Conteúdo para blogs de viagem: blogar é contar histórias

Gostar de viajar não basta. Blogar sobre viagens envolve fazer as malas e conhecer o mundo, claro, mas o que diferencia um blogueiro de um viajante comum é um intenso desejo de contar histórias. No caso do 360, essas histórias são contadas principalmente por meio de textos, mas a internet permite outros caminhos. Há aqueles que focam esforços em vídeos no YouTube; existem os que preferem que o diário de viagem principal seja formado por fotos lindas no Instagram.

Não importa o caminho ou a ferramenta escolhida, o foco central é o mesmo. Um blogueiro é um produtor de conteúdo digital, um contador de histórias na era da internet. Um blog nada mais é que um veículo de comunicação. E embora existam atalhos e macetes fundamentais nesse caminho – por exemplo, o tal do SEO, a otimização de sites para mecanismos de buscas -, a máxima desse meio é imutável: o conteúdo é rei.

Como já explicamos algumas vezes, os três autores deste blog são jornalistas e tiveram sua base formadora em redações espalhadas pelo Brasil. O jornalismo nos deu noções básicas que aplicamos ao 360, por exemplo, a definição de uma linha editorial, apuração detalhada e técnicas de escrita básicas. A produção de conteúdo para um blog de viagem é o assunto deste texto, que foi inspirado numa palestra que o 360 foi convidado a fazer durante o Encontro da Rede Brasileira de Blogueiros de Viagem (RBBV), em Belo Horizonte.

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4 lições que o jornalismo me ensinou sobre ter um blog profissional
Como atrair leitores para um blog de viagem

encontro rbbv

Participantes do encontro da RBBV (Fotos: Alessandra Fratus/ blog Tô Pensando em Viajar)

A definição dos textos

Não existe isso de abrir o notebook, puxar a cadeira e começar a escrever. Nosso processo de produção de conteúdo começa bem antes, mais uma das técnicas que importamos do jornalismo. Toda segunda-feira, às 13h (horário de Brasília), estamos em reunião. Como moramos em países diferentes (Brasil, Portugal e Espanha), há a questão do fuso horário, que costuma atrapalhar nossos encontros, normalmente feitos por Skype.

Começamos analisando o relatório da reunião passada e verificando o que foi feito, quais foram os resultados e o que ainda precisa ser continuado. Depois, passamos para as demandas da semana. Os textos que escreveremos nos próximos dias são definidos com um ou dois meses de antecedência e vão para nossa tabela de posts. Todo mundo sabe qual texto precisa escrever e o dia que ele vai entrar.

produção de conteúdo para blogs de viagem

Textos mais básicos são autoexplicativos e vão para a tabela assim que um novo destino é visitado: são os posts que respondem perguntas mais simples do viajante, como onde ficar, o que fazer, onde comer e como chegar em determinado destino. Além desses, quem nos acompanha sabe da regra máxima da linha editorial do blog, que defendemos até em nosso manifesto: o 360 não tem como objetivo apenas falar de lugares interessantes e dar dicas de viagem. Queremos mais: fazemos questão de refletir sobre o turismo. São esses textos, mais complexos e reflexivos, que envolvem debates mais longos nas reuniões e são pensados com mais calma.

Assim como muitos blogs de viagem, o 360 tem dois tipos de leitores. Temos aqueles que nos acompanham diariamente, que digitam 360meridianos.com no navegador e estão aqui com frequência, sempre em busca de algo legal para ler. Esses são nossos leitores favoritos, aqueles que abraçam o 360 e levam nosso trabalho adiante. Aqueles que nos motivam a continuar.

Além dessa comunidade, que adoramos, há os que chegam até aqui pelo Google, ao pesquisar sobre alguma viagem que pretendem fazer. Esses leitores, embora sejam maioria, muitas vezes passam por aqui apenas para planejar uma viagem, lendo tudo que temos disponível sobre determinado assunto, e vão embora. Também somos muito gratos a esses leitores, que têm um papel fundamental no 360.

Por isso, pensamos nossa tabela de textos para esses dois grupos. Durante a semana, nossos dias de maior audiência, publicamos nosso conteúdo mais interessante, nossas crônicas, nossas indicações de livros, filmes e nossos posts com reflexões sobre o turismo. Nos finais de semana, quando a audiência do blog cai, afinal leitor de blog de viagem frequentemente está viajando, publicamos os textos que ajudam a organizar viagens específicas e que serão lidos de verdade não na hora da publicação, mas a médio e longo prazo, quando forem indexados pelo Google e passarem a receber visitas do buscador.

No encontro da RBBV dei dois exemplos, que trago para esse texto também. No ano passado eu escrevi o texto “Um País chamado Pará“, que começava a apresentar o estado para nossos leitores – depois vieram dicas de onde comer, onde ficar, pontos turísticos e passeios específicos. O texto sobre o Pará teve 13 mil curtidas no Facebook, dezenas de compartilhamentos e alcançou, no mês em que foi publicado, cerca de 10 mil leituras. Um ótimo resultado, atingido graças aos nossos leitores de dia a dia e ao desempenho no Facebook.

Ilha do Marajó, Pará

Ilha do Marajó, Pará

Pouco antes da Copa do Mundo de 2014, publicamos um texto com dicas para comprar ingressos de última hora para o torneio. Foram apenas 276 curtidas no Facebook e houve pouco interesse do nosso leitor de dia a dia – exceto daquele que de fato estava interessado em ver um jogo da Copa. Por outro lado, o texto teve um bom posicionamento no Google e atraiu, por meio do buscador, cerca de 40 mil pessoas em duas semanas  – isso é mais que a tiragem de muitas revistas e jornais tradicionais.

Percebeu a diferença entre os públicos? Entendemos que é preciso sim agradar o leitor que vem do Google, mas não nos esquecemos que escrevemos para pessoas, não para os robôs do buscador. Nosso maior desejo é que o 360 se torne, cada vez mais, um local de parada, um site em que as pessoas visitam ao longo do dia e quando buscam algo legal e interessante para ler. Queremos ser um local de debate, um ponto de encontro não apenas para quem tem uma viagem pela frente e precisa se planejar, mas principalmente para quem deseja ler boas histórias (e contar as suas). Sabe aqueles sites que você entra várias vezes ao longo do dia, só para ver se tem algo novo por lá? Esse é o lugar que desejamos para o 360.

Mais trabalho e responsabilidade

Além da tabela de textos, usamos outras técnicas para controlar o trabalho do dia a dia. Todo texto que publicamos aqui é editado pelos três blogueiros. Por isso, estamos em contato durante todo dia. No final do expediente, cada um manda um relatório com o que fez no dia – essa é uma forma que encontramos para lutar contra a procrastinação, terrível para quem vive no home office. Além das reuniões semanais, temos reuniões mensais, mais criativas, informais e focadas em pensar ideias de textos; e reuniões de planejamento de metas, que são ajustadas ao longo do ano.

As nossas tarefas vão muito além da produção de conteúdo atual. Por exemplo, temos um trabalho inesgotável de atualizar textos antigos, seja com informações que mudaram ou porque nosso ponto de vista mudou. Não temos medo de dizer quando erramos – muito pelo contrário, fazemos questão de estampar nossos erros na capa do site, muitas vezes com um texto sobre o assunto, de modo a conscientizar pessoas e mostrar o que não deve ser feito. Nem que seja pelo nosso mau exemplo.

Esse foi o caso do texto em que falamos sobre os passeios de elefantes do sudeste asiático. Quando estivemos na Tailândia, nós participamos de um tour assim e algumas fotos vieram até parar aqui no blog. Só meses depois, já no conforto de nossas casas e quando fomos pesquisar sobre o assunto, que descobrimos que o turismo quase causou a extinção do elefante asiático e que os animais são torturados desde o nascimento para se adaptarem ao programa de agências de turismo. Erramos feio ao participar daquele tour e incentivamos que você evite esse passeio a qualquer custo. Na mesma linha, escrevemos sobre coisas que turistas deveriam parar de fazer imediatamente – e destacando todas as vezes em fomos culpados dos mesmos atos.

Esses textos foram bem aceitos. Como consequência, temos o orgulho de poder dizer que ajudamos na formação da opinião do viajante brasileiro sobre temas importantes e que vão muito além de simples dicas de viagem. Afinal, se todo blog é um veículo de comunicação, todo blogueiro é um formador de opinião. É preciso aceitar esse papel com responsabilidade e sempre pensando várias vezes antes de fazer determinado passeio, tirar uma foto e escrever sobre o assunto. Blogar mudou até a forma como viajamos, que passou a envolver um planejamento e uma reflexão muito maior.

encontro da RBBV

Participantes do encontro da RBBV (Fotos: Alessandra Fratus/ blog Tô Pensando em Viajar)

Já falamos sobre a questão da linha editorial em outro texto, mas não custa repetir: respeitamos nossa linha editorial acima de todas as coisas. Em troca, temos o respeito do nosso leitor. Isso tem consequências práticas. Por exemplo, rejeitamos um grande número de convites para press trips, viagens organizadas e pagas para a impressa e blogueiros, quando elas não combinam com a linha editorial do 360. Só este ano foram pelo menos 10.

Viajar de graça nunca foi nossa obsessão. Para deixar claro: press trips são uma forma válida de conseguir conteúdo e viagens de trabalho, mas são extremamente cansativas e produtivas, não de férias. Tanto é assim que fazemos algumas viagens nesse estilo, mas sempre mantemos a coerência ao aceitar ou rejeitar determinado convite. O que importa é nosso leitor, não o interesse do blogueiro. Analisamos todo convite para viagens ou campanhas do ponto de vista editorial, não da conveniência.

teclado-macbook

Nos últimos tempos, dentro da gourmetização de termos empresariais, criou-se o digital influencer. São blogueiros, instagramers, youtubers, entre outros. Papéis parecidos já existiam antes e o mundo sempre teve formadores de opinião. O alcance varia e o nicho também, mas uma coisa não pode ser perdida: a noção de responsabilidade. Formador de opinião (ou digital influencer, se preferir o termo gourmetizado) não é a pessoa que recebe um número absurdo de jabás e publica em suas redes sociais; que transforma a própria vida em reality show e traz uma multidão de seguidores atrás de si. Acima de tudo, o bom formador de opinião quer que suas histórias tenham um impacto positivo no mundo, se preocupa com a mensagem que está passando.

Não que ganhar dinheiro seja errado. Longe disso. Um dos maiores desafios que temos no 360 é mostrar para nossas famílias que este blog não apenas é nossa fonte de renda, mas uma empresa. A questão é que nosso objetivo principal não é ganhar dinheiro, ter seguidores e o respeito do mercado. Essas são as consequências. Que sim, são ótimas. Mas, antes de tudo isso, queremos impactar pessoas e fazer nossa parte – mesmo que minúscula – para transformar o mundo num lugar um pouquinho melhor. Como escrevemos em nosso manifesto, “acreditamos na força transformadora do turismo, tanto para o viajante quanto para o mundo”. Queremos fazer parte dessa força de mudanças que o contato com outras culturas, povos e pessoas é capaz de fazer. Produzir conteúdo para um blog de viagens é, no final das contas, defender ideais. E fazer isso enquanto tentamos ser bons contadores de histórias.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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17 comentários sobre o texto “Conteúdo para blogs de viagem: blogar é contar histórias

  1. Adorei o blog de vocês. Muito inspirador. Estou engatinhando no meu blog de viagem, onde quero contar minhas experiências como mulher viajante solo. Há 9 anos, desde que me divorciei, iniciei minha jornada mundo afora, sozinha. Foram muitas experiências marcantes e muito aprendizado. Quero passar tudo isso no blog e encorajar outras mulheres a fazerem o mesmo. Meu desafio, no momento, é tentar me desvincular das amarras impostas pelas técnicas do marketing e focar no “storytelling”. Quero que minhas histórias sejam inspiradoras.
    Achei interessante a proposta do Clube Grandes Viajantes. Gostaria de saber se haverá algum trabalho voltado a apoiar escritores de blogs de viagem. Debates, cursos, compartilhamento de conteúdo etc.

  2. tambem estou começando um blog sobre viagens,mais por não ter muita bagagem com viagens o conteudo de alguns artigos tenho que pesquisar

    1. Pesquisar faz parte, Leandro. Mas o fundamental é que o blog tenha suas próprias experiências. Não pode ficar muito baseado em outros blogs, sem uma cara sua, uma coisa diferente. É importante que você desenvolva essa bagagem com viagens. 🙂

  3. Oi gente!
    Achei vocês por acaso na internet e estou achando interessante as dicas, tenho 50 anos e quero fazer um blog sobre viagens; eu tinha uma ideia na cabeça, mais depois de ler a matéria de vocês vi que estava completamente errada, confesso que me deu um “medinho” agora, não sabia que tinha que escrever tanto, acho que vou ler mais, para entender melhor como funciona e depois colocar minha ideia em pratica.Obrigada pelas dicas!

  4. Parabéns! Vocês merecem todo reconhecimento. O 360 é muito gostoso de acompanhar, mesmo que o estilo de viagem de vocês seja diferente do meu. Também acredito que viagens têm o poder de transformar as pessoas e consequentemente o mundo. Sinto neste texto o orgulho que têm de seu filhote. Continuarei vendo-o crescer. Abraços!

  5. Sou fã de vocês, do 360, da maneira como vocês se posicionam, das reflexões que vocês fazem e que são realmente relevantes, necessárias e úteis para a formação do turista brasileiro. Acho demais que vocês transformaram o blog em uma empresa, como você disse ali em cima, que é uma das coisas mais difíceis no meu entendimento de 3 anos de blog. Tenho certeza que manter o cronograma, fazer as reuniões e encontros semanais são essenciais para tornar isso possível. Disciplina é fundamental.
    Não pude ir ao encontro, mas fiquei feliz de poder participar um pouquinho dele através desse post =)
    Sucesso sempre para você e para as meninas!

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