Durante 50 anos, Raju, o elefante, viveu acorrentado. Ele era usado pelo dono para conseguir dinheiro de turistas que perambulam pelas ruas da Índia. Na semana passada isso mudou: uma organização internacional salvou Raju. Que chorou. Copiosamente. Sim, um elefante derramou lágrimas depois de 50 anos de cativeiro. Se você não conhece essa história, que rodou o mundo nesta semana, veja aqui.
O turismo é uma das maiores indústrias do planeta – representa 9,5% da economia mundial e emprega 266 milhões de pessoas. Além disso, viajar é uma forma incrível de relaxar, obter crescimento pessoal, conhecer novas culturas e entender que o mundo é cheio de diferenças, que nossa visão das coisas passa longe de ser a única possível. Ainda assim, o turismo tem o seu lado negro, como exemplificado pelo elefante Raju. Para fugir desse lado sombrio – e, mais importante, não contribuir com ele – é fundamental entender o problema.
Os passeios que eu não deveria ter feito
A Tailândia é linda, fato. Mas, dos países que já visitei, nenhum sofre um impacto tão negativo do turismo. Turismo que atrai milhões de estrangeiros, muitas vezes sem o planejamento necessário ou a preocupação com o desenvolvimento social. Um reflexo disso é o problema do turismo sexual no país, que explora incontáveis crianças e adolescentes e, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), movimenta US$27 bilhões por ano.
Foto: Wikimedia Commons/Kay Chernush para o U.S. State Department
Mas vai além: até viajantes conscientes (e que obviamente não colaborariam com algo tão grave quando a exploração sexual) podem cair em passeios que fazem um mal danado para a sociedade em questão. Para isso é preciso apenas uma coisa: desconhecer o contexto local e fazer passeios e tours sem reflexão.
Eu fiz isso duas vezes, ambas em Chiang Mai, no norte da Tailândia. Sem pesquisar nada a respeito, entramos numa agência de turismo e contratamos um passeio com três atrações – visitar a tribo das mulheres-girafa, fazer um passeio no lombo de elefantes e cair nas águas de um rio, num rafting. Na hora tudo foi muito divertido. Foi diferente. Mas, depois de pensar um pouco a respeito e estudar o assunto, descobrimos que o rafting era a única parte do tour que não tinha um impacto negativo gigante.
No caso dos elefantes, o problema não é muito diferente do enfrentado pelo Raju, na Índia. A demanda turística por elefantes levou a espécie asiática a correr risco de extinção. Entre 50 e 100 filhotes são traficados de países vizinhos para a Tailândia todos os anos, tudo por conta do turismo. O animal que faz a alegria de milhares de turistas passa por um treinamento cruel e condenado por vários organismos internacionais.
A situação das mulheres-girafas é ainda mais absurda. Elas se tornaram lucrativas para o governo e para os empresários que vivem do turismo. Por isso, elas não podem sair das áreas demarcadas, não têm acesso a educação e não podem tirar as argolas do pescoço – se fizerem isso, param de receber uma ajuda de custo do governo. Por isso, visitar essa tribo de Chiang Mai não é o tipo de experiência exótica que muitos turistas esperariam ter. É a lógica de estar num zoológico humano. E a principal atração nem sempre gostaria de estar ali.
“Não alimente os jarawa”
O aviso é dado para os turistas que visitam as Ihas Andman, na Índia. Existem cerca de 400 jarawa no mundo, o que faz com que eles corram risco de extinção. Mas isso nem é o mais assustador – os jarawa não são outra espécie de animais. São humanos.
Uma das tribos mais antigas, misteriosas e fechadas do mundo. E uma fonte de dinheiro para empresários das Ilhas Andman, que organizam tours e passeios pela tribo, teoricamente uma Reserva Ambiental e área proibida para esse tipo de atividade. Mesmo assim, jarawa dançam e cantam em troca de comida. Outros reagem com violência ao serem cercados por turistas com câmeras, visitantes que tentam tirar selfies com “gente não civilizada”.
Christian Caron – Creative Commons A-NC-SA
Isolada por milhares de anos, a tribo não tem imunidade contra doenças modernas, o que tem dificultado ainda mais a sobrevivência dos jarawa. A Vice fez um documentário e várias entrevistas sobre o assunto. Numa delas, um membro da tribo que tem mais contato com o mundo moderno disse o seguinte: “Os turistas não têm consciência dos perigos que estão impondo à tribo. Essa informação não é compartilhada com os turistas, que acham que estão fazendo algo inocente. E eles tratam os jarawa como animais — jogando biscoitos, tabaco e alimentos para eles enquanto passam”. Vale a pena assistir ao vídeo e saber mais sobre os jarawa.
Turismo e sustentabilidade: quais os limites?
Como qualquer outra atividade humana, é natural que o turismo tenha impactos na sociedade. É óbvio que esses exemplos ruins não indicam que temos que parar de viajar, mas apenas que é necessário refletir antes de encarar um passeio. Da mesma forma que há os impactos negativos do turismo, há também muita coisa positiva, que ajuda no desenvolvimento social. E não é preciso ir longe: No Espírito Santo, por exemplo, nós descobrimos como o agroturismo mudou para melhor a vida de uma comunidade.
Vários países já se preocupam com a criação de um turismo sustentável. E mesmo onde isso ainda não é política de governo, é possível achar tours e passeios que não causam problemas sociais tão graves. A Tailândia novamente é um exemplo, dessa vez positivo: quem faz questão de passar um tempo com os elefantes asiáticos (mas não deseja estimular o tráfico desses animais) pode visitar o Elephant Nature Park, que resgata os animais de situações degradantes.
No Brasil, um exemplo parecido é o do Parque das Aves de Foz do Iguaçu, que também resgata animais das mãos do tráfico. E na Índia, a ONG Survival International luta pelo fim dos safáris humanos e pelo direito dos jarawa serem uma tribo realmente isolada (caso eles queiram isso). A escolha deveria ser deles, não dos empresários e do resto do mundo.
Bons exemplos não faltam. Faz parte do código de ética da Organização Mundial do Turismo preservar o patrimônio natural, histórico e cultural das sociedades. A caminhada até que isso seja uma realidade é longa, mas todos nós podemos dar um passo nessa direção – basta termos consciência de que um passeio divertido pode não ser tão inofensivo assim. Com bastante pesquisa e reflexão é possível escolher bem como gastaremos nossas férias.
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I enjoyed watching you address the elephant problem in Southeast Asia, Rafael. I think a lot of tourists end up encouraging these practices out of sheer ignorance, even ignorance.
I enjoyed watching you address the elephant problem in Southeast Asia, Rafael. I think a lot of tourists end up encouraging these practices out of sheer ignorance, even ignorance. If everyone does, what’s the problem, right? And it’s easy to be seduced by ads that sell a romanticized version of the facts. Only information can help us better choose the activities we do during travel. So a post like this in a blog like the Meridians 360 makes me very happy!
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