Meu escritório guarda um pedaço da maior ironia fotográfica de nosso tempo. No meu computador e no HD tenho pelo menos 30 mil fotos, registros tirados nos últimos cinco anos, mas até outro dia eu não tinha uma fotografia impressa sequer desse acervo. Já na estante ao lado da minha mesa ficam dezenas de álbuns antigos, todos cuidadosamente montados com uma quantidade absurda de imagens. São fotos da era pré-digital, registros da minha infância, adolescência e até o começo da vida adulta. Não só minhas, na realidade, mas de toda a família.
Uma das coisas mais legais que uma criança que cresceu nos anos 90 poderia ganhar era uma câmera fotográfica. Não me esqueço da primeira que tive, que foi presente de meus avós. Também me lembro de outra, que ganhei da minha mãe num natal qualquer – acho que foi em 1995 – e que era decorada com um personagem de games do Super Nintendo. Não que as câmeras fossem caras. Na realidade, tive até descartáveis, que eram vendidas por um preço baixo. Cara era a impressão. Junte isso com a ideia de dar uma câmera para uma criança e fica fácil entender por que esse era um presente e tanto.
Um dos momentos mais mágicos das férias era quando, depois de usar todo o filme fotográfico, o rolo ia para revelação. E como era sortuda a pessoa que tinha um filme de 36 poses (não que eu reclamasse do de 12). Descobrir como cada um apareceu na foto, se a foto tinha ficado escura ou se o fotógrafo colocou o dedo no visor da câmera sem querer – tudo isso era parte central da revelação, um momento em que todo mundo se sentava ao lado do pacote e as fotos eram passadas de mão em mão. Além dos álbuns, lugar de foto era nos porta-retratos, outro item que parece ter se tornado obsoleto na era digital, tão inútil como uma máquina de escrever.
A primeira vez que vi uma câmera digital foi em 2005, já na universidade e durante uma aula de fotografia. Era uma câmera bem limitada para os padrões atuais, mas esse primeiro contato já causou um sentimento misto em mim. Se por um lado havia a mágica de ver a foto ali, instantaneamente, por outro acabava a beleza da espera, a que permitia que o segredo só fosse revelado dias depois, em meio a quase uma cerimônia de inauguração.
Mais tarde, tive duas câmeras compactas. Uma delas permanece até hoje na minha gaveta, inutilizada desde a chegada dos smartphones com suas câmeras cada vez mais potentes. E foram eles os responsáveis pela explosão no número de fotos tiradas, pelo estilo da vida que quer registrar tudo, mostrar tudo, transmitir tudo ao vivo.
Apenas o Instagram tem 500 milhões de usuários, gente que publica 95 milhões de fotos por dia. Já no Facebook são postadas outras 300 milhões de fotografias. Por dia. Calcule que dificilmente uma pessoa tira apenas a foto que vai postar – todo mundo faz várias versões da mesma imagem para garantir que alguma irá prestar – e chegaremos a um número absurdo de fotografias diárias.
A selfie já existia, mas não na intensidade narcisista atual. Mas nada disso importa e meu ponto aqui é outro. Em meio ao monte de coisas incríveis que a fotografia digital trouxe, há pelo menos um aspecto que me deixa com saudade: o hábito de imprimir fotos. De montar álbuns, escolher um porta-retrato, pensar em quais imagens iríamos colocar na sala de TV. De fazer um mural com as situações mais memoráveis, as pessoas mais importantes, os momentos inesquecíveis – ou mesmo um momento cotidiano qualquer que seria esquecido não fosse a foto. Um mural de verdade, não um monte de fotos no Facebook ou no Instagram.
A nostalgia tem motivo. Minha mãe fez sua travessia há seis anos. Ela não nos deixou muita coisa, mas havia um tesouro, algo que ela guardava com um zelo e preocupação admiráveis: as fotos. Fotografias dos filhos crianças, da família, do casamento, dos amigos da juventude. Imagens cuidadosamente guardadas, muitas delas com legendas e observações carinhosas. São esses os álbuns que ficam na estante do meu escritório e que contrastam com o acervo gigantesco que tenho digitalizado, mas que até outro dia não tinha merecido um espaço físico sequer.
Durante a infância, abrir os álbuns que ficavam guardados com minha mãe era pular no passado. Observar aniversários e páscoas, férias e um natal que há muito se foi, festas juninas ou uma tarde qualquer de domingo, registros da família unida, vendo TV debaixo da coberta ou brincando feliz no quintal. Seis anos depois e ainda no processo de fazer meu apartamento se tornar um lugar mais agradável, resolvi colocar algumas dessas fotos em painéis e porta-retratos. Foi a deixa para que eu resolvesse revisar o arquivo digital, escolhendo algumas imagens mais recentes para impressão.
Ver uma foto na internet é fácil, mas nada substitui a força de ter uma imagem num porta-retrato no corredor da sala, por onde você passa incontáveis vezes ao dia, sempre olhando rapidamente para um momento inesquecível. Revelar ainda é fácil e na prática ficou mais barato, afinal você pode escolher exatamente quais fotos quer imprimir e não corre o risco de mandar fazer uma foto em que um dedão tampou o visor da câmera ou que todos os presentes fazem uma careta involuntária por causa do flash. O único trabalho é revisar aquele gigantesco acervo digital em busca de quais fotos imprimir.
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Lembranças boas dessa época das analógicas – que denunciam a idade!! <3
Tenho feito fotolivros das viagens que, do jeito que eu gosto, não fica barato mas ocupam menos espaço físico. Mesmo assim, vou separar algumas fotos para imprimir. O papel com a foto ainda acho importante – o digital depende de outros dispositivos para ser visto… mas o papel não!
Brigada pela volta ao tempo, Rafael! 😀
Denise, olha só, só vi esse comentário hoje. E adorei. 🙂
Obrigado.
Sou do tempo que se revelava as fotos e me identifiquei bastante com o texto quando se diz que havia um tipo de ritual para abrir o pacote com as fotos reveladas. Mesmo agora usando máquina fotográfica digital, sempre revelei as fotos. Nada se compara a ter as fotos nas mãos!!!
Pois é, Margarete! É outra coisa!
Abração!
Fala, Rafa! Beleza? Curti o texto e me identifiquei.
Também comecei o processo de revelar fotos digitais há pouco tempo. Pensei nisso quando olhei para meu HD com fotos que eu nunca olhei (era mais de 5mil) do meu primeiro mochilão. Iniciei um processo de montagem de albuns e com muita organização vem dando certo.
Eu fiz uma planilha no excel com cada viagem e a quantidade de fotos que eu havia tirado, a quantidade que eu iria revelar (após o descarte e a edição), qual o tipo de álbum que eu iria fazer e qual o valor.
Fiz um cronograma e cumpri grande parte dele ano passado.
Além disso, fiz um cronograma para revelar fotos do cotidiano, afinal, não são só as viagens que merecem ser relembradas.
Fica a dica ai =D
Nossa, quanta organização, Felipe. Inveja! hahahaha
Vou tentar aplicar na vida. 🙂
Abraço.
Em 2015 comecei um processo de revelar as fotos de viagens que havia feito, inspirada principalmente nos álbuns que a minha mãe guardava. Comparando as fotos que eu tiro (com câmeras profissionais) e as que a minha mãe tirou na era analógica, cheguei a uma conclusão: Minha mãe era a melhor fotografa do mundo! Até hoje não consigo entender como ela conseguiu registrar tantos momentos em épocas de filmes com 12 poses.
Nada se compara a pegar uma foto revelada, relembrar aquele momento, aquela viagem..
Mais uma vez, ótimo texto!
haha.
Tenho uma experiência parecida, Ana, com uma tia. Só fotos maravilhosas!
Vou começar a revelar a nova leva de fotos agora!
Abraço.