Nômade. Durante algum tempo, essa palavra foi utilizada apenas nas aulas de história para designar os povos caçadores e coletores do período mesolítico. Afinal, desde que o homem desenvolveu a agricultura, essa coisa de ficar procurando um lugar pra achar comida perdeu o sentido. No século 21, ela volta ao dicionário para indicar uma nova tendência mundial: a compreensão de que, com auxílio das novas tecnologias, a necessidade de estar presente no escritório é drasticamente reduzida, quando não eliminada. Essa nova relação com o trabalho amplia nossas possibilidades – se eu não preciso estar no escritório, então eu não preciso nem mesmo estar no mesmo continente que o escritório. Na gringa, a figura do viajante full-time já não é tão rara. Eles foram batizados de nômades digitais.
A ideia ainda é controversa e causa estranhamento em muita gente adepta do “vamos deixar tudo como está”. No entanto, a cada ano, mais e mais pessoas fogem do escritório para o home office – e por “home”, nesse caso, vamos entender também quartos de hotéis, cafés, salas de convivência de albergues e barracas de camping. Nós do 360meridianos estamos experimentando esse estilo de vida há alguns meses. Se você se interessou pela ideia, tem algumas coisas que eu gostaria de te contar antes que você vá comprar uma passagem só de ida para algum paraíso tropical (lembre-se de checar antes se o destino tem sinal de wi-fi).
Escritório em Berlim
Você não está de férias
Quando você resolve aderir a um estilo de vida que envolve viajar durante a maior parte do tempo, é preciso ter em mente que a estrada deixa de ter o mesmo significado que tem para a maioria das pessoas. Você não está de férias. Não dá para querer esquecer todos os seus problemas, não ligar o computador e só curtir a vida adoidado naquela praia paradisíaca. Afinal, a menos que você seja algum tipo de herdeiro ou um gênio da bolsa, alguém vai ter que trabalhar para sustentar suas viagens. E eu posso afirmar com alguma certeza que esse alguém é você. Claro, você tem a possibilidade de organizar sua rotina da forma como melhor te convém. O esquema de 9 às 6, de segunda a sexta não faz mais parte da sua vida e existem diversas formas de dividir seu tempo, mas nada muda o fato de que você vai ter que dedicar algumas horas ao trabalho se quiser ver a conta corrente cheia no próximo mês.
Durante o projeto 360meridianos na Europa, nós usamos o fuso horário a nosso favor. Passeávamos durante o dia, mas tínhamos a obrigação de estar de volta ao hotel por volta das 18h. A partir daí, trabalhávamos até meia noite, o que dava um total de seis horas por dia dedicadas ao trabalho – algo muito próximo do tempo gasto em um expediente padrão e, talvez, mais horas efetivamente trabalhadas, já que não perdíamos tempo com as infindáveis distrações do ambiente corporativo.
A vantagem desse estilo de vida é a rotina flexível. Quando queríamos fazer alguma coisa que conflitava com essa programação, bastava um pouco de planejamento, criatividade e organização. Quando você foca em encontrar um equilíbrio entre o que você quer fazer e o que precisa ser feito, você descobre que seu dias têm mais horas do que você pensa.
Você não precisa correr
Entenda que você não está mais no esquema de espremer todas as atrações turísticas nas suas férias de 15 dias. Vá com calma. Se você programar sua viagem para ficar três dias em cada cidade e ainda tiver que entregar aquele trabalho, pode ser que sua vida fique mais estressante do que quando você estava trancado em um escritório. Confesso que só aprendemos isso na marra, por isso houve dias na Europa que foram difíceis.
Só você vai conseguir encontrar o balanço perfeito, e é provável que você cometa muitos erros de planejamento no início. No entanto, eu aconselho a ficar no mínimo uma semana em cada lugar. Se você pretende ficar longos períodos sem voltar para casa, logo perceber que trocar de lugar a cada poucos dias não é a coisa mais divertida do mundo. Em um planejamento de viagens longas que eu considero ideal, eu alternaria períodos de uma semana em cada localidade com períodos mais longos, de um mês, em lugares mais tranquilos – de preferência com uma praia legal a poucos metros de “casa”.
Escritório em Veneza
Você não tem que colocar uma mochila nas costas e sair por aí
No Brasil, viajar com filhos por longos períodos é um pouco mais complicado que em outros países, em parte porque não é permitido aos pais adotarem o sistema de home schooling. Isso não quer dizer que esse estilo de vida só vale para jovens, solteiros e sem filhos. Viajar é só uma das milhares de possibilidades que se abrem quando você assume o controle do seu tempo e localização. Quem não quer ou não pode se ausentar por muito tempo ainda tem a chance aproveitar os privilégios de ser um nômade digital, seja passando mais tempo com sua família, fazendo aquele curso que sempre quis, mas não podia porque o horário batia com o expediente, fazendo curtas viagens a cada intervalo de tempo ou se envolvendo em algum trabalho comunitário. As opções são incontáveis.
Passeio em Veneza
Sua mobilidade não pode ser um problema para os outros
Você tomou a decisão de ter mais liberdade e flexibilidade na sua rotina e, por isso, passou a transformar seu trabalho possível de onde quer que você esteja. Ótimo. Mas essa é uma decisão sua e é você quem deve arcar com qualquer possível complicação que surgir a partir dela. Na sua rotina de trabalho, é muito provável que você tenha que lidar com terceiros: clientes, chefes, colegas de trabalho. Para que essa relação não se desgaste e as pessoas não fiquem reclamando que você fugiu do mapa, é preciso criar uma estrutura em torno da sua nova vida para que os outros não sofram os impactos dessa mudança.
Existem dezenas de milhares de recursos na internet que facilitam o trabalho à distância. Se você precisa mudar um processo, pesquise uma alternativa que vai satisfazer as necessidades de todos os envolvidos e sugira a mudança, apontando os motivos pelos quais a nova solução vai facilitar a vida deles, e não a sua. Empresas modernas, que permitem o home office, provavelmente já têm boa parte dessa estrutura, mas infelizmente parte do mundo corporativo ainda está preso no antiquado século 20 e vai oferecer resistência à mudança.
A rotina é necessária
Nós não estamos inventando um modo de acabar com a rotina, apenas queremos que ela se torne algo mais flexível e menos imposto por um padrão de massas. Queremos que ela se adapte às necessidades e desejos de cada um, de forma a tornar seu dia a dia mais agradável. Quantas vezes você já se pegou desejando que a semana ou o mês passem rápido? É exatamente essa relação com a rotina que a gente quer mudar. Tem gente que se adapta muito bem com o horário comercial, outros são sufocados por essa vida. Estamos falando sobre criar opções. No início, você pode até tentar viver sem nenhum tipo de rotina, mas com o tempo vai acabar encontrando um padrão para o seus dias. A diferença é que você não vai mais sofrer com o fim do domingo.
Toda escolha envolve perdas
Não glamourize a vida de um nômade digital. Você vai ter que lavar roupa, pagar contas, se preocupar se o dinheiro vai dar até o fim do mês, lidar com problemas de conexão de internet e ficar acordado até tarde terminando aquele trabalho – mais ou menos todos os problemas enfrentados pelo meros mortais. Mais que isso, vai enfrentar sozinho alguns percalços criados pela sua escolha: tirar férias pode não ser uma recompensa a cada ano, você vai deixar de conviver com os colegas na empresa, a palavra estabilidade vai sumir do seu vocabulário e os finais de semana podem se tornar um dia de trabalho como qualquer outro, dependendo de como você se organizar. Em troca, você ganha liberdade e flexibilidade para fazer todos os dias coisas que outras pessoas só fazem de vez em quando. Pode trabalhar de casa, da praia, de um café, de uma casinha bucólica nas montanhas, do outro lado do mundo. A vida é feita de escolhas e essa é apenas uma delas. É preciso colocar os prós e contras na balança e decidir se isso é mesmo pra você.
Você vai sentir medo
Medo de não dar certo, de não conseguir dinheiro suficiente para se bancar, de ter jogado fora um empregão por nada. Isso é normal. Você está trilhando um caminho novo e repleto de possibilidades, mas também muito instável e cheio de riscos. Depende de você o quanto quer arriscar e enfrentar seus medos. Vou contar uma história: no início do ano, eu tinha finalmente conseguido um trabalho fixo – sim, trabalho fixo, porque no jornalismo, emprego é uma coisa rara – em um empresa que eu sempre quis trabalhar e que, ainda por cima, me pagava um pouco acima do piso para recém-formados – outra raridade na minha área. Só tinha um pequeno problema: eu detestava o trabalho. Eu trabalhava em um projeto secundário de um portal sob a supervisão de um chefe que já tinha projetos demais para lidar e raramente estava presente. O resultado é que eu tinha que cumprir sete horas de trabalho diárias, mas raramente tinha alguma coisa para fazer. O projeto não caminhava, já que não era prioridade no setor. Por isso, não tinha demanda e, o que para mim era pior, nenhum desafio.
Em Praga: Rotina envolve passeios e trabalho
Um dia, lá pelo meio de abril, meu chefe me chamou para a conversa. Eu já sabia do que se tratava: seria dispensada. Não aconteceu só comigo, metade da redação foi nessa leva. Eu já vinha namorando o estilo nômade há algum tempo e planejava pular nele até o fim do ano, ainda assim, após receber a notícia, eu comecei a chorar. Tudo o que eu conseguia pensar é que eu não estava pronta, que aquele não era o momento, que eu teria que arrumar um emprego pior até poder executar meu plano.
Mas eu já aprendi que chorar e se desesperar não ajuda em nada, embora eu continue fazendo isso com frequência. Passado o susto, resolvi aproveitar a oportunidade e mergulhar de cabeça na vida nômade. Acionei alguns amigos e consegui uns trabalhos de freelancer e assim estou vivendo até hoje. Eu tive medo, mas também tive um empurrão da vida. Quando eu vejo meus amigos se tornando grandes jornalistas, eu fico com medo de ter fechado essa porta. Mas aí eu olho para o que eu tenho hoje e vejo que eu continuo na minha própria estrada para me tornar uma grande jornalista, mas de outra forma. Pode ser que eu chegue lá, pode ser que não – meu futuro é tão incerto quanto o de qualquer outro. E eu também vejo que estou muito mais feliz do que eu estava lá dentro. E ser feliz, afinal de contas, é que é o grande objetivo.
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Olá Natalia! Primeiro gostaria de agradecer por compartilhar sua experiencia! Uma amiga minha viu uma reportagem sobre nômades digitais (eu nunca tinha ouvido falar), e me pediu para pesquisar sobre isso, pq era bem a minha cara!hahahah
Eu detesto as rotinas fixas dos trabalhos regulares, sou louca por viagens, desde a parte do planejamento à execução, falo inglês super bem e conheci alguns lugares da Europa ano passado. Quando voltei a minha realidade, percebi que realmente não é para mim, me sinto sufocada e de certa forma desperdiçada, pois trabalho como telemarketing.
Gostaria muito de saber como funciona essa questão de ir se bancando, pois é uma aventura e tanto! Infelizmente para mim, ainda é algo bem incerto!
Mas amei ler sobre sua experiencia e se puder falar mais sobre o assunto serei extremamente grata!
Abçs,
Ei Taiene, sua história é bem parecida com a minha! haha
Espero que você encontre um caminho alternativo com mais liberdade. A questão de ir se bancando é complexa e varia muito de pessoa pra pessoa. Eu trabalhei como freelancer por muito tempo até conseguir fazer o 360 ser minha fonte de renda integral. Mas dá para fazer muita coisa, não sei qual a sua formação, se você faz faculdade ou tel algum outro curso, mas acho que o primeiro passo é listar tudo o que você sabe fazer (tudo mesmo) e quebrar a cabeça pensando o quais dessas habilidades poderiam ser úteis para criar um trabalho que possa ser feito 100% online. Nesse link aqui temos mais posts sobre o tema: https://www.360meridianos.com/2013/04/nomade-digital-vida-com-mochila.html
Abraços
Oi o que você diria pra uma pessoa que não tem experiência na área mas tem muita vontade de ser nômade ? Por onde deveria começar?
Olá Valdeir, acho que o primeiro passo para começar é identificar uma maneira de levar a sua profissão para a estrada. Como você pode fazer o que você faz (ou começar uma nova carreira) de modo a não precisar trabalhar de um lugar fixo?
vocês poderiam fazer um post com a rotina de trabalho de vocês. é uma curiosidade que eu tenho e acho que seria interessante para aqueles que tem interesse em também ter um blog.
Já fizemos, Thiago: https://www.360meridianos.com/2014/08/viver-de-blog-vida-de-um-blogueiro-de-viagem.html
=)
Abraços!
Sobre a questão de filhos e viagens, o governo brasileiro permite sim homeschooling. O ensino fundamental com provas anuais em locais a combinar e o ensino médio também com provas a combinar OU com nota do ENEM.
Existem ainda algumas escolas que provém um sistema quase homeschooling, onde o aluno deve atender no mínimo a 12% do ano letivo e mandar os homeworks semanalmente.
Varios amigos fizeram o primeiro e o segundo sistema. Se vale a pena, ou não, fica pros pais decidirem.
Legal saber, Davi! Saberia informar mais sobre esse programa? Eu me lembro de uma caso que um casal foi acusado por abandono intelectual depois de ter optado pelo Homeschooling, mesmo com os filhos tendo conhecimento adequado para a série que deveriam estar. Penso que deve ser um procedimento complicado de conseguir autorização, certo?
Abraços e obrigada pela informação
Então, sobre o ENEM (eu mesmo tenho meu certificado do EM via ENEM) é ser maior que 18 anos.
As escolas que provem meio-homeschooling são na maioria escolas americanas (como a Wycliffe em Porto Velho).
Nos demais casos, que eu saiba, são “acertos” com a escola local.
Entendi, então é preciso estar vinculado a alguma escola de qualquer forma, certo? Obrigada pela informação!
Abraços
Voce poderia me dizer qual a profissão do João Guilherme Brotto que comentou acima?
Vou voltar a estudar agora,queria uma profissao que me permitisse viajar ou pelo ao menos conseguir emprego na Europa,e amo Londres.Mas parece que por lá só há vagas para engenheiros e profissionais de TI estrangeiros,talvez eu escolha uma das duas…
Olá Rafa,
Se não me engano o João Guilherme é formado em Comunicação. Mas realmente, TI é um mercado muito em alta nesses tempos.
Abraços!
TI é uma profissão que realmente está em alta. Mas Rafa, a melhor escolha para a profissão é o que te faz feliz, que dá o brilho nos olhos. Escolher uma profissão por qualquer outro motivo, pode ser até pior do que estar trancado num escritório de 08:00 às 18:00.
Oi, Rafa. Sou jornalista. Tenho uma empresa que presta serviços de Marketing de Conteúdo . Nossos clientes estão no Brasil, mas os atendemos de forma remota. Abraço!
Oi, João! A história de vocês é bem legal! Vocês moram em Londres mesmo, né?
Abraço!
E aí, Rafael! Valeu, cara! Passamos cinco meses em Londres e agora estamos em Curitiba. Mas nosso plano de vida é intercalar entre aqui, Londres ou outros lugares. Esse período lá nos comprovou que isso é perfeitamente possível! Abraço!
Olá Natália!
Adorei o site! Tenho pesquisado bastante para viver esse estilo de vida em breve, e confesso que me esclareceu muitas coisas! Estou estudando algumas formas de como sobreviver nessa nova vida, me programando aos poucos…acredito que tudo é possível quando se ama o que faz.
Parabéns pelo conteúdo e boa sorte na sua experiência!
Bjs
Boa sorte na sua trajetória, Lalla! =)
Abraços!
Oi Natália, muito bacana seu post! Sou nômade digital também e é realmente raro conhecer brasileiros adeptos. Seu post foi perfeito, principalmente pela parte da “glamourização” desse estilo de vida. Beijos!
Pois é, Marília! muitas vezes as pessoas acham que eu trabalho em frente à praia, tomando um caipirinha. hahaha tem nada disso. Com o tempo tudo vira rotina e a gente tem problemas e frustrações como qualquer outra pessoa! É tudo uma questão de estilo de vida e de encontrar um caminho que valha a pena para cada um. Tenho descoberto vários nômades brasileiros aqui no blog, antes de postar sobre isso não conhecia nenhum!
Abraços!
Natália, sempre volto nos teus textos quando vou viajar.
Sempre acho que tens dicas boas, assim como a Luisa e o Rafael.
Parabéns!
Que legal Endi! bom saber que você lê o blog =)
Abraços e boa viagem!
Oi Natália!
Acabei de ver esse post como indicação do Glück Project e adorei saber que existem brasileiros fazendo isso!!! Eu não conhecia o site de vocês e estou me aventurando como nômade digital há 6 meses e escrevi sobre isso também só que falando muito sobre o mercado americano e dizendo que não conhecia brasileiros fazendo isso. Se tivesse lido esse post antes teria te dado um lugar de destaque, pois pensamos muito, muito igual no que diz respeito ao tema.
Adorei conhecer o site e vou acompanhar vocês!
Beijo e quem sabe não trocamos mais ideias sobre o tema 🙂
Ei Fe,
Olha só, que coincidência! Eu tbm conheci seu blog esses dias, pq ele pipocou na minha timeline! Estou nessa vida desde abril. =) Que legal saber de outras pessoas que estão na mesma! Vamos trocando figurinhas sim, afinal esse caminho ainda é novo por essas terras!
Abraços!