Era dia 31 de dezembro de 2014 e estávamos turistando por Paris – eu, minha mãe, minhas duas irmãs, uma amiga e o namorado. O último passeio do dia era pelas Catacumbas, que não conhecíamos ainda. Chegando lá, uma surpresa: fila de três horas para entrar em uma atração que fecharia em duas.
Em breve seria noite de Réveillon e estávamos meio distantes do centro da cidade. Foi quando alguém sugeriu de irmos ao Cemitério do Montparnasse, que estava perto e tinha alguns túmulos de artistas famosos e intelectuais franceses, segundo a Wikipedia nos contou.
Esse cemitério foi construído na mesma época do Père Lachaise (o mais famoso) e do de Montmartre. Faziam parte de um plano, do início do século 19, de manter esses espaços fora da cidade – depois disso Paris cresceu muito. O passeio parecia interessante e, por isso, lá fomos nós visitar os mortos no último dia do ano.
O Cimetière du Montparnasse tem duas áreas, que são divididas pela rua Émile Richard. Sem saber bem o que iríamos ver, escolhemos a entrada da direita. Foi uma ideia errada, porque essa é a menor área, conhecida como petit cimetière, onde não ficam os túmulos dos famosos que conseguíamos identificar.
Além disso, essa também não era uma área com tumbas bonitas e impressionantes, tal como o Cemitério da Recoleta, de Buenos Aires. Resultado: seis pessoas cansadas caminhando num cemitério e se perguntando o que estavam fazendo ali. Foi durante essa caminhada que minha mãe fez uma piadinha: “Dou 50 euros para quem passar a noite aqui!”.
Ela não curte essas coisas de tumbas e mortos e já não estava, desde o princípio, curtindo a ideia das catacumbas. Terminamos a visita do petit cimetière e estávamos cansados e com frio o suficiente para voltar para casa sem tentar ver as tumbas mais famosas, até porque já era quase hora do pôr do sol.
Mas foi aí que minha mãe cismou que, uma vez estando ali, queria porque queria ver o túmulo do Sartre. Nada contra o Sartre, até sou muito fã da mulher dele, a Simone Beauvoir, mas isso lá era hora de querer continuar visitando cemitério?
Ela bateu o pé que iria e minha irmã mais nova foi junto. Enquanto isso, eu e minha irmã mais velha nos sentamos num banquinho e ficamos lá esperando. A amiga e o namorado decidiram fazer o que pessoas normais fazem e foram para casa se arrumar para a festa de Ano-Novo.
Vista do cemitério (Foto: Cimetière du Montparnasse – Christophe Noel)
E ficamos lá esperando, no frio, cerca de meia hora, até que o guardinha do cemitério chegou e nos avisou que o lugar ia fechar. Avisou com mímicas, afinal ele não falava inglês e nós não falávamos francês. Então, ele começou a nos expulsar do lugar, literalmente, enquanto nós tentávamos explicar, em todos os idiomas possíveis e existentes na Terra, que ainda tinha gente lá dentro. Veja bem, o guardinha não se abalou com os nossos apelos. Apenas nos empurrava para fora e repetia a mesma frase em francês. Uma vez que nos colocou para fora, trancou o portão, atravessou a rua e fechou o portão da área menor atrás dele, se fechando lá dentro.
Então, durante uns bons cinco segundos, eu e minha irmã nos entreolhamos atônitas, tentando compreender tudo o que tinha acontecido. Depois disso, vieram as gargalhadas. Não consigo me lembrar de ter rido tanto na minha vida. Tive que fazer um esforço para não fazer xixi na calça, de tanto que dava risada. “Elas ficaram presas no cemitério!” hahahahahhahaha “Na noite do Réveillon” hahahahahahahahahahahahaha “Será que o guardinha vai voltar?” kkkkkkkkkkkkkk.
Enfim, acho que tivemos alguns minutos de risada até que a minha mãe e irmã mais nova apareceram na saída. Elas caminhavam lentamente, como se não estivessem presas num cemitério durante a noite. Conseguíamos vê-las através de pequenas frestas no portão gigante e inultrapassável. Elas acharam que estávamos brincando quando gritamos: “Vocês estão trancadas aí”.
Foto estilo paparazzi
Só se deram conta da realidade quando tentaram e tentaram abrir a porta. E não conseguiam. Então, minha mãe entrou num mini pânico. Por isso, tínhamos que controlar a nossa crise de risos e tentar resolver o problema.
O guardinha aparentemente não tinha ido embora, já que estava trancado do outro lado, onde não havia outra saída. A frase em francês que ele tanto repetia poderia muito bem ser “eu vou voltar”. Mas também poderia ser “Bem feito, ninguém mandou ir ver o Sartre às 17h da tarde do dia 31!”.
Tentávamos convencer minha desesperada mãe a ficar lá no portão ao invés de se embrenhar novamente no cemitério gigante em busca de outra saída. Enquanto isso, minha irmã mais nova também tentava acalmá-la, ao mesmo tempo em que buscava uma tumba perto do muro que permitisse que elas pulassem de volta a liberdade. “Não tem uma alma viva aqui, está escuro e frio”, reclamou minha mãe, já à beira das lágrimas. “Antes nenhuma alma viva do que uma morta”, respondeu minha irmã mais velha.
A porta do cemitério ao entardecer
A confusão estava armada e a nossa gritaria brasileira na porta do cemitério atraía olhares das pessoas que passavam. Um francês parou para perguntar o que acontecia. Quando explicamos, ele mal conseguiu disfarçar a gargalhada. Sugeriu que chamássemos a polícia ou que elas pulassem o muro. E foi embora rindo das nossas caras.
Numa tentativa de acalmar minha mãe, fui correndo do lado de fora para ver se encontrava uma saída. Foi aí que ouvi os sinos do lado do petit cimetière. O som se movia lentamente em direção ao portão. Tínhamos a confirmação de que o guarda voltaria. Corri de volta ao portão para avisar às desesperadas presas no cemitério. Foi um custo convencer minha mãe que o cara estava realmente voltando.
Ele saiu do outro lado com outra pessoa perdida e com cara de riso. Eu e a minha irmã mais velha comemoramos a chegada e ele logo destrancou as duas do castigo de Ano-Novo, sorrindo piedosamente para minha mãe. No caminho de volta para o apartamento, claro que zuamos eternamente. “Sabe o que é o pior?” – lembrou minha irmã mais nova – “O tal túmulo do Sartre não tinha nada de mais”.
O túmulo de Sartre e Beauvoir (Foto: Cimetière du Montparnasse – Christophe Noel)
Sabe o que é pior ainda? Para fazer este post, acabei descobrindo que há sim outra saída do cemitério, no Boulevard Edgar Quinet. Adivinha onde? Do lado da tumba do Sartre!
Ps. Foi mal mãe, leitora fiel do blog, mas eu tinha que contar essa história.
Mapa do Cemitério. Crédito: Martin Greslou – CC BY-SA 3.0
*Crédito Imagem Destacada: Wagner51 – CC BY-SA 2.0 fr
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Compartilho das gargalhadas e desespero do relato! Fiquei presa (por pouco tempo, no máximo 10 minutos) no cemitério do Araçá, em São Paulo! fui fotografar com alguns amigos, e nos perdemos no tempo.Foi desesperador no momento,e hilário depois!
hahaha 10 minutos mais longos da sua vida, provavelmente…
Muito bem redigido o post. Adorei! Muito engraçado e triste…kkkk
Gosto de visitar cemitérios. Têm verdadeiras obras de arte.
obrigada Edilma!