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O que significa ser exótico?

Uma menina que morava comigo em Chandigarh, na Índia, estava de mudança para Calcutá e resolveu fazer uma festa de despedida diferente. “Todos devem vir usando alguma coisa exótica”, ela disse. O tema foi inspirado por um rótulo de suco de cranberry que ela encontrou em um dos mercados da nossa vizinhança.

Em uma das laterais da embalagem, o fabricante explicava aos consumidores indianos o que era a matéria-prima do suco: “Uma exótica fruta natural da América do Norte que possui fortes propriedades antioxidantes”. Ela, que era dos Estados Unidos, achou graça. “Eu nunca pensaria nela como uma fruta exótica”, justificou. E passou o resto da festa fantasiada de cranberry e exibindo a garrafa para quem ousasse questionar o exotismo da fantasia dela.

Meses antes, em uma discussão sobre como eu não conseguia me adaptar à culinária local, eu reclamei que não eram apenas os temperos fortes e apimentados (tenho baixa resistência a comidas picantes), mas que eu não conseguia considerar uma refeição se o que eu estava comendo era basicamente pão com molho todos os dias. Essa é uma generalização ruim da gastronomia indiana, que é muito rica. Mas no dia a dia, o que eu mais encontrava eram os diferentes tipos de pães com molhos sempre ardidos.

Comidas Indianas

“É uma questão de costume. Nós não comemos arroz e feijão sempre, como você. Só quando queremos cozinhar algo diferente e exótico”, ela disse. Pensar no arroz e feijão como uma comida exótica deve ser, para mim, ainda mais estranho do que foi para ela ver a cranberry colocada nessa categoria. É só lembrar que, no Brasil, arroz com feijão é uma expressão usada para designar coisas comuns, simples e básicas.

A blogueira argentina Aniko Villalba passou por situações parecidas quase a vida inteira. Em seu país de origem, já estava acostumada a ter um nome considerado estranho. Quase sempre que se apresentava tinha que repetir o nome ou responder a perguntas do tipo “é japonês?”. Embora na realidade seu nome seja de origem húngara, ela percebeu que, ao viajar pela Ásia, ninguém fazia cara de espanto ou precisava que ela dissesse duas vezes. Por lá, a sonoridade do nome dela era bem aceita pelos ouvidos dos outros (mas as perguntas “é japonês?” continuaram).

O pai dos burros diz que exótico significa esquisito; que não é comum; que expressa extravagância ou excentricidade. E o que é extravagante ou excêntrico é definido socialmente. O que é exótico para mim pode ser só um dia comum na vida de uma menina balinesa. Rotina, no sentido mais repetitivo da palavra, sem absolutamente nada de extravagante.

Turismo na Tailândia: mulheres-girafa

Meu objetivo não é te convencer a cortar essa palavra do seu vocabulário. Eu mesma já usei essa expressão diversas vezes em posts aqui do 360. Mas recentemente tenho parado para pensar toda vez que eu vejo esse adjetivo, mesmo que seja um texto meu: Exótico para quem? Quem definiu isso? Está tudo bem usar o exótico como adjetivo se você tem consciência de que ele só vale quando a sua experiência está sendo colocada no centro do discurso e não é característica inerente daquela cultura.

Quando a gente chama alguma coisa de exótica, em teoria não estamos fazendo juízo se aquilo é “bom” ou “ruim”. Exótico não é qualidade nem defeito, é só algo que causa uma estranheza no observador. O problema é que, em muitos casos, apenas reproduzimos um discurso dominante sobre qual cultura é a padrão – no caso, a ocidental – e quais são consideradas estranhas. Eu não consigo imaginar, por exemplo, alguém usando a palavra para descrever algum hábito europeu, por mais diferente que ele seja pra gente.

Festividade do Holi, Índia

Por outro lado, parece que existem algumas culturas e países que já vêm com esse adjetivo acoplado, como se fosse parte da definição do lugar. Os costumes exóticos da Índia, as exóticas praias da Tailândia, as montanhas exóticas do Himalaia… E aí reduzimos tudo aquilo ali a um monte de coisas excêntricas que eu fui ver nas minhas férias.

Quantas pessoas não olham para a cultura do Brasil e pensam “uau! Que diferente!”. Tipo quando eu contei para outra amiga gringa que no sítio do meu avô as “exóticas manga e goiaba” chegavam a perder, porque dava tanto todo ano que a gente não conseguia comer tudo. Isso acontece também com as jabuticabas, mas eu não consegui explicar para ela o que era essa fruta, de tão exótica que ela é.

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Por isso, proponho um exercício: da próxima vez que a gente se deparar com alguma cultura exótica, vamos tentar observar aquilo ali por fora da máscara da estranheza e tentar entendê-la como se fossemos um habitante local. Ver como aquilo é parte da rotina deles e não apenas uma apresentação para turistas. Tentar abraçar os significados.

Vai ser difícil, muitas vezes vai exigir uma análise de valores, lidar com um choque cultural tremendo e é bem provável que a gente não consiga totalmente. Ainda assim, é bem mais fácil criar uma conexão sem colocá-lo por trás de um muro de exotismo. É só assim que gente percebe que, no fundo, todo mundo é mais parecido do que pensa.

E lembre-se, em boa parte desse mundo, você é exótico para alguém.

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade. Viajo o mundo contando histórias e provando cervejas locais desde 2010. Além do 360meridianos, também falo de viagens na newsletter Migraciones e no Youtube. Vem trocar uma ideia comigo no Instagram. Você encontra tudo isso e mais um pouco no meu Site Oficial.

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21 comentários sobre o texto “O que significa ser exótico?

  1. Olá,

    Buscando novas definiçoes para a palavra exótico me deparei com seu texto. E que bom! A curiosidade surgiu recentemente depois de uma história que me contaram. Um senhor disse para uma aluna: voce está exótica hoje. A moça parace que se sentiu ofendida pelo comentário. Eu particularmente nao gostaria de ser chamada de exótica. Nao receberia como um elogio, mas ao que parece foi a intençao do senhor. Como voces veem o a pavra sendo usada dessa maneira? Acho importante dizer que as pessoas envolvidas nao sao íntimas (perdoem-me meu teclado que nao acentua corretamente). Um abraço.

  2. Natália , hoje me deu na telha de procurar entender melhor a palavra exótico. Gostei muito da definição do Gabriel. Sob o ponto de vista de determinada cultura.
    Natália , vc é 10 . Aceite meu respeitoso abraço

  3. Se eu estou no Brasil e sou brasileira é comum pensar nas coisas de fora do Brasil como exóticas .Penso que dificilmente dizemos que algo europeu seja exótico porque a palavra é mais empregada para algo com uma pegada mais selvagem, rústica , mas muitas coisas da Europa são exóticas sim.

  4. Estava aqui nas minhas pequisas de rotina para minhas palestras sobre Sensualidade e me deu aquela vontade de saber mais sobre Exótico, então achei essa postagem maravilhosa.
    Amei parabéns me fez repensar ainda mais…

  5. Super verdadeiro esse texto e acho que a comida sempre reflete bem o que seja “exótico”! Meu primeiro impacto com isso foi há alguns anos com uma australiana que morou comigo e resistiu horrores a comer coraçãozinho: “it can be good, but it’s still a chicken heart!”. Mais recentemente, na Itália, onde a culinária nem é tão diferente da nossa descobri que comer arroz puro é exótico (eles tratam o arroz como massa, então colocam molho e queijo), que misturar arroz, feijão e carne é absurdo e tomar um cappuccino depois das 11h então… Super estranho! Comer pão com presunto e queijo de café da manhã? Eca! O normal por lá é comer doce…
    Uma amiga espanhola achou nossos rituais de ano novo exóticos. Uma amiga polaca achou exótico vestirmos beca na formatura da faculdade… Eu poderia citar mais milhões de exemplios, mas enfim. Cultura é cultura!

    1. hahah que engraçadas esses coisas né? Coisas normais pra gente são muito estranhas para outras pessoas. Realmente na comida essas diferenças ficam mais evidentes.

      Abraços

  6. Exótico,pra mim, por exemplo, é essa foto de uma tigela de açaí com banana e granola! Açaí na minha terra come-se com carnes, de preferência salgadas, peixe frito, camarão e com muita farinha d’água ou de tapioca!

    1. Cândida, eu sou doida pra provar essa forma de consumir açaí! O Pará que me aguarde que desse ano minha visita não passa! =)

      Abraços!

      1. Venham e serão muito bem vindos! Tomarão acai como se deve, aliás provarao da culinária mais autêntica deste Brasil! Mas, venham preparados para o calor. O convite está feito, mais uma vez.

  7. “Quantas pessoas não olham para a cultura do Brasil e pensam ‘uau! Que diferente!’” Arrisco a dizer que TODAS que não sejam brasileiras. =)

    Sobre o uso da palavra, já vai tempo que adotei o uso de “exótico” entre aspas ou, quando posso, dizendo que algo é “exótico sob o ponto de vista brasileiro”.

    Belo post!

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