Quando era criança, aguardava ansiosamente pelo mês de férias, em que eu e meus pais colocaríamos as malas no carro e atravessaríamos as centenas de quilômetros entre Beagá, onde nasci, e lugares como o interior de Minas, Recife ou Natal. Foi nessa época que começou a minha paixão por viajar de carro, mas — agora que eu mesmo tenho idade para estar atrás do volante — o que mais importa nem é ver a quilometragem subir.
Seja no asfalto, nas nuvens (apesar do medo de avião), de trem ou barco, minha vontade de viajar tem um foco principal: ouvir, viver e contar histórias.
Acredito que há algo de especial em sair por aí disposto a conhecer não apenas outros lugares, mas especialmente as pessoas que construíram e constroem aqueles espaços. Aprendi na prática que, enquanto a gente está atento e disposto a escutar e enxergar os outros com atenção, a gente aprende muito é sobre si mesmo.
Para além de observar essas questões como viajante, tento manter essa perspectiva também como jornalista e fotógrafo. Não me lembro a última vez em que viajei, ainda que não profissionalmente, e não levei a câmera ou um bloquinho ou celular à tiracolo para fazer anotações.
Pra que serve a fotografia de viagem?
Não é toda e qualquer viagem que precisa virar uma reportagem, mas, com certeza, as histórias nos encontram todas as vezes em que a gente se põe em movimento.
Evanilde Ferreira Marques e os afazeres do fim de tarde na Serra das Araras, em Minas Gerais. Foto de 2016.
E o meu jeito de fazer essas histórias existirem para além das minhas memórias é transformando-as em palavras e, principalmente, em imagens. Apesar de ter me graduado primeiro em jornalismo, a fotografia é uma paixão mais arrebatadora.
Explico o porquê. Se você me pedir para escrever de reportagens sobre o crime ambiental de Mariana à publicidades de whisky, suplemento vitamínico ou empréstimo bancário, eu escrevo sem problema algum (já o fiz, na verdade). Redijo, edito, passo o texto para outros editores e agências aprovarem. Ao final, dependendo do objetivo, não é necessariamente a minha voz que aparece atrás das palavras.
Com a fotografia documental, no entanto, ainda que a intenção de comunicar possa ser parecida, a figura do fotógrafo é indissociável do resultado final. É a minha forma de olhar o mundo, o meu enquadramento, a minha decisão de apertar o botão naquela hora — e não dez segundos ou meia hora depois — que resulta em uma imagem.
A primeira foto que fiz em Bento Rodrigues, distrito arrasado pela lama da Samarco e da Vale. Foto de 2015.
Eu acompanho o 360meridianos desde antes do site tomar forma, mas demorei uma eternidade para me atrever a escrever por aqui. Sou amigo da Luíza Antunes, da Natália Becattini e do Rafael Sette Câmara desde os tempos de faculdade e acompanho, de longe e com admiração, o trabalho incrível e o modo de vida que eles construíram para si.
Eu ainda não vivi a vida de um nômade digital, mas, sem dúvida, o bichinho que compele os três a colocar o pé na estrada também me picou. E foi desde cedo.
Quando o Rafa me convidou a escrever por aqui, a nossa conversa passou pelas viagens de carro, algumas aventuras que vivi: já participei de reality show na África do Sul, rodei 7.500km sozinho pelo Brasil durante a Copa de 2014 e tenho o hábito de inventar viagens não convencionais, mas invariavelmente rumou para a fotografia. Será que não era o caso de dar dicas, explicar como fazer boas fotos?
Talvez, conforme a gente converse nos comentários e essa coluna evolua, o papo flua para temas como luz, abertura, velocidade e ISO. Mas, antes que a conversa chegue ao fetiche de como e quais equipamentos utilizar, preciso dizer que acredito piamente que a câmera não é mais que uma ferramenta.
Já produzi imagens terríveis com equipamentos potentes, e fotos que adoro apenas com um celular.
Nesse sentido, gosto muito da fala com que Platon — fotógrafo grego que assinou dezenas de capas para a Time, maior revista do mundo — abre seu episódio na série Abstract, da Netflix:
“Eu não sou um fotógrafo de jeito nenhum. A câmera não é nada mais que uma ferramenta. Comunicação, simplicidade, formas numa página. O que é importante é a história, a mensagem, o sentimento. A conexão. Como você faz isso atingir as pessoas? É uma combinação de simplicidade gráfica e o poder do espírito e da alma”.
Seu João Peão. Vaqueiro garante que já viu até sereias nas andanças por Minas Gerais.
Carnaval de Belo Horizonte em 2015. Bloco Filhos de Tcha Tcha na Ocupação Isidora.
Um jangadeiro em Imbassaí, na Bahia. Foto de 2014.
O amanhecer em uma vereda no Jalapão
No fim das contas, o que importa é o significado.
Eu só tiro a câmera da mochila ou do bolso para fotografar aquela cena, aquela pessoa, quando faz algum sentido — mesmo que, na hora, eu não saiba explicar exatamente qual.
Para alguns, o que motiva é capturar uma paisagem bonita. Para outros tantos, uma boa razão é mostrar para os amigos do Instagram exatamente onde você está.
Não costumo fazer selfies e sou relapso a ponto de já ter ido a Paris e voltado sem uma foto sequer da Torre Eiffel. Mas tenho um monte de fotos praticamente repetidas do Carnaval de Belo Horizonte. Nem sempre é fácil explicar (ou entender) o que nos inspira a fazer um registro.
Pensando nisso, queria encerrar esse meu primeiro texto no 360meridianos com uma pergunta, para que possamos continuar a conversa nos comentários. Quando você está viajando, para que serve a fotografia?
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A fotografia de uma viagem é um registro de momento vivido. Como vivo num mundo comum, claro que acabo tirando uma foto da Torre Eiffel, para mostrar aos conhecidos que lá estive, que vi a torre, etc… Mas não são essas fotos as mais significativas, mas sim aquelas motivam sem saber bem ao certo o porquê – um angulo diferente de um monumento, uma pessoa ou animal que me emocionem de alguma maneira. Ou que me lembrem de pessoas queridas – a foto de um doce ou prato que alguém gosta, tirada para essa pessoa.
O celular passa a ser o principal meio, pois ele está sempre presente ( a gente não desce para comprar uma garrafa de água com maquina fotográfica mas desce com celular, e uma cena não escolhe momento…). Mas também complica muito, pois não sei mexer bem com ele (que já acumula tantas funções…)
Uma vez, no início dos anos 80, depois de uma viagem de Kombi, por todo litoral brasileiro (isso mesmo, mais de 8 mil km), um casal convidou um monte de amigos para uma sessão de slides (sala escura e aqueles positivos que iam passando um a um). A cada slide, uma história. E quanto mais interessante a história, mais valor eu dava à foto. No fim, parecia que eu estava dentro daquela Kombi.
Hoje, faço as fotos, claro, para me ajudar na memória, mas muito para ilustrar a pergunta que a gente houve, na volta: “como foi a viagem?”
Olá Ismael, tudo bem?…. muito interessante sua pergunta,e uma boa pergunta. Pra dizer a verdade adoro fotos. Não sei manusear bem a máquina fotográfica mas o celular nos facilitou esse trabalho. Fotos são lembranças dos momentos felizes, das viagens dos sonhos, dos amigos encontrados… e por ai vai.
Cheguei recentemente de uma viagem por Paris, Espanha e Portugal, não canso de olhar no cp todos aqueles momentos em lugares diferentes, e cada um com sua história. Me delicio com esse blog incrivel que nos faz sonhar! Parabéns pelo texto.
Não sou jormalista, nem de comunicação e respondendo sua pergunta, eu sempre tirei foto pra lembrar o momento…entao, tenho várias selfies de tio, ou fotos engraçadas das pessoas e fotos minhas nas paisagens e lendo o seu texto, estava pensando muito nisso. Até que no final, quando vc fala que sente nao sabe o que te inspira pra tirar essas fotos que eu gosto de zuar e chamar de “conceituais”…hahaha….lembrei que desde que fiz um mochilão de 2 meses e meio sozinha e muitas vezes não tinha ngm pra tirar foto pra mim e eu já estava cansada das selfies de tia…quando eu ficava sozinha num lugar ou algo era simplesmente incrivel…eu comecei a tirar tbm as tais “fotos conceituais”; bem amadoras, claro…mas de qualquer forma continuei com a ideia de tirar fotos pra “posteridade”, como falo sempre…e quando as vejo hoje, me fazem lembrar o que eu sentia no momento. enfim…adorei seu texto e seja muito bem vindo ao 360…sou leitora desde de sempre e achei vc fez bem a ideia do blog! =D
Que bom que o texto te motivou a pensar nessas coisas, Camila! Onde eu consigo ver essas fotos conceituais? Hehe
Eu adoro prosear, e a ideia é tentar fazer isso aqui no 360! E que bom que você acha que fez sentido eu começar a escrever por aqui. Espero fazer jus a esse espaço incrível que Naty, Lu e Rafa criaram
Sabe o que mais gosto das suas fotos, de viagem ou não? As pessoas. Acho que é o que você disse: cada foto conta uma história. E você tem uma forma única de contar histórias usando a câmera.
Seja bem-vindo ao 360, agora como colunista. 🙂
ô, Rafa. Valeu pelo convite e pelo apoio de sempre, viu?
Se eu comecei a ter mais coragem de me aventurar pela fotografia foi por conta do suporte de vocês, amigos, que me viam para além do jornalismo.
Para mim, a melhor coisa da fotografia é relembrar os momentos. Por mais que a fotografia retrate apenas aquele milésimo de segundo, existe toda uma história por trás e olhar cada foto me faz lembrar o momento como um todo. Os aromas, os sons, os sentimentos…
Verdade, Daniele. Sei que é uma pergunta difícil, mas tem alguma foto preferida de suas viagens?
Desculpa a demora na resposta, não tinha visto que tu respondeu aqui.
Nossa… pergunta muito difícil MESMO! hahaha. Tenho muitas fotos preferidas, principalmente da viagem à Europa, mas tem uma de Londres que é incrível, certamente uma das preferidas. Vou te marcar lá no meu insta pra tu ver 😉
Oi, Ismael. Tudo bem? Sou estudante de jornalismo e leitora fiel do 360, curti muito teu post e adorei a forma como vai abordar os próximos 🙂
Descobri que sempre gostei de fotografia documental mas só aprendi que davam definição pra “coisa” na faculdade, em fotojornalismo. Acho que foto em viagem serve pra construir e narrar tudo aquilo q vc vai fazendo, os lugares por onde se perde, as pessoas que conhece, as ruas por onde você passa todo dia. E o mais legal é colocar tudo num álbum e depois qnd vc olha p esse álbum no futuro, a nostalgia é muito maior porque você fotografou bar, rua, pássaro, táxi, o dia a dia, a muvuca, as pessoas, os olhares…
Fico até aliviada em saber que você voltou de paris sem fotos na torre eiffel, porque eu sempre me senti estranha por ter apenas 1 foto na torre e 50 fotos dos pombos aos arredores haha.
Abraço!!!!
Que legal ler esse seu “os lugares por onde se perde” comentário, Arielle! Me perder ou desviar o caminho de propósito talvez sejam as coisas que mais gosto de fazer ao viajar 🙂
Cara, fiquei arrepiado lendo suas palavras. Viagem e fotografia são, de fato, aspectos especiais demais da nossa vida. Suas fotos estão ótimas!
Obrigado, Altier! Fico feliz que gostou do meu trabalho e se identifica com o sentimento.
A fotografia é uma maneira muito especial de dialogar com o mundo
No caso de fotografias de viagem serve para relembrar um momento, uma situação inusitada, uma experiência. Não tem como você ver uma fotografia e não lembrar de todo o momento que antecedeu e que veio depois daquele “click”. É um jeito de guardar todas essas emoções numa única imagem.
E você tem o hábito de olhar seus cliques depois que volta, Ricardo? No digital mesmo ou imprime algumas?
Sim Ismael. Por diversas vezes eu tenho o costume de olhá-las. Mas hoje em dia imprimir são poucas. No geral costumo imprimir algumas e colocar num quadro de cortiça que possuo em casa para ficar olhando toda vez que passo por ele 🙂
Difícil dar apenas uma utilidade para a fotografia não?
*Congelar um momento de sossego ou desassossego..
*Eternizar um sentimento uma pessoa
*Uma ação sinestésica que “retrata” um estado de espírito, por isto muitas vezes ela é tão inexplicável
E por ai vai.
Gosto muito de fotografia também e já li alguns artigos seus no PDH, e como você disse tenho fotos tiradas com celulares XingLing que são minhas preferidas e alguns meses atrás comecei me aventurar com uma Reflex iniciante.
Parabéns pelo texto, segue o baile no assunto.
Sem dúvida! Eu mesmo não consigo resumir em uma coisa apenas, só sinto que, às vezes, é a melhor maneira de colocar as coisas no mundo.
Que massa saber que já leu alguma coisa por lá, William. Obrigado pela força, seguiremos esse baile juntos.