“Qual é o plano agora?” perguntou uma amiga. “Vou ficar por aqui e fazer só umas viagens mais curtas, pelo menos por enquanto”. Ela riu: “Naty, você não sabe viajar por menos de 45 dias”.
Depois dos meus três meses na Argentina, eu não via a hora de voltar para casa. Desde 2010, quando eu viajei para o exterior pela primeira vez, eu praticamente não parei mais. Tive períodos em Belo Horizonte e São Paulo, é verdade, mas o que eu fazia nessas épocas era basicamente dar um jeito de juntar dinheiro para fazer outra viagem ambiciosa.
A Argentina foi uma dessas. O plano era que a viagem durasse seis meses, mas um casamento importante nos fez encurtar o projeto. Em vez de retornar para Buenos Aires, resolvemos alugar um apartamento em BH para ser nossa base por, no mínimo, o próximo ano. Não vou mentir: tudo que eu queria era ter um lugar para guardar minhas tralhas, decorar do meu jeito e receber amigos para algumas cervejas.
Uma vida cheia de altos e baixos
Na cabeça de muita gente, incluindo a minha de alguns anos atrás, viajar em tempo integral é viver um sonho. E pode ser que isso tenha lá sua parcela de verdade, mas está longe de ser um sonho perfeito. O que as fotos daquele seu amigo que está há seis meses na estrada não mostram são os momentos nada glamorosos que ele enfrentou entre um clique e outro.
Perfis nas redes sociais e até mesmo nós, blogueiros, falhamos em mostrar de forma precisa o que é uma vida na estrada. Isso porque nós tendemos a focar nas boas experiências e no aprendizado que tiramos das viagens. Raramente postamos fotos da nossa cara ao final de uma viagem de ônibus de 17 horas ou de quando sua mala é extraviada e você fica três dias usando a mesma roupa. Mas a verdade é que temos altos e baixos. Dias bons e ruins. Momentos de irritação e felicidade.
Nossa cara depois de um voo de 9 horas e uma noite sem dormir
Do que eu sinto falta
Roupas: Tirar uma roupa limpa e cheirosa da gaveta, um prazer que você nunca dá valor até viver por meses com todas as peças misturadas dentro da mochila e ter que usá-las até atingir o limite do bom senso (ou até você encontrar uma lavandaria).
Comida: Em Berlim, depois de dois meses viajando pela Europa, eu disse algo que nunca me imaginei dizer: “Não aguento mais comer batata frita!”. Eu sempre fui meio adepta da junkie food, mas de uns tempos para cá tenho sentido vontade de ter hábitos mais saudáveis. Na Argentina, eu também não aguentava mais a comida, que era muito baseada em massas, carnes e fritura (oi, milanesa!).
A verdade é que a forma mais fácil de se manter dentro do tipo de dieta que você está acostumado é comprando os alimentos e cozinhando você mesmo. Ou, pelo menos, frequentando restaurantes que você conhece. E quase sempre isso não é possível na estrada.
Amigos e família: Da mesma forma que você viu a foto daquele seu amigo que foi dar uma volta ao mundo e sentiu uma invejinha, pode ter certeza que ele sentiu a mesma coisa ao ver a foto que você postou daquela reunião com todo mundo da sua turma.
Envolvimento com alguma atividade extra: Quando você muda de cidade a cada poucos dias, é bem difícil desenvolver alguma atividade de forma mais aprofundada. Cursos de idioma, academia, esportes e cursos livres são meio fora de cogitação.
Aula de culinária italiana em Bolonha. Mas só foi uma.
Hoje em dia a gente até pode recorrer aos cursos online – eu já estudei storytelling e empreendedorismo criativo dessa forma. Mas chega uma hora que a gente sente falta de um envolvimento físico. Desde que quietei o facho em BH, comecei a nadar e a fazer yoga regularmente. O espanhol também está nos meus planos para esse ano.
Conhecer sua cidade: Pode parecer bobo, mas é bem legal sair de casa e não precisar pensar demais sobre onde encontrar uma padaria, um restaurante legal, onde cortar o cabelo, qual supermercado é o mais barato, como utilizar o transporte público e se estão te cobrando ou não o preço justo por determinado item.
Tempo para fazer o que quiser: Quando viajamos, quase todo o nosso tempo é dedicado a conhecer e explorar lugares. Mas, sabem, eu tenho outros hobbies. A correria da estrada tira todo o tempo que, em casa, você dedicaria a ir ao cinema, ler um livro ou ao bom e velho ócio criativo. Isso me lembrou o último dia da volta ao mundo, quando nos recusamos a sair do hotel em Lima e ficamos a tarde inteira vendo séries no computador.
E o que me dá nos nervos
Check in, check out: Check in, abrir malas, procurar por coisas lá dentro, bagunçar tudo, ter que fazer tudo caber novamente na hora de ir embora, check out, check in novamente, repete tudo ad eternum. Fico exausta só de pensar.
Cansaço: A verdade é que, por mais legal que seja, ser turista também é cansativo. Fisicamente cansativo. Chega uma hora que tudo o que você quer é passar o dia na cama assistindo Netflix.
Resolver perrengues em língua (e cultura) estrangeira: Isso sempre torna tudo mais difícil.
Sinal de wi-fi ruim e ausência de um local de trabalho: Esse tipo de problema pode não incomodar muita gente, mas para mim, que levo meu escritório para a estrada, é bem chato. Já não basta a dificuldade de encontrar uma boa rede de internet que vai me permitir um fluxo de trabalho legal. Muitas vezes é preciso fazer isso sentada na cama e com as costas apoiadas na parede (e o computador em cima do travesseiro para não esquentar as pernas).
Problemas logísticos: O horário do check out no hotel é às 10h e você tem um tour das 7h30 às 18h para depois pegar um ônibus às 22h e viajar durante a noite. Esse é o tipo de problema logístico que a gente sempre precisa resolver na estrada. E o pior: sem direito a banho.
Muitos desses problemas podem ser minimizados se a gente adota o modo preguiçoso de viajar. Acho desnecessário dizer que as experiências positivas superam, em muito, qualquer coisa chata que a gente tenha que lidar e esses pequenos perrengues do dia a dia acabam desbotados nas nossas memórias.
Eu ainda amo viajar e já tenho três passagens confirmadas para os próximos dois meses e pelo menos mais três viagens longas no radar. Não achem que estou reclamando de barriga cheia. Esse post foi só uma tentativa de trazer esse estilo de vida mais pra perto da vida real.
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Você também sente falta ou se incomoda com alguma coisa quando está viajando?
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Oi Natália, tudo bem? Eu e meu esposo estamos há pouco mais de 07 meses na estrada conhecendo o Sudeste Asiático e me identifiquei com praticamente tudo nesse seu post. Quase ninguém acredita quando eu falo que viajar cansa. Até mesmo para quem está viajando no modo preguiçoso, como nós. Tem vezes que tiramos uma semana inteira em um lugar bacana para fazermos nada. E olha que o nada ainda tem muita coisa pra fazer! Hahahaha! Já pegamos ônibus que demorou 30 horas para chegar ao destino. Isso, sem contar o tempo de espera entre o ckeck out no hotel e o embarque. Já ficamos no meio do nada com moto(s) estragada(s). Já tivemos que nos comunicar inúmeras vezes por mímicas. Já perdemos várias coisas no caminho. Já fomos roubados. Já fomos extorquidos… Eu achei que viajando teria tempo pra dedicar aos meus hobbies, tipo, ler, escrever, colorir, assistir filmes e séries, porém é tanta coisa pra conhecer, fazer, arrumar que quase não sobra tempo! Sem falar dos imprevistos que tomam mais tempo ainda e consomem o emocional… Eu também nunca achei que fosse dizer isso, mas estou quase enjoando de comer arroz frito e macarrão frito! São os pratos mais baratos em todos os países que já visitamos e, assim, são as nossas refeições de quase todos os dias! Estou morrendo de saudade de comer feijão, quiabo, pão de queijo com café coado na hora, salgadinhos de festa e brigadeiro. Pode ser tudo junto, que eu nem importo! Hahahaha! Sem falar da saudade da família, da minha cachorrinha e dos amigos. Meus olhos enchem de lágrimas quando vejo fotos deles e, realmente, dá uma invejinha por não estar lá! Hehehe! Wi-fi até que não estamos tendo tanto problemas assim… Internet aqui não é sempre ótima, mas é boa, o que ajuda a matar um pouco da saudade! E eu também sinto falta de roupas cheirosas e fofinhas de amaciante e tenho preguiça de ter sempre que arrumar minha mochila! Esse foi mais um desabafo do que um comentário, né?! Hehehehe! MAS, tudo isso é pouco perto da alegria de viajar, conhecer lugares, pessoas e culturas novas, saindo da zona de conforto. Gosto muito do blog de vocês (inclusive, vocês foram uma das nossas inspirações para fazermos esse mochilão) e desejo bastante sucesso para que possam continuar sempre viajando e compartilhando as experiências conosco! Beijos!
hahah um mega desabafo, Wanessa! Adorei! Adoro quando compartilham histórias aqui, porque enriquece o conteúdo. E eu entendo muito bem tudo o que você está passando. Eu acho que viajar é tipo viver, sabe? Tem aqueles coisas chatas, que a gente não gosta de fazer, mas no fim vale muito a pena!
Abraços!
Concordo plenamente! E, pode parecer piegas, mas viajar é viver e não apenas sobreviver. Beijos!
Nossa, Natália, vc não imagina a alegria em ler este seu post. Estou ainda no segundo mês de uma viagem que vai durar 8 meses e já sinto um monte dessas coisas aí. E até então isso era um peso, afinal, estou viajando, deveria ser só alegria.
Mas é bem o que vc disse mesmo, a gente também sente falta de coisas de uma vida rotineira. E ainda assim o pé na estrada e a mochila nas costas vale a pena, né?!
Obrigada e muito bacana o texto!
pois é, Mariana, e eu acho que esse peso pode prejudicar muita gente. A pessoa começa a se perguntar “mas eu estou fazendo essa coisa incrível, como eu não posso amar tudo sobre isso?” E acha que tem alguma coisa errada com ela, com a viagem dela… =)
Abraços!
Reality check! Muito bom o post.
Tenho pensado muito em como nós blogueiros idealizamos o viajar e nos resultados disso, como a pesquisa que aponta que viajar para o exterior é o sonho de consumo dos brasileiros (bem melhor do que um carro 0 km, como antes).
Eu ainda sou adepta do morar em várias cidades por períodos longos, assim dá pra ter seu cantinho, conhecer bem a cultura local, aprender línguas que é minha paixão…
abraços
Eu também tô mais nessa onda de morar nos lugares nos últimos tempos, Marcia, mas também já estou me coçando por um mochilão mais longo.
Oi Natália! acabei de conhecer o blog, vi a indicação deste post no Chata de Galocha.
Fiquei curiosa sobre o curso de storytelling que você fez on-line. Você pode falar um pouquinho sobre isso? Onde foi, se sempre tem, etc?!
Adorei o post e parabéns pelo blog!
Ei Alessandra, foi um curso ministrado por uma universidade alemã no iversity: https://iversity.org/en/courses/the-future-of-storytelling
Mas acho que ele já foi encerrado. Essa plataforma é muito legal, tem vários cursos interessantes!
Abraços e espero que você volte sempre ao blog!
Adorei!
=D
Obrigada pelo post Natalia! E tao bom me sentir normal ao ler seu texto e tantos comentarios!rsrsrs Estou aqui nesse computador de hostel com teclado tailandes, sem acentuacao, e ele seria uma boa imagem de todas as coisas que faltam no meio de uma viagem que tambem nos completa, ne? E morrendo de saudades de casa e do carnaval que se aproxima, ja me sentia meio elienigena: afinal, o incrivel nao “teria que” ser viajar? Claro que nao! Valeu por lembrar-nos de que incrivel precisa ser as pequenas coisas de todo dia – e viajar ensina ate a valorizar roupa limpa e gaveta, e como ensina! Boa sorte ai!
hahah Lívia, pois é! Viajar é incrível mas não é perfeito. É como tudo nessa vida!
Abraços
Olá, super adorei esse post, concordo com todos os tópicos. Meu maior tempo na estrada foi de quase 3 meses, acho que não conseguiria ficar 1 ano viajando sem parar… mas vivo entre duas cidades e isso também cansa. Viver turistando cansa mentalmente também, acho que a nossa cabeça (assim como o corpo) pede uma certa rotina as vezes. Parabéns Naty, adoro esses posts de “bastidores”!
Valeu Dri! Realmente, tem hora que tudo que a gente quer é parar e ter dias iguais.
Abraços!
Nat!
Em julho completamos dois anos de estrada! Não podia ler seu post em melhor hora! Vc disse tudo!!!! E tem outra coisa! Sentimos falta da nossa casa. De ter um lar, um canto com a nossa cara, com o nosso jeito. Pra vc ter ideia temos discutido bastante a ideia de até parar um pouco antes! Compramos um motorhome no meio da viagem pra mudar um pouco e viver uma experiência diferente dentro da experiência!!! Hehehe!! Mas viajando mais devagar e ficando mais tempo nos lugares nos tem dado um sentimento mais confortável!! Adorei demais o texto!!!!
Ei Gabriela, que legal que vocês compraram um motorhome. Assim dá pra ter um gostinho de casa, não é? Esse tipo de coisa, tipo viajar mais devagar, ajuda a diminuir esse probleminhas.
Abraços e obrigada por comentar!
Impossível não se identificar! Essa história de estar em cada hora em um lugar diferente nos faz ficar com peso na consciência de não estar fazendo nossos outros hobbies quando está explorando, e ficar com peso na consciência quando está em casa lendo e não está explorando.
No fim, eu sempre fico meio lá meio cá, tentando equilibrar tudo. E aí não consigo equilibrar nada. Hahahahha
Um dia a gente aprende. Acho.
hahah verdade Debbie, mas sabe, na última viagem a gente ficou mais tempo nos lugares de propósito. Tinha dia que a gente nem saía do hotel, ficávamos fazendo nossas coisas. Não fiquei com dor na consciência porque, como tinhamos muito tempo, acabamos vendo tudo o que queríamos.
Pra mim funciona bastante (em estadias mais longas), alugar um apartamento e “brincar de casinha”. Ter uma salinha, um sofá, um lugar para cozinhar, ir descobrir a vida da vizinhança. Foi assim da última vez que fiquei 1 mês e meio em Berlim com a minha família.
Eu também estou cada vez mais adepta dos apartamentos, Luciana. Sem dúvida eles dão um clima mais caseiro para a viagem.
Abraços!