Viajar é fugir?

“Por que você está perdida desse jeito?” Essa foi a pergunta que eu ouvi de uma chefe, quando contei meus planos de passar dois meses viajando pela Europa. Eu trabalhei na empresa dela por algum tempo antes de ir embora para a minha volta ao mundo e estava prestando um serviço temporário por lá para garantir uma grana extra para o próximo mochilão.

Se a sua história é parecida com a minha, é provável que você já tenha escutado coisas do tipo. Suas passagens estão compradas. Você passou meses juntando dinheiro. Conseguiu licença não remunerada ou simplesmente chutou o balde do antigo emprego. Você está ansioso, animado, feliz com tudo que vai viver em seu ano sabático, volta ao mundo ou mochilão prolongado. Mas aí, vem a fatídica pergunta, quase um balde de água fria: “Você está fugindo de quê?”.

Viajar é fugir?

Quem toma essa decisão é facilmente julgado de inconsequente, escapista, maluco ou sonhador. O que querem essas pessoas que nos criticam? Que a gente aceite a vida como ela é e nada mais, sem participar de forma ativa na construção do nosso destino? Que a gente se conforme em um modelo de vida e trabalho que já mostra sinais de desgaste? Que a gente guarde nossos sonhos bem guardados em troca de estabilidade financeira?

Leia também: Sobre pressões sociais, família, filhos ou escolhas diferentes

Existe um caminho de vida aceito como normal pela maior parte das pessoas. Nesse caminho, devemos ir para a faculdade, de preferência em um curso “rentável”, encontrar um emprego com ótima possibilidade de crescimento, crescer na carreira, casar, crescer mais na carreira, ter filhos, crescer na carreira, se aposentar ganhando muito dinheiro e aproveitar toda a vida que te resta e tudo o que você construiu ao longo dela. Qualquer coisa fora disso é considerado fracasso ou infelicidade. Fugir desse caminho é tentar escapar da vida. Não importa se os meses que você vai passar na estrada serão intensos e mais cheios de vida que anos inteiros no escritório.

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Em alguns casos, a decisão de tirar um ano para viajar, realizar projetos pessoais, fazer trabalho voluntário no exterior ou mesmo aprender alguma coisa que você tem vontade pode ser mesmo uma fuga. São inúmeros casos de gente que estava vivendo uma merda tão grande que decidiu largar tudo para ir embora. E, quer saber? Não existe nada de errado nisso. É claro que problema nenhum desaparece quando a gente compra uma passagem, mas a distância nos dá perspectiva e as experiências que vivemos nos ajudam a amadurecer, a enxergar as situações de forma diferente.

Em outros casos, a viagem pode ser motivada apenas por aquela vontade incontrolável de ver o mundo. Nessas situações, emprego e carreira simplesmente não são prioridade. Ou pode ser que você esteja insatisfeito com seu emprego e sua carreira. Se esse for o caso, qual o problema de dar uma pausa no trabalho e depois começar tudo de novo? Eu estava insatisfeita com o mercado de trabalho e me forcei a criar uma solução que bancasse meu estilo de vida e, além disso, me permitisse fazer as coisas que eu gosto. Isso é fugir? Então sim, queridos críticos, nós – sabáticos, nômades, mochileiros e viajantes de longo termo – estamos muitas vezes fugindo de coisas que não gostamos e também fugindo em direção às coisas que nos fazem felizes. E isso não quer dizer que a gente não encare nossos problemas – a menos que  para você encarar problemas signifique conviver passivamente com eles e esperar até o dia em que eles vão embora.

Saiba mais: Como viajar pelo mundo por um ano

E, embora eu não tenha dito nada àquela chefe do início do post, minha resposta deveria ter citado o velho J. R. R. Tolkien: “Nem todos que vagueiam estão perdidos”.

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones e no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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43 comentários sobre o texto “Viajar é fugir?

  1. Só pra dizer que eu concordo plenamente 🙂 E fico feliz porque apesar de existir muita gente que pensa como esse pessoal de que você falou, sinto que cada vez mais as pessoas valorizam essas experiências de vida que a gente adquire enquanto tá se perdendo por aí (com ou sem rumo). Espero não estar enganada 😉

    Obs: Não lembro se eu já disse, mas adoro ler os comentários começando com “Ei”. Minas <3

  2. Já me questinei varias vezes se realmente estava fujindo de algo. Mas esse questionamento vem justamente porque o nosso estilo de vida incomoda muita gente. Cheguei a conclusão que eu fujo sim, fujo de uma vida mais ou menos, de uma vida que os outros querem pra mim e não a que eu quero. E quer saber, se isso me faz feliz é o que realmente importa:)
    Ótimo texto Nátalia!!!

    1. Ei Laise, sou sempre a favor de fugir ao encontro da felicidade! =) E não vamos nos preocupar com essas pessoas que querem que todos vivam de acordo com a mesma cartilha! Fizemos escolhas e somos felizes com elas, isso é o que importa!

      Abraços! =)

  3. Oi Nathalia, tudo bem?

    Não sei porque você está com medo de dizer que está perdida ou coisa do tipo, ou com a necessidade de justificar algo. Posso dizer com todas as palavras que nunca estive tão confuso e as vezes perdido do que antes. A diferença é que agora eu conheço muito mais coisas e estou descobrindo minhas possibilidades enquanto quando na “minha anterior”, eu era o grande senhor de todas as razões da bolha sem sentido que eu vivia. 🙂

    Talvez você compartilhe dos mesmos sentimentos 🙂

    1. Ei Leandro,

      Eu não tenho medo de dizer que estou perdida. Eu simplesmente não estou. Não que eu tenha tudo bem resolvido na minha vida, mas tenho objetivos, sei para onde estou indo e tenho muita tranquilidade para mudar de caminho se um dia eu achar que preciso. A pergunta do post foi me acusando de ser uma barata tonta que anda para todos os lados e não sabe o que quer só porque eu não sigo a trilha tradicional da vida. Isso, definitivamente, eu não sou.

      Abraços.

  4. Pode ser que eu fuja mesmo… fujo de uma cidade, um estado e um país corrupto, onde a gente só ouve notícia ruim, do calor que faz o ano inteiro na minha cidade, do transporte público péssimo, da violência… pra mim, maluco é quem fica a vida inteira num lugar assim! Quem acha que a vida é casar, comprar um carro, uma casa, ter filhos, viver ‘plantado’ num lugar só. Se eu pudesse ia embora de vez. Mas como não dá, por enquanto, vou por um ano! 😉

    1. heheh, eu não fujo do Brasil não. Gosto muito daqui, só tenho curiosidade de conhecer outros países também. Fujo de um sistema de trabalho que me sufocava e dessa história de só viver para ganhar dinheiro.

      abraços!

  5. Texto perfeito!Apesar de ter viajado muito pouco ainda… sempre que comento com alguém que tenho vontade de passar alguns meses fora viajando ou que prefiro juntar dinheiro pra isso do que pra trocar de carro ou comprar um apartamento, sou taxada de irresponsável e coisas do gênero.. mas sabe.. toda vez que escuto algo assim só tenho mais e mais vontade de cometer essas “loucuras” e cada vez mais fico achando que as pessoas em geral tem muito o que aprender sobre felicidade.

    1. Pois é, Mariana, e alguém que se compromete por anos com prestação de carro zero caríssimo e juros altos é considerado perfeitamente normal! Não dá para entender essa nossa sociedade, viu? Os valores são muito invertidos.

      Abraços!

  6. Ah, o nosso blog é ummundoemeio.blogspot.com.br e colocamos o seu como indicação de leitura ok?! Caso não aprove, me avise que eu retiro! Obrigada! Bjs Bruna

  7. Adorei! Essa semana mesmo falamos disso e foi com esse desejo que também criamos o nosso blog de viagens. Ninguém tem que julgar nada. Cada um vive o seu plano. E vc sempre nos inspira nos nossos!!!

  8. Ótimo texto Natalia.
    Não apenas se tratando de viagens mas qualquer coisa que seja diferente do estilo de vida convencional é muitas vezes considerado como errado, infelizmente.

  9. Ser infeliz na rotina é tão normal, que ter uma rotina prazerosa é algo incompreensível para a maioria das pessoas. Para elas, viajar é sinônimo de fugir do chefe chato, ou poder comer um doce sem culpa. Nada mais. Fico com a impressão de que é esse pensamento que cria o “turista predador” (aquele que acha que só porque está de férias pode fazer o que quer, onde quer e na hora que quer- sem o menor respeito pelo local que visita, nem pelas pessoas que o recebem).
    Eu me sinto felizarda por poder dizer que amo minha rotina e amo em igual intensidade sair dela. Não tenho a sorte de poder conciliar profissionalmente trabalho e viagens, como vocês, mas vou conciliando os dois na divisão do meu tempo, dando (quase) igual atenção às duas atividades.
    Posso dizer que fujo do trabalho para as viagens e das viagens pro trabalho. E sou uma fugitiva feliz! rsrs

    1. Ei Ana, pois é, nem todo mundo quer ou pode viajar, mas ficar julgando os que fazem isso é tão complicado, né? O que me irrita são essas pessoas que acham que todo mundo tem que ser infeliz/frustrado só pq elas são infelizes/frustradas e a “vida real” é assim mesmo. Que bom que você é realizada no trabalho, isso é um privilégio que poucos têm!

      Abraços!

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