar outra condução que eu tive a surpresa. Todos que estavam lá levantaram para tentar me ajudar explicando como eu fazia para voltar. Uma senhora até desceu junto comigo apenas para me acompanhar e garantir que eu não me perdesse novamente.
Abraços,
Juliana Tavares

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