Eu conheci a Letícia Sales quando ela escreveu relatos sobre seus intercâmbios aqui para o blog. Desde então, sempre acompanho os projetos dela pela internet e fiquei bem feliz quando ela começou a Happee, uma empresa social na Índia. Há algum tempo espero a Letícia escrever para a gente novamente e fico muito orgulhosa de compartilhar hoje o texto com vocês.
Faz 3 anos que escrevi para o blog pela última vez, e muita coisa aconteceu desde então. Dessa vez, venho compartilhar mais uma história: a de empreender. Não em qualquer lugar, mas no exterior, e não em qualquer país, mas na Índia. Para quem já deve estar me achando suficientemente doida, vamos rebobinar um pouco a fita (sim, eu sou velha o suficiente para saber o que é rebobinar uma fita rs).
Há 3 anos, em maio de 2013, parti para a que seria a mais louca aventura da minha vida. Já escrevi dois relatos para o blog sobre meu intercâmbio na Itália e meu intercâmbio na Índia, e é engraçado reler, relembrar e recapitular o turbilhão de acontecimentos e emoções que se seguiram desde então.
Inicialmente, fui para a Índia pela AIESEC para trabalhar em uma empresa que fabrica roupas para marcas do mundo todo. Fui morar na cidade de Jaipur, polo têxtil e joalheiro. Tive a oportunidade, em 8 meses de trabalho, de fazer um networking maravilhoso, conhecendo pessoas que trabalham em marcas como Mango, M. Officer, Pernambucanas, Shoulder, Le Lis Blanc, entre outras, as ajudando a desenvolver peças e coleções para suas marcas. Para quem já era da área de moda, como eu, não preciso dizer como foi interessante e valioso fazer novos contatos, entender como diferentes empresas trabalham e até mesmo viajar ao exterior com tudo pago pela empresa – durante meu intercâmbio vim ao Brasil para diversas reuniões, uma experiência bem interessante.
A Índia te transforma muito. Não apenas pelo choque cultural e pela explosão de cores, sons, lugares, sabores e pessoas. Ela te transforma pouco a pouco, em pequenos momentos que mudam a sua forma de pensar e de agir. Ela te muda um pouquinho, todos os dias, ao andar na rua e ver a intensa pobreza e pessoas que sorriem apesar do pouco que têm.
Ela te muda quando você vê seu chefe dirigir uma BMW e faturar mais de 20 milhões de reais por ano, enquanto seus 400 costureiros homens, provedores de famílias, ganham míseros 200 reais por mês. Ela te marca quando você vai em um desfile de moda e as proeminentes mulheres da sociedade local, uma a uma, fazem discursos para salvarem as bebês meninas e não as abandonarem ou abortarem. Ela te marca quando pessoas, por mais pobres que sejam, te convidam para ir em suas casas e te oferecem a pouca comida que possuem; quando te abrem um sorriso sincero e desconhecido no meio da rua, quando pedem sua permissão para tirar uma foto com você, pois em sua ingenuidade e simplicidade, não são acostumadas a ver ou lidar com estrangeiros com frequência.
Todo esse turbilhão de experiências e emoções me fez sentir, diversas vezes, que não era hora de voltar para casa, que a minha experiência ali ainda não tinha acabado. Não queria ir embora, voltar confortavelmente para casa e ignorar todos os problemas sociais que eu havia visto e que haviam me marcado tão profundamente. Não é que apenas lá existem problemas. É que quando nascemos e crescemos em um país, torna-se fácil e corriqueiro ignorar vários problemas sociais que encontramos no nosso dia a dia. Mas estar em um novo país e que concentra 1/3 da população mundial que vive abaixo da linha da pobreza é algo difícil de ser ignorado. É algo que transtorna, que transforma, que causa um sentimento de estranheza, de choque de realidade.
Enquanto tudo isso acontecia comigo, um certo indiano de Jaipur também criava suas próprias percepções acerca dos problemas locais. Chamado Peeyush Rastogi, de tradicional família indiana de classe média, Peeyush trabalhava havia dois anos na AIESEC local, vivenciando na própria pele situações de crescimento pessoal desconforto com sua realidade que, pouco a pouco, se transformaram em um forte desejo em ser um agente de mudança positiva, em fazer algo que criasse um grande impacto no mundo.
Através da AIESEC, nos conhecemos e identificamos um desejo coletivo de abrir uma empresa que fizesse a sua parte para tornar o mundo um lugar um pouco melhor. Queríamos algo que ajudasse de algum modo a sociedade, que ajudasse a diminuir a desigualdade de classes ou de gênero, que fosse parte da solução e não do problema. Nenhum de nós acreditava em ser mais um dono de empresa orientado apenas ao lucro às custas do suor de operários mal remunerados. Foi assim que nasceu a Happee. Misto de Letícia (que significa alegria, happiness em inglês), com Peeyush, uma brincadeira com a palavra Happy, um desejo de tornar o mundo um lugar um pouco melhor e mais feliz.
Como funciona a Happee
A cada produto vendido, destinamos 2 dólares para a educação de crianças carentes na Índia, e trabalhamos apenas com pequenos produtores e artesãos, com o intuito de empoderar chefes de família e valorizar o riquíssimo trabalho artesanal que vem sido cultivado há séculos na Índia: os bordados, a estamparia manual, a tecelagem, o couro – em produtos como sapatos, bolsas e lenços. A sede da empresa é em Jaipur e vendemos através do nosso e-commerce, com pronta-entrega no Brasil e também na Índia, além de 2 pontos de venda físicos no Brasil. Até o final do ano, teremos um escritório em São Paulo também, pois a maioria dos nossos clientes são brasileiros.
Vários dos produtos vendidos no site da Happee
Estamos em operação há pouco mais de um ano e, assim como meu intercâmbio na Índia, não trocaria essa experiência por nada. Empreender é incrivelmente difícil e solitário. Você todos os dias precisa tomar decisões sozinho. Muitas vezes as pessoas não vão entender as suas angústias e anseios, muitas vezes você não consegue dormir direito, preocupado se o seu negócio vai dar certo ou não. Mas também é uma experiência incrível. No empreendedorismo, consegui saciar toda a minha vontade de aprender sobre tudo – todos os dias, preciso ler e descobrir uma infinidade de coisas novas sobre todos os segmentos – produção, marketing, finanças, e simplesmente amo todo esse processo.
Abrir uma empresa é um grande desafio, e no exterior, mais ainda. É muito desafiador trabalhar com pequenos artesãos em vilarejos isolados. Muitas vezes, os vilarejos não possuem tratamento de esgoto, as vilas possuem um cheiro forte e a falta de saneamento básico deixa os artesãos vulneráveis a diversos tipos de doença.
O primeiro artesão que conhecemos vem de uma casta que trabalha com estamparia em blocos de madeira há gerações. Ele e os dois filhos ganham juntos menos de R$1000 por mês para sustentar uma família de 10 pessoas. Como ele, há muitos, estima-se que 200 milhões de pessoas na Índia (mais do que a nossa população inteira!) vivem de trabalhos artesanais e isso que nos inspirou a trabalhar cada vez mais com artesãos ao invés de grandes fornecedores e ajudá-los a proporcionar uma melhor qualidade de vida para suas famílias.
Apesar do desafio, a experiência nos proporciona momentos impagáveis, como ir a áreas remotas da Índia e procurar artesãos de porta a porta, conhecer famílias inteiras que nos recebem em suas casas e encontrar artesãos que sequer possuem um computador, muito menos smartphone, então não conseguíamos enviar os designs das nossas estampas a eles. Descobrimos muitos artesãos que são de uma simplicidade ímpar, dispostos a te ajudar, negociar e confiar na sua palavra, mesmo sem te conhecer direito.
É muito interessante aprender como funciona o sistema tributário em outros países, direitos trabalhistas (que, aqui, são praticamente inexistentes), como registrar empresas, como as pessoas fazem negócios, como lidam com diferentes tipos de situação e problemas, como abrir conta no banco e outras coisas tão simples, mas ao mesmo tempo tão complexas.
Atualmente, estamos com uma campanha de crowdfunding, onde oferecemos nossa nova coleção para pré-venda em nosso site, e também arrecadamos recursos de quem quiser fazer doações, pois pretendemos expandir nossas operações no ano que vem, para ajudarmos cada vez mais crianças e artesãos. Tem sido muito gratificante ver a resposta das pessoas e receber o carinho de muita gente que tem nos apoiado.
Gratidão, aliás, é o que faz tudo valer a pena no final do dia, por mais cansativo que seja. A gratidão de trabalhar com pequenos artesãos, nos sentir bem-vindos em suas casas e sentir que quando trabalhamos com eles, os ajudamos a ter mais trabalho e qualidade de vida. Gratidão de ir à ONG que fazemos parceria para passar o dia com as crianças e receber muito mais sorrisos, carinho e alegria do que jamais conseguiria imaginar. De perceber que, no fim das contas, não somos nós que ajudamos elas, são elas que nos ajudam. E gratidão de poder retribuir a um país que tanto me acolheu e ensinou nesses últimos 3 anos, mesmo que a duras penas. Que venham mais desafios, mais crescimento, mais gratidão e mais happee-ness ;).
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Encantada e inspirada pelo trabalho vocês! Desejo muito sucesso e prosperidade!
É tão inspirador conhecer a sua historia que peço licença para compartilha-la! Parabéns pela coragem de enfrentar tantos desafios e principalmente de manter firme o propósito de ajudar a transformar, para melhor, a vida destas pessoas. Desejo que todo o bem que espalham por ai, retorne em forma de mais e mais oportunidades e sucesso para vcs!!!
Lindo,lindo,lindo sem palavras voce merece todo meu respeito!!!
Muito obrigada, Otavio! 🙂
Olá Letícia.
Encantada com sua experiência!Inspiradora!
Como posso fazer contato com vc no privado?
Obrigada
Mary J
Ameiiiiiiiiiii uma inspiração e tanto
Muito obrigada, Cristiane! 🙂
Maravilhoso!
Muito obrigada, Mariana! 🙂
Que legal!!