Aprendi a viajar com um ladrão. Não com um ladrão desagradável, do tipo desonesto e sem caráter. Muito menos um ladrão perigoso, daqueles que merecem a fama que têm: esse ladrão era um Hobbit. E isso significa que ele gostava de conforto.
Gostava tanto que passava longe de ser alguém que entraria numa dessas, digamos, aventuras. Ele chegou aos 50 anos sem fazer nada de inesperado – e deixando claro que não queria saber de aventuras, que para ele eram coisas desagradáveis e que só serviam para atrasar o jantar. Até que a aventura bateu na porta do ladrão, que num ato impulsivo resolveu largar tudo para trás e cair na estrada. Sem lenço, sem documento.
Ele viu montanhas, cavernas e cachoeiras. Conheceu novas pessoas, culturas e viveu coisas que jamais imaginaria. Nas palavras do próprio ladrão, também conhecido como Bilbo Bolseiro, a vida pode ser uma aventura. Basta você sair da inércia e correr o risco de perder o jantar. “É um negócio perigoso, Frodo, sair da sua porta. Você pisa na estrada, e, se não controlar seus pés, não há como saber até onde você pode ser levado”.
Eu tinha 14 anos quando li a trilogia “O Senhor dos Anéis” e o livro “O Hobbit” pela primeira vez. Isso foi no século passado, época em que os filmes sobre o universo criado por Tolkien eram apenas rumores. Como todo adolescente nerd que estudava num colégio técnico (e quase sem meninas), logo eu conhecia todas as obras do Tolkien, sabia falar algumas palavras em élfico e achava que a teoria criacionista presente em “O Silmarillion” tinha muito mais sentido do que aquela que está em Gênesis. Isso eu ainda acho.
Você pode me chamar de loser – na realidade, muita gente me chamava assim. Mas o tempo passou, eu deixei de ser um adolescente nerd (bom, pelo menos deixei de ser um adolescente), e a Terra-Média continua tendo uma importância gigante para mim.
Eu já li escritores muito melhores que o Tolkien, veja bem. Sei exatamente qual a importância dele para a literatura de fantasia e conheço como poucos o tamanho de suas limitações, afinal já nem sei dizer quantas vezes li “O Senhor dos Anéis”. Diria que foram umas 17 vezes, mas é só um palpite – vai ver foram mais.
Por mais que hoje Gandalf, Aragorn e companhia não sejam tão importantes para mim, não tenho como negar: ainda sofro da síndrome de Bilbo Bolseiro. Depois que você pisa na estrada pela primeira vez, saindo da rotina e da inércia, sua vida nunca mais é a mesma. Não que voltar para casa seja ruim. Longe disso, mesmo que sua casa seja um toca no chão. A questão é que bastam algumas semanas no conforto de casa, sem grandes movimentos, para a estrada começar a me chamar. Se o tempo sem viajar é maior ainda, meses, eu começo a me sentir inquieto. Ou melhor, esticado. O Bilbo explica isso muito melhor do que eu.
“Sei que não parece, mas começo a sentir a velhice em meu coração, estou me sentindo fino, como se eu estivesse esticado, como manteiga que foi espalhada num pedaço muito grande de pão; preciso de férias, de férias bem longas e não acho que retornarei, na verdade pretendo não retornar”.
Não é exatamente o que o Bilbo quis dizer, mas toda viagem é sem volta. Da mesma forma que ninguém entra no mesmo rio duas vezes, pois não são mais as mesmas águas e o próprio ser já se modificou, a pessoa que volta para casa depois de uma grande aventura não é a mesma. Basta pensar no Bilbo ou no sobrinho meio chato dele, o Frodo. Se você leu os livros ou viu os filmes, sabe que há um tremendo anticlímax nas histórias de “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”.
A história não acaba quando os personagens vencem dragões, exércitos e seres inomináveis, salvando o mundo. Tanto nos filmes como nos livros, a história continua, para desespero de quem gostaria que tudo acabasse num ponto de emoção máxima.
Mas há ainda a volta para casa. Uma jornada enorme, muitas vezes entediante ou até mesmo cheia de desafios, tudo isso só para descobrir que as coisas continuam mais ou menos iguais no lugar de onde a gente, digo, de onde os hobbits saíram. Na ausência dos aventureiros, a vida seguiu seu rumo natural, escancarando as diferenças entre a pessoa que pisou na estrada e aquela que voltou para a porta de casa.
Bilbo me ensinou a viajar. E não só literalmente, mas também por meio de livros, filmes e da minha imaginação. E me ensinou também que livros, filmes e mapas podem ser incríveis, mas o mundo não está neles. Está lá fora.
Bilbo me ensinou que as aventuras nunca acabam. Outra pessoa sempre tem de continuar a história. Nem que essa outra pessoa seja você mesmo.
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Gandalf: Estou procurando alguém para participar de uma aventura que estou organizando, e está muito difícil achar alguém.
Bilbo: Acho que sim, ainda mais por esses lados! Nós somos gente simples e acomodada. E eu não gosto de aventuras. São desagradáveis e desconfortáveis. Fazem com que você se atrase para o jantar. Não consigo imaginar o que as pessoas vêem nelas.
Gandalf: Você vai ter uma história ou duas para contar quando voltar.
Bilbo: Você pode me prometer que eu vou voltar?
Gandalf: Não. E se voltar, você não será o mesmo.
Nossa!!!! Fiquei super emocionada…..você falou tudo…resumiu direitinho meus sentimentos e acredito que de todos aqui.
No ano passado resolvi que iria viajar todos os meses para algum lugar do Brasil e foi o que eu fiz….conheci lugares e pessoas incríveis, até viajei sozinha. Deixei de comprar meus sapatos preferidos….minhas roupas….pq tudo isso se torna insignificante perto de toda a maravilha que a gente vê, sente e vive fora da nossa zona de conforto.
Agora quero muito mais, pq quando começa, não dá para parar!
Obrigada pessoal do blog, vocês são demais!!! 😉
Obrigada e você, Karina. E que o futuro te traga muitas aventuras.
“Depois que você pisa na estrada pela primeira vez, saindo da rotina e da inércia, sua vida nunca mais é a mesma. Não que voltar para casa seja ruim. Longe disso, mesmo que sua casa seja um toca no chão. A questão é que bastam algumas semanas no conforto de casa, sem grandes movimentos, para a estrada começar a me chamar. Se o tempo sem viajar é maior ainda, meses, eu começo a me sentir inquieto. Ou melhor, esticado. O Bilbo explica isso muito melhor do que eu.”
Falou simplesmente, tudo!
Obrigado, Alaiana.
Abraço.
Acho interessante a tua interação com cada um que participa.
Parabéns!!
=D
haha! A gente tem o alvo de responder 100% dos comentários.
Está ficando mais complicado com o tempo, por conta do crescimento do blog, mas fazemos questão disso. 🙂
Abraço.
Muito legal o post 🙂 Também era louca pelo Senhor dos Anéis aos 14 anos (ainda que não tenha chegado a ler 17 vezes, hehe) e achava massa esse diálogo com Gandalf. Na época, não tinha nem coragem de fazer um intercâmbio. Ainda bem que deixei de ter medo de me atrasar pra o jantar 😉
Pois é, Luísa. Gosto muito mais do Bilbo do que do Frodo por isso: os problemas do Bilbo se parecem mais com os meus.
E olha que ele tem que bater um papo com um dragão. hehe
Abraço.
Que incrível esse post! Me arrepiei no final com o dialogo de Gandalf e Bilbo olhando pela perspectiva apresentada no texto. Muito bom.
Esse diálogo é ótimo, Beto.
Abraço.
Os posts do 360 são incríveis, sempre me emociono lendo, pq me vejo neles! No meio do ano começo minha jornada e espero que me faça arrepiar tanto quanto acontece quando leio o blog.
Sucesso a vocês!!! Boas aventuras 😉
Apareça por aqui pra nos contar como vai sua jornada, viu? 😉
Abraço, Raissa.
Pessoal, tenho um dúvida e acho que vocês devem saber a resposta!
Estou indo dia 5 a Madrid pela promoção da KLM e irei fazer conexão em Amsterdã…irei ficar 8 dias na Europa…é necessário apenas os 60 euros por dia(que dariam 480 euros) ou no mínimo 600 euros? Pq eu vi em alguns sites que tem que ser no mínimo esses 600 euros!
E outra dúvida … na imigração em Amsterdã o comprovante de hospedagem deve está pago?? Pq eu reservei um hostel pelo booking, mas o pagamento será no local! Estou preocupada pq alguns sites eu vi que tinha que ser uma reserva já paga! Eu imprimir a reserva feita pelo booking!
Obrigada =)
Abraços e muito mais sucesso =D
Oi, Izabella.
É preciso ter no mínimo esses 600 euros. Mas você não precisa realmente levar tudo isso. Um extrato de cartão de crédito ou débito resolve, por exemplo.
Sobre a reserva, é verdade que em alguns lugares é dito que a reserva precisa estar paga. Mas, sinceramente, nunca soube de ninguém que tenha sido cobrado por isso. Até mesmo porque quase todos os hotéis trabalham no esquema de pagar na hora do check-in. Eu sempre foi com os comprovantes do Booking mesmo (ou outro site), pagando o restante na hora de chegada.
Inveja de quem comprou essa passagem da KLM. 🙂
PERFEITO!!!
Ótimo nome pra essa síndrome! Bilbo Bolseiro (ou Baggins, no original). Depois que você cai na estrada com a mochila nas costas de fato você não é mais o mesmo. Excelente texto!
Obrigado, Dudu.
Pessoal desculpa a pergunta fora do contexto. Gostaria de participar do grupo de nomades digitais no face, é possível me aceitarem por lá?
Abraço
Já te adicionei, Pedro.
Qualquer coisa é só falar.
OMG, que texto mais… perfeito! 🙂
Obrigado, Denise. 😉