A única coisa que eu perdi ao mochilar pelo mundo foi peso. E muito. Como eu não ligo para essas coisas, não cheguei a me pesar antes e depois, para saber exatamente o tamanho da perda. Mas, olhando pelas fotos, acho que foram mais de 10 quilos.
Resultado melhor do que o entregue por essas dietas esquisitas que prometem perdas enormes em poucos meses. E olha que eu passei longe de ter uma alimentação saudável. Como todo bom mochileiro, abusei dos fast-food. Não por eu amar esse tipo de comida, mas porque em muitas partes do mundo esse é o único tipo de refeição que um mochileiro pobre consegue pagar. É isso ou morrer de fome. É isso ou vender o almoço para comprar a janta.
Em Genebra, na Suíça, o Big Mac era mais em conta que qualquer opção, mesmo a mais avacalhada das comidas de rua. Em Hong Kong então, aí a coisa era pior ainda: com pouco mais de R$ 6 eu garantia o combo de sanduíche, batata e refrigerante. Na versão grande. Com o mesmo dinheiro eu não pagava nem 1/3 de uma bola de peixe. A consequência? Almoço no Mc Donald’s. Jantar no Mc Donald’s. E houve dias em que até o café da manhã foi por lá também.
Em Hong Kong, com a pança de quem só comia Big Mac há uma semana
Então como diabos eu apareço tão magro nessas fotos, se durante meses minha alimentação foi uma versão nível hard de Super Size Me? A princípio isso não faz sentido. Ainda mais se você pensar que não foi só eu que emagreci. Naty e Lu perderam muitos quilos também, a diferença é que elas sabem dizer quantos foram – e vira e mexe sentem falta da dieta que só um mochilão sabe causar.
A estrada emagrece, embora a forma como isso ocorre permaneça um segredo, algo pesquisado desde a antiguidade. Dentre as possíveis explicações, destaco três: vida menos sedentária, problemas para se adaptar à culinária local e o cólera. Ok, talvez não exatamente O Cólera, mas uma daquelas diarreias que causam um casamento temporário com o vaso sanitário e te deixam com o cu na mão. Ou o tempo todo com a mão no cu. No fundo tanto faz.
Durante meus primeiros seis meses vivendo na Ásia, não passei mal uma única vez. A Lu já tinha ido ao hospital 17 vezes. Uma colega de trabalho, também estrangeira, batia carteira no Pronto Socorro dia sim, dia não. A Naty até que resistiu mais, mas logo se entregou para uma das muitas doenças do viajante. Eu, no entanto, permanecia muito bem, obrigado. Mesmo comendo em restaurantes como esse aí, da foto abaixo.
Ótimo. Eu tinha uma saúde diferenciada, pensei. Não há, neste mundo, Cólera que me pegue. Mil cagarão água à minha direita, dez mil à minha esquerda, mas eu não serei abalado.
Até que o Cólera me pegou. Quer dizer, provavelmente não foi ele, mas como a história fica melhor desse jeito, deixemos assim. Durante seis dias, eu não conseguia ficar mais de cinco minutos longe do banheiro. Gastei todo o estoque de papel higiênico da Índia, causando um racionamento do qual até hoje o país não se recuperou. O pior é que eu estava hospedado na casa de um colega de faculdade, que morava temporariamente em Nova Delhi. De vez em quando eu me pergunto se foi por isso que nunca mais vi o cara.
E essas roupas que já nem servem mais? Foto em Pokhara, Nepal
Mas voltemos ao tema do texto: a dieta do mochileiro. Acho que uma boa parte dos quilos perdidos vieram dessas doenças típicas de viajantes, muito comuns em países em desenvolvimento. Como aquela foi a única vez que fiquei de cama, ou melhor, de vaso, é razoável pensar que há outras explicações para a efetividade da dieta do mochileiro.
Por isso, caro viajante, não é preciso lamber o corrimão daquele ônibus do Camboja só para emagrecer. Isso provavelmente acontecerá de qualquer forma. A prova é que, seis meses depois dos acontecimentos nefastos de Nova Delhi, aqui estou eu, no Peru, ainda muito mais magro que o meu habitual. E sem a ajudinha generosa do Cólera.
A foto acima prova um dos motivos que fazem a dieta do mochileiro dar certo. Ao contrário da vida real, muitas vezes passada em frente ao computador ou sentado no escritório, mochilar envolve esforço. Não é fácil subir montanhas, percorrer cidades, carregar o mochilão ou correr atrás do trem. Tudo isso envolve deixar de lado aquele sedentarismo que costuma nos acompanhar no dia a dia. Bem, pelo menos ele costuma me acompanhar.
E, claro, tem o fato de mochileiros cortarem o álcool. Nada de cervejas, nada de barriguinha de chopp, nada de quilinhos a… Oi? Bom, sei lá vocês, mas se tem uma coisa que muitos mochileiros não cortam é o álcool. Pode até faltar a grana do café da manhã, mas a da cerveja naquele bar legal é quase garantida. Claro, existem os mochileiros que não bebem e não dá pra generalizar, mas é isso que eu vejo acontecendo com muitos dos membros dessa espécie.
Os mochileiros, que são habitantes naturais de um lugar fantástico chamado Mochilistão, costumam beber litros, comer mal pacas e mesmo assim emagrecer. Vai ver é porque eu tinha 20 e poucos anos. Vai ver é porque meu corpo nunca se recuperou do Cólera. Vai ver é porque eu inventei uma nova dieta, baseada em hambúrguer, batata frita, cerveja e água contaminada. O fato é que cair na estrada me deixou mais magro. Nada que duas semanas de alimentação ogra em Belo Horizonte não tenham resolvido. E sem Big Macs.
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sempre quis fazer um mochilao, penso em me formar e tirar um ano para viajar. sua história me empolgou mais ainda. O que mais temo é sobre a questão do dinheiro, afinal, minha família não iria me ajudar. Como você agiu a esse respeito?
Eu só fui depois de formado, com emprego e condições de juntar uma grana, Betina.
É duro, mas tudo na vida tem seu tempo. 🙂
Abraço.
haha muito bacana, Rafa! É bem isso mesmo. O difícil é manter o peso pós-viagem.
Seus posts são fantásticos. Um abraço!
Obrigado! Hahaha! Impossível manter o peso pós viagem. Recupero em dias.
Abraço.
Lol! muito legal o texto! Mas olha, não quero desanimar vcs não, mas a resposta para o emagrecimemto em viagens é juventude! Aos 20 e poucos eu emagrecia estupidamente. Aos 30, uma leve diferença. Na última viagem, já aos 46, 12 dias regados a cerveja trouxeram 1 quilo, mesmo caminhando 12 horas por dia e correndo atrás de trem com mala e cuia. Emagrecer agora, só na base da diarréia! Vou pra India!
hahaha! Vai ver é isso. Ando pensando em voltar pra Índia só para perder uns cinco quilos de cerveja que teimam em não ir embora.
Abraço.
Chorei de rir com o texto, sensacional!!! Kkk
Realmente mochilar eu a melhor dieta, se for na Ásia então, o efeito eh dobrado, rs
Que bom que gostou, Su.
Abraço.
texto hilário! mas não importa pra onde eu viaje, nem o quanto de porcaria eu coma: eu SEMPRE emagreço. na minha primeira longa viagem deixei 5kg para trás. na segunda deixei 4kg. isso porque eu já sou magra! quando volto de viagem a família e amigos mal me reconhecem..
haha! Tipo eu, Heloísa.
Abraço.
Cara, MUITO BOM o texto! Super leve de ler (com o perdão do trocadilho) e verdadeiro. Voltei há pouco mais de dois meses do meu intercâmbio na Itália com 7 quilos a menos. Até hoje me perguntam se eu passei fome lá. Não, definitivamente não. E olhando minhas fotos me deparo sempre com um prato de massa, comia batata-frita quase todo dia, hamburguer uma vez por semana e pizza umas três ou mais além de frequentes crepes de nutella, panna cotta com nutella, pote de nutella no quarto, e os chocolates aleatórios. Passar mal foram poucas vezes. E de álcool. O negócio é isso: sair da rotina, começar a fazer tudo a pé (antes eu só andava de carro) – inclusive supermercado – e na falta do que fazer, ao invés de ficar no quarto eu sempre saía pra dar uma volta, pra andar pela cidade… Mas minha amiga que estava engordou os meus quilos. No caso dela, tinha um estilo de vida super saudável aqui e parou de fazer exercícios lá e compensou com chocolate (eu não conseguia acompanhar o ritmo dela!)… Paciência!
haha! Trocadilho perdoado de bom grado, Paula. 🙂
E olha, se dá para emagrecer até na Itália, então isso funciona em qualquer lugar.
Abraço.
Kkkkkkkkkkkkkkkkkk. Ótimo texto!
Sempre visito o vaso nas viagens…Estômago frágil…Rsrsrs…
Ótimas dicas aqui, adorei!
Obrigado, Singra.
Fico feliz que tenha gostado. 🙂
Abraço.
Muito, muito bom! aDOREI O TEXTO.
Fico feliz, Lili.
Abraço.
Muitooo bom o texto, como todos alias!!! Adorei!
Obrigado, Gabi.
Abraço.
Muito bom, morri de rir! Agora as meninas precisam dar a versão delas sobre perder peso, rs.
haha! Boa ideia, Mariane.
No caso delas o cólera atacou mais vezes. 🙂