A Juliana Pavão é leitora do blog e fez um intercâmbio pela AIESEC de 11 meses, em Bangalore, na Índia. Ela escreveu pra gente sobre a experiência de um retiro de meditação de 10 dias em silêncio.
“Você sabe o que o Nobre Silêncio significa?”, me perguntou uma senhora simpática enquanto eu entregava o formulário de inscrição preenchido. Respondo um “espero que sim” bem-humorado, numa tentativa de quebrar o gelo e disfarçar meu pânico. Havia uma aura de tranquilidade que ainda não me atingira, mas eu estava confiante. Fui encaminhada ao quarto, que me surpreendeu positivamente. As instalações eram simples, mas extremamente limpas e bem conservadas.
Conhecemos a instrutora e eu tive que me controlar para não sucumbir ao choro que me travava a garganta. Estava nervosa, mas não sabia bem o porquê. Engoli as lágrimas, respirei fundo e disse a mim mesma que a experiência dos próximos dias seria algo que levaria comigo para o resto da vida.
A senhora me explicou que se tratava de algo muito além da ausência de som. O Nobre Silêncio vem de dentro. Mais que físico, é um silêncio do corpo e da mente, é se eximir de pensamentos e concentrar-se na observação. Era proibido qualquer tipo de comunicação: conversar, gesticular, ler, escrever… Até mesmo o contato visual era desencorajado.
O uso de celulares e demais aparelhos eletrônicos era estritamente proibido. Deixamos tudo em um cofre com a administração. Claro, podíamos entrar em contato com os instrutores em caso de dúvidas ou com a administração em caso de necessidades materiais e estruturais. Mas por 10 dias exercitaríamos a observação passiva de nós mesmos e para isso a tranquilidade da mente era necessária. Para que isso fosse possível, o Nobre Silêncio deveria ser respeitado.
O cronograma era rígido e assustava à primeira vista: acordar às 4 da manhã, meditar por 10 horas, dormir às 9 da noite e duas refeições vegetarianas e meia (digo “e meia” porque tínhamos um lanche à tarde e nada de jantar). Os horários eram respeitados religiosamente, mas essa não foi nem de longe a parte mais difícil da rotina. Já no segundo ou no terceiro dia, o organismo acostuma com o sino às 4h (eu mesma, que não sou nada matinal, acordava minutos antes todos os dias), com a pouca quantidade de comida, e com o silêncio. O difícil mesmo foi a meditação.
Durante os três primeiros dias, fazíamos exercícios que nos preparariam para prática do Vipassana. Começamos focando a atenção no triângulo que corresponde à área entre o lábio superior e as vias nasais. Não deveríamos visualizar nenhum objeto nem cantar algum mantra. A instrução era observar a respiração, sem interferir no fluxo de ar que passava por nossas narinas e tocava nossa pele pelo caminho.
E de repente, sentiríamos o que chamam de sensação. Podia ser uma vibração, uma coceira, uma dormência… Nossa única tarefa era observá-la. Se ela aumentava, diminuía, mudava de lugar, desaparecia. Não deveríamos imputar a ela nenhum sentimento. Ela não deveria ser prazerosa, nem incômoda. Era apenas uma sensação. E, em algum momento, sumiria.
Ao longo dos dias, a área de observação aumentava gradativamente. Já nos últimos dias, percebíamos as sensações em cada parte do corpo, em um fluxo contínuo, mas não constante. O princípio do Vipassana é a impermanência. Tudo passa. Tudo mesmo, tanto as sensações boas e prazerosas quando a dor e o sofrimento. Aprendemos a não nos apegar a essas sensações, o que levará à cura espiritual e, consequentemente, à física.
Essa cura busca dissipar impurezas mentais, culminando com a libertação da mente. Liberto, alcança-se a iluminação, que para o Budismo é sinônimo de felicidade plena. Mas engana-se quem pensa que a prática é Budista: apesar de desenvolvida por um Buddha há séculos, é encorajada a participação de pessoas de qualquer religião e também de pessoas sem religião. Durante o curso, é solicitado que todos abstenham-se de práticas religiosas e que a entrega à meditação Vipassana seja total.
O mais difícil é manter a mente limpa. Não é fácil observar sensações livre de julgamentos. Não vou mentir, dói. Permanecer sentada na mesma posição por 10 horas todos os dias causa dor. E é difícil não reagir a essa dor. Estamos acostumados a refutar sentimentos negativos e sofrimento. Somos ensinados desde pequenos a lutar contra a dor física e psicológica. A evitá-la a todo custo. Como também somos encorajados a criar expectativas, a buscar sensações prazerosas.
A verdade é que nada, nem a felicidade nem a infelicidade, dura para sempre. E a expectativa de prazer pode se converter em dor se não atingida. Da mesma forma que a dor pode se converter em prazer quando superada. Libertar-se desses sentimentos é conhecimento. E conhecimento, segundo Buddha, é luz e o caminho para a transcendência.
Não, você não alcançará a plenitude espiritual ou mental após a conclusão do curso de 10 dias. O caminho é longo e a prática deve ser diária. Você pode repetir o curso quantas vezes quiser. É totalmente grátis, até a acomodação e as refeições: doações de alunos mantêm os centros ativos. E não é preciso nenhum tipo de conhecimento prévio para se aventurar na prática do Vipassana. É preciso um pouco de coragem e muita disciplina – não é permitido abandonar o curso no meio do caminho. E, provavelmente, você cogitará essa possibilidade. Mas é importante insistir e se doar por completo. Algumas coisas você só vai entender quando terminar o curso. Outras, só quando fizer pela segunda, terceira ou décima sexta vez.
Fiz o curso em Bangalore, no sul da Índia, na reta final do meu intercâmbio pela AIESEC. Mas existem centros espalhados por todo o mundo, inclusive no Brasil. Para saber mais sobre o Vipassana, dá uma olhada no site (em português).
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Eu conheci a técnica através do documentário Dahmma Brothers. Fiquei impressionado e comecei a me preparar para fazer meu primeiro curso, ir aconteceu em 2015, de lá para cá, já foram 8 cursos, o último, foi o Sattipathana. Todos em Dahmma Santo, Engenheiro Paulo de Frontin, RJ.
Minha vida foi transformada, incorporei a prática a minha vida diária.
Se Buda, o cara, levou anos pra atingir a iluminação, é pq negócio não é fácil mesmo.
Fiz o vipassana antes da Ju e a incentivei a fazer. Mas nunca quis causar expectativa nela para que ela tivesse uma experiência 100% original, sem influência nenhuma. Pelo texto, percebi que conseguiu. Uma experiência inesquecível. Fico feliz que gostou.
=D
A Ju é uma das pessoas mais inteligentes e queridas que tive o prazer de conhecer na minha vida! Fascinantemente liberta das correntes do mundo.
=D
Muito interessante! Uma experiência que parece única de se desprender de tudo e todos.
De hecho debió ser una experiencia inolvidable olvidable 🙂
Parece muito difícil 🙁
mas bem fascinante.