Eu me lembro até hoje da primeira vez que me senti latina. Depois de viver e viajar pela Ásia por oito meses, meu avião pousou no Chile. O desembarque marcou o que, para mim, foi o início do fim da volta ao mundo. Não só Santiago era nosso penúltimo destino como eu também já não me sentia tão longe de casa. O voo de quinze horas que partiu de Auckland, na Nova Zelândia, não me transportou apenas para o mesmo bloco de terra no qual eu havia vivido por toda a minha vida, me transportou de volta para uma cultura que eu reconhecia.
O que mais me impressionou foi a volta do contato físico. Entre casais ou amigos, havia uma proximidade que jamais poderia ser vista em público na Ásia. Nos bares, os grupos que se reuniam em torno das garrafas de cerveja eram barulhentos, riam alto e dançavam nos espaços entre as mesas.
Santiago
Falar com as pessoas era fácil tanto porque elas eram parecidas comigo quanto pela levada tranquila de quem faz amigos novos sem dificuldade. E estranhamente Santiago me lembrou São Paulo, apesar das óbvias diferenças. Eu via tudo aquilo com um sorriso no rosto. Sentia saudades de casa e o Chile se parecia bastante com a minha definição de casa. Foi quando eu me dei conta, pela primeira vez, que eu era parte daquilo.
Uma pesquisa coordenada pelo Centro de Investigação e Docência em Economia (Cide) do México, em colaboração com universidades da América Latina, comprovou o que todo mundo já imaginava: o brasileiro rejeita o rótulo de latino. Apenas 4% dos entrevistados disseram identificar-se com o rótulo, contra uma média de 43% entre o pessoal da Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru. A maior parte de nós (79%) se definiu apenas como “brasileiro”.
O dado é interessante quando comparamos aos outros países da pesquisa: em nenhum deles o adjetivo pátrio conquistou a primeira posição. Antes de serem argentinos, colombianos ou mexicanos, nossos vizinhos se vêem como latino-americanos. É um paradoxo, mas apesar de nos enxergarmos como líderes naturais da região, rejeitamos os possíveis intercâmbios e consequências que podem surgir dessa posição.
Anos depois do Chile, eu voltei a visitar a latinidade em várias ocasiões. Passei duas temporadas na Argentina, visitei o Uruguai e fiz um cruzeiro pelo caribe em que o espanhol era a língua oficial. As experiências me serviram para confirmar outra impressão que todo mundo já compartilha: vivemos blindados culturalmente para tudo o que vem dos nossos hermanos hispano-hablantes.
Do México ao Uruguai, as músicas que tocam nos bares e boates são as mesmas. Sucessos internacionais que não passam de desconhecidos para nós. Quando vim para a Europa, descobri que as mesmas canções que eu ouvia na noite Argentina também tocam na Espanha, em Portugal e até em Malta. E essa foi a triste constatação: não é que essa é uma moda regional. O mundo inteiro escuta o tal do reggaeton, menos nós. E aí é fica clara a nossa rejeição.
Construimos uma barreira cultural e viramos as costas para tudo o que vem além da fronteira. Olhamos apenas para o norte e para o que vem do outro lado do Atlântico. Há quem diga que a barreira é a língua. Discordo. Nunca foi problema pra gente consumir cultura gringa, apesar da distância entre o português e o inglês ser infinitamente maior que entre o espanhol.
Nem as diferenças históricas, culturais, políticas e linguísticas nos impedem de ser (ou tentar avidamente ser) americanizados. Mas a blindagem não é mútua. Nos outros países da América Latina, nossa cultura é amplamente consumida, desde músicas até os filmes e novelas. Confesso que me dava vergonha saber tão menos deles que eles de nós.
Não dá para negar, no entanto, que a separação entre o Brasil e o resto da região é histórica e começou lá atrás, na colonização, e foi se prologando pelos séculos. Mas apesar de termos particularidades no nosso desenvolvimento que não compartilhamos com os países vizinhos, é preciso dizer que também passamos por inúmeros ciclos que são típicos dessa parte do mundo: as ditaduras militares, a fragilidade econômica e das instituições, a desigualdade social, as marcas da colonização e da escravidão, entre tantas outras.
Compartilhamos muito com os nossos vizinhos, mas quando se trata de identificação, nos sentimos muito mais ligados à cultura ocidental que à latina, talvez por um ranço de querer nos separar do mundo dito “subdesenvolvido”. Só que o resto do mundo não nos vê assim. Na atual ordem mundial, somos classificados como latinos e, gostemos ou não, somos muito mais parecidos com nossos vizinhos que com europeus e norte-americanos.
As minhas duas temporadas em Buenos Aires, marcadas pela convivência não apenas com argentinos, mas com gente de todo o continente, serviram para sedimentar em mim o sentimento de pertencer que nasceu no Chile. Hoje, definir-me como latina é algo natural e poderoso.
Se antes eu dizia “eles, os latinos”, agora o pronome passou a ser “nós”. Essa é uma das minhas identidades mais fortes, e uma identidade que me enche de orgulho, porque, como diz a música do Calle 13, “Soy la sangre dentro de tus venas, soy un pedazo de tierra que vale la pena”.
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Latino americano não é uma nacionalidade. Eu prefiro, eu gosto de ser BRASILEIRO.
De sigualdade social: Os Estados Unidos não está tão longe da desigualdade social. Pelo que eu tenho visto, principalmente no Youtube, nos Estados Unidos há muita gente morando embaixo dos viadutos. Muita gente morando nas calçãdas, enchendo tudo com sujeira, na California então mostram que as pessoas evacuam nas ruas em frente das lojas, e até lojas famosas e mostram até as fezes que aparecem nas ruas. Muitas pessoas que agora estão sem teto precisando da ajuda dos outros. Por outro lado os americanos são fanáticos pela bandeira do País, que coisa estranha!
Não é nacionalidade e em nenhum momento foi dito o contrário ☺️
Somos brasileiros e latinos ao mesmo tempo, uma coisa não exclui a outra. Sim, os EUA são extremamente desiguais e há muita miséria por lá hoje em dia.
Lembro de uma conversa que tive com a Luíza sobre nossas “identidades”, porque é complexo para nós, miscigenadas. Eu nem me defino como brasileira, sempre me defini como branca, todos sempre me definiram como branca, até pela descendência direta portuguesa. Quando criança sempre fui chamada de portuguesinha. Então esse questionamento nunca passou pela minha cabeça, até levantarmos essa questão da latinidade na conversa. E que tema bom de se falar, porque realmente somos muuuito diferentes .
Oi Bia!
Eu já escrevi esse post há alguns anos e, depois disso, já amadureci outras reflexões que talvez me levassem a escrever um texto diferente agora. Mas o cerne da questão ainda permanece para mim: porque nós brasileiros temos essa cultura que nos leva a, muitas vezes, não apenas não se identificar quanto rejeitar a cultura latina? Hoje para mim continua sendo um elemento importante da minha identidade racial e para entender o meu (e também o nosso) lugar no mundo.
Também tenho descendência europeia próxima, mas só sou considerada branca no Brasil. Na Europa me veem imediatamente como latina ou alguma etnia ambigua não-europeia (já disseram árabe, turca, indiana… dependendo de onde estou, as vezes passo por espanhola) e ter vivido aí um tempo ajudou nessa construção, com certeza, mas também a proximidade com meus outros amigos latinos. Enfim, questões raciais ou culturais sempre dão um grande pano pra manga, não é mesmo?
Um abraço e obrigada por comentar! 🙂
LATINO como está descrito no texto leva a pensar como cultura, modo de comportamento, dos povos que colonizaram a América Latina, PORTUGUESES E ESPANHÓIS. Mas, acho que faltou abordar algo correspondente a nossa língua mãe o LATIM. Todas as línguas que foram derivadas do LATIM , Português, Espanhol principalmente, tem muita afinidade pelo motivo de terem colonizado juntos grande parte da América a partir de 1498. O francês também é uma língua latina e colonizou algumas ilhas do caribe e tentou se estabelecer no Brasil , mas foram expulsos pelos latinos-brasileiros. Portanto, só quis lembrar também os nossos laços pela nosso ancestral o LATIM como formação das línguas e do sangue latino e guerreiro.
Tem razão, Clóvis!
Inclusive, a definição de América Latina passa justamente pela língua e pela colonizaçnao. Embora faça parte da América do Sul, a Suriname, por exemplo, não é considerado um país latino porque lá a língua oficial é o holandês.
Abraços!
Nunca li tanta bobagem na minha vida com todo respeito. Você certamente já deve ter lido Gabriel Garcia Marquez, Pablo Neruda ou Galeano e Vargas Llosa, correto? Agora pergunta para algum latino se eles alguma vez leram algum autor brasileiro? Não acho que nós brasileiros devemos ter qualquer tipo de aproximação cultural muito grande com os hispanos. Nós sabemos pouco sobre a cultura deles e sobre seus países? E daí? A grande maioria deles acha que somos todos portadores de de doenças como SIDA pobres, negros e favelados (falo por experiência própria), sem contar que é uma gente extremamente RACISTA. Não é a toa que nos chamam de “macaquitos”. Pois eles (mexicanos, peruanos, chilenos, argentinos, etc) acreditam que o Brasil é um enorme Haiti e que deveria ser parte da África por ter muitos negros. Eles têm para com nós os mesmos preconceitos que nós temos para com eles e que os demais estrangeiros têm conosco. Logo, é mais do que válida a lei da reciprocidade. Além do mias, nenhum deles faz muita questão de aprender português mesmo quando veem aqui, logo, por qual razão deveríamos acatar esta imposição idiota de ter o “espanhol como segundo idioma”? Brasileiro com esta mania de puxar saco daqueles que nos humilham. A Espanha é um dos países mais xenófobos com brasileiros na Europa e os seus derivados em geral, também não são flor que se cheire. Somos lusófonos! latinos é apenas uma mera invenção.
Cara, todos os meus amigos latinos já leram autores brasileiros. Ninguém acha nada disso aí que você falou. Quanto falta de informação e opiniões tiradas da sua cabeça! Por favor, não dá pra inventar um dado e sair propagando como se fosse verdade absoluta! Existe gente racista em qualquer lugar do mundo, inclusive, seu comentário foi um poço de preconceito, para exemplificar!
Se você quer discutir “com todo respeito”, comece fazendo comentários respeitosos e embasados.