Tags:
Atlas: Brasil

Histórias de assédio na Copa do Mundo

Argélia x Bélgica, terça-feira, dia 17/06

Eu e meus amigos estávamos sentados numa mesa de bar na região mais movimentada de Belo Horizonte, a Savassi. Éramos seis pessoas: dois homens, quatro mulheres. Na mesa da frente, duas meninas com camisa da Bélgica e cara pintada conversavam tranquilamente e bebiam caipirinhas. Já era tarde e o último jogo do dia já tinha terminado. De repente, três caras começaram a urubuzar as moças. Eles não queriam conversar ou tentar conhecê-las:

– Oi belga! Me dá um beijo, give me a kiss!

Esse era o discurso dos caras, que pareciam estar cegos e surdos para a expressão de desconforto e os claros nãos que ouviram. Percebendo a confusão, chamamos as meninas – que já levantavam para ir embora e fugir dos babacas – para sentar à nossa mesa. Ela ficaram aliviadas. Enquanto isso, dois dos caras foram embora, mas um ainda ficou para reclamar da nossa intervenção:

– Pô, elas são gringas, estão no meu país, tem que falar comigo sim!

O Rafa o chamou de idiota e o cara veio bater boca, mas acabou indo embora depois que o ignoramos. Então as belgas conversaram conosco. Agradeceram nossa intervenção. Contaram que não aguentavam mais, que durante o dia inteiro tiveram que tirar fotos e aguentar o assédio indesejado e insistente (qualquer semelhança com a Índia não é mera coincidência).

– Eu só quero me divertir! – desabafou uma delas.

Pasmem, gente! Mulheres consideram diversão sentar no bar com a amiga e tomar uma caipirinha sem serem importunadas!

As duas estavam há quase seis meses no Brasil, trabalhando no consulado belga em São Paulo. Estiveram em Belo Horizonte para assistir ao jogo de seu país, assim como o casal de amigos meus, dois paulistas, que nos acompanhava no dia. No final das contas, ficamos todos amigos, conversamos muito até o bar fechar, trocamos contatos de Facebook e Whatsapp. Elas eram super simpáticas.

savassi belgica

Não tiramos fotos com as meninas, mas a outra mesa do bar também era de belgas animados!

No mesmo dia, mais cedo, durante o jogo

Outra amiga nossa, brasileira mesmo, estava sozinha na torcida da Bélgica no Mineirão. Alguém pintou o rosto dela com a bandeira naquela empolgação pré-jogo. Ela é bem branquinha, com cabelo castanho-claro. Isso e a cara pintada levaram o pessoal ao redor dela a achar que ela era belga. Consequentemente, também deviam achar que ela não falava português. Por isso, ela ouviu várias vezes durante os 90 minutos de jogo:

“É hoje que eu pego uma gringa!”

E vinham naquela aproximação tosca, sendo repelidos simpaticamente pela minha amiga, que respondia ser brasileira.

Colômbia x Grécia, Sábado, 14/06

Ninguém esperava a invasão colombiana em Belo Horizonte, mas muita gente se divertiu com a cidade pintada de amarelo – mesmo não sendo do Brasil. Na Savassi, uma multidão se aglomerava nos quarteirões fechados enquanto a cerveja acabava nos bares, que claramente não tinham se preparado para tamanha festa.

Os relógios marcavam 21h30 (o jogo tinha sido às 13h) e a multidão não parecia diminuir. Eu estava com duas amigas. Uma loira e outra morena, como eu. Aonde quer que andássemos, alguém pegava nos nossos braços, cinturas ou cabelos e falava: “Colombiana!”. Por vezes, eu respondia que era brasileira, outras, não falava nada, só seguia andando. Num desses vários momentos, no meio da multidão, um cara viu a cena e olhou para mim com dó. Ele perguntou: “Numa boa, quantas vezes você já teve que aturar isso hoje? Que saco, hein!”

assedio na copa do mundo amigas

Eu e as meninas na Savassi

Argentina e Irã, Sábado, 21/06

A torcida argentina, seguindo o exemplo das demais torcidas sul-americanas, lotou Belo Horizonte – e, consequentemente, a Savassi. Uma amiga da minha irmã mais nova estava no local. Como quase todos por lá, ela estava bebendo, se divertindo. Não sei como se perdeu do grupo que estava com ela. O fato é que ela foi cercada por argentinos. Eles fizeram uma rodinha em volta dela, exigindo que ela os beijasse. Ela só conseguiu sair com socos e pontapés.

Gringas ou brasileiras, que tal respeitar as mulheres?

Esses foram casos que aconteceram próximos a mim em Belo Horizonte, mas tenho certeza que se você perguntar para uma amiga, em qualquer cidade do Brasil, ela vai te contar alguma história de assédio chato, completamente sem noção. E não só durante a Copa, porque durante a vida inteira passamos por isso. Não sou contra a paquera, o flerte, a pegação, ou até a micareta – cada um faz o que quer. A Copa é festa e as ruas estão mais cheias que no carnaval. A grande questão é que todo mundo tem que querer – e não um querer e insistir, agarrar sem autorização, ser desagradável.

Acho muito legal as pessoas desejarem conhecer gringos e gringas, ficar com eles, ter uma experiência diferente. O contato com pessoas de outros países, de outras culturas, é uma das coisas que eu mais amo em viajar e, durante a Copa do Mundo, a gente não precisa viajar para vivênciar isso. Olha que coisa mais linda! Mas, que tal tentar conversar com a gringa ou com a brasileira e perceber se ela está a fim da sua aproximação? Isso, ao invés de chegar “chegando”, pedindo beijo, porque “é só um beijo, o que que tem, não custa nada!”. Como assim minha gente? Se você não consegue entender como isso é chato e errado, releia os relatos acima e veja como em nenhum dos casos as mulheres envolvidas ficaram felizes e dispostas a beijar o cara com esse tipo de assédio.

Ao mesmo tempo, as moças da Bélgica que ficaram nossas amigas estavam mais do que dispostas a bater um papo com a gente. E se aqueles idiotas que acharam que, porque elas estavam no Brasil, elas eram obrigadas a falar com eles, tivessem, antes de mais nada, tentado conversar como gente civilizada, talvez, quem sabe, eles não teriam “pegado uma gringa”, afinal?

Porque esse é o grande problema: ver a mulher (brasileira ou gringa) como uma coisa, um pedaço de carne ali disponível para você pegar. Ou como alguém que te deve isso, simplesmente pelo fato de estar na rua bebendo e se divertindo.

festa na savassi durante a copa do mundo

Festa na rua em BH

O que isso tem a ver com o turismo?

Somos um blog de viagens, e, consequentemente, também falamos de cultura e estilo de vida. Já discutimos aqui questões sérias, como a situação das mulheres na Índia, exploração sexual na Tailândia, choques culturais x preconceito, e até o legado que essa Copa do Mundo deixará.

A discussão sobre a visão sexualizada que a mulher brasileira carrega mundo afora é um problema sério, até para o Governo. Não queremos ser um destino de turismo sexual. Não queremos ver mulheres brasileiras sendo assediadas. Não queremos que mulheres que viajam para o Brasil sejam assediadas.

Isso não tem nada a ver com interações sexuais consentidas entre adultos. Tem a ver com o fato de vários homens que vivem aqui e outros que viajam para cá, fazerem essa associação bizarra de que Brasil é a terra do futebol, carnaval, cerveja e… mulheres (ou pior ainda, bundas!). Como se mulheres fossem coisas, não pessoas. Como se as mulheres que estão aqui, brasileiras ou estrangeiras, fizessem parte desse incrível pacote turístico e, caso o cara não consiga uma, pode ligar para agência e reclamar seu dinheiro de volta.

Não seja esse babaca!

Se você é homem e se sentiu ofendido lendo esse post, bem, meu caro, não estou ofendendo ninguém em particular e nem apontado dedos. Estou contando sobre uma situação recorrente no Brasil. O que a gente pode fazer para mudar isso? Simples! Não seja esse cara! Não trate pessoas como se elas fossem coisas, independente da nacionalidade. E, mesmo que você nunca tenha feito isso, fica meu apelo: não deixe isso acontecer perto de você!

Seja você homem ou mulher, viu alguém passar dos limites? Não fique só assistindo. Interfira! Conte para seu amigo que isso é errado. Isso não está acontecendo só porque é Copa ou festa. Isso sempre aconteceu no Brasil e vai continuar se as atitudes permanecerem iguais. Não deixe esse ciclo de desrespeito continuar durante a festa da Copa do Mundo e ajude na luta para acabar com isso depois dela.

P.S. para aqueles que estão pensando: Poxa, mas as mulheres também estão doidas com os gringos, só falam disso, dos jogadores, blablablá. Galera, por favor, sem faltas simetrias. Para começar, já disse que não sou contra paqueras ou pegações, e sim, contra desrespeitos e falta de noção… E vamos deixar bem claro: não é o mesmo tipo de assédio que existe de homens para mulheres e de mulheres para homens.

Claro, até existem mulheres que passam dos limites, mas não dá para comparar a quantidade e a intensidade. Só para dar um exemplo pequeno, mas significativo: nenhum dos meus amigos homens reclamou de ser assediado de forma desagradável durante a Copa ou antes dela, na vida. Aliás, o Rafa, que escreve nesse blog, facilmente se passa por gringo e não foi atacado por mulheres pedindo só um beijo ou encostando a mão nele sem autorização. Ok? Então, repetindo: Não seja esse babaca! Gringa or brasileira, we shall respect!

Crédito imagem destacada: alvez (CC BY-NC-SA 2.0)

Inscreva-se na nossa newsletter

Avalie este post

Compartilhe!







Eu quero

Clique e saiba como.

 




Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

  • 360 nas redes
  • Facebook
  • YouTube
  • Instagram
  • Twitter

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

33 comentários sobre o texto “Histórias de assédio na Copa do Mundo

  1. Gostei do post , porem perdeu meu respeito na resposta que deu ao alexandre #mimimi?? entao tinha que concordar com vc ? beleza, encerro nao perco mais meu tempo com o seu mimimi tb.

Carregar mais comentários
2018. 360meridianos. Todos os direitos reservados. UX/UI design por Amí Comunicação & Design e desenvolvimento por Douglas Mofet.