Eu esperava a carne, o queijo cheddar, o bacon e o picles, mas me surpreendi com o pão. Ou melhor, com a cor dele, que era de um vermelho tipo corante. Enquanto eu ainda tentava entender quem tinha colorido meu hambúrguer, um sanduíche verde, quase um abacate radioativo, chegou à mesa ao lado. E a resposta não tardou a aparecer. Bastou que eu percebesse o sucesso que os sanduíches coloridos faziam, antes mesmo de serem provados, atraindo uma legião de paparazzi dispostos a capturar o melhor ângulo de cada prato.
Não foi a única vez em que uma rede social mudou coisas simples da minha vida, mas certamente foi a primeira em que notei que o Instagram chegou ao ponto de colorir a minha comida. O aplicativo de compartilhamento de fotos e vídeos, lançado em 2010, é um dos mais importantes da internet – quase 100 milhões de fotos são compartilhadas nessa rede social todos os dias.
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Números que alteraram a forma como viajamos. Hoje, fazer as malas e cair na estrada pode começar a partir de uma foto ou de um stories que você viu na rede social – eu mesmo tenho minha listinha de destinos dos sonhos, quase toda ela ocupada por lugares que conheci por meio de fotos que vi no Instagram.
E, antes que me acusem de atirar a primeira pedra, já cansei de sacar meu celular para tirar fotografias de lugares, comidas e momentos, que logo em seguida iam parar na rede social. Posso até reclamar, mas no final das contas eu também sou membro dessa geração que faz questão de compartilhar tudo.
Mas o Instagram também modificou nossa alimentação: onde comemos, o que comemos e como fazemos isso. De acordo com uma pesquisa realizada pelo grupo de restaurantes Zizzi e publicada pelo site Independent, membros da geração Y, que hoje tem entre 18 e 35 anos, passam o equivalente a cinco dias inteiros por ano buscando imagens de comida no Instagram – e 30% deles deixariam de ir num restaurante se não achassem muitas referências do estabelecimento na rede social.
As pessoas interagem 10 vezes mais com publicações no Instagram do que no Facebook, diz essa matéria da National Geografic, o que fez o app de compartilhamento de fotos virar o foco de ações de marketing, modificou a forma como viajamos e alterou completamente o conceito de restaurantes e bares ao redor do mundo.
Começando pelo tempo que gastamos num restaurante, como contou o NY Daily News, num artigo de 2014. Nele, um restaurante (não identificado) de Nova York abriu a caixa preta do serviço. Embora o número de consumidores atendidos no estabelecimento tenha permanecido praticamente igual de 2004 para 2014, o tempo médio de permanência foi de 1h05 para 1h55.
A principal alteração foi no comportamento dos clientes: em 2004 ninguém tirava fotos da comida; em 2014 mais da metade dos clientes gastava pelo menos três minutos fazendo isso. Se há uma década ninguém pedia para o garçom tirar uma foto do grupo, na era dos smartphones isso foi feito por 27 de cada 45 consumidores.
Se por um lado os millennials não vivem sem redes sociais, por outro nós já somos a maior geração da história. E também a que mais gasta comendo fora – nos Estados Unidos, um membro da geração Y gasta 10% a mais com comida do que gastavam seus pais, no mesmo momento de vida.
O resultado dessa equação pode ser visto em restaurantes e bares que investem pesado em deixar o ambiente o mais instagrameável possível – isso vai de um graffiti na parede à parte da frente de uma kombi decorando o bar, como ocorreu com um estabelecimento novo que fica perto da minha casa. Deu resultado: se você buscar por momentos instagrameados na avenida onde fica esse bar (e muitos outros), a kombi azul é o local favorito da maioria dos consumidores.
Tem estabelecimento que vai além, a ponto de planejar a iluminação do local de forma a facilitar a fotografia do prato. Não é brincadeira, a luz do ambiente é pensada para tornar a foto da comida a melhor possível. Se a mudança no design dos restaurantes é a consequência mais óbvia, o passo seguinte é a alteração na própria comida.
O The Guardian, numa longa matéria sobre como o Instagram mudou a forma que comemos, mostra que colocar corante no pão do hambúrguer é tendência. “Um em cada cinco britânicos compartilharam uma foto de comida no último mês. Não é de admirar que os pratos que comemos estejam ficando mais brilhantes e fotogênicos”.
O hambúrguer vermelhão que eu comi estava gostoso. Passei mal no dia seguinte, mas não tenho evidências de que a causa esteja no corante usado no pão – embora suspeite disso, claro. Poderia ser pior. Há uns meses, fui num restaurante famosinho na rede social – pet friendly, paredes decoradas com frases bonitinhas e um toldo criado com dezenas de guarda-chuvas coloridos. Lindo, o tipo de lugar que gera dezenas de fotos numa só visita.
Instagramável até dizer chega, a consequência foi que os preços no cardápio acompanharam as mudanças. Ainda seria válido – eu entendo a lógica de pagar mais para não só comer bem, mas estar num lugar legal. O problema é que a comida, a razão inicial para você ir até lá, era ruim. Custo/benefício péssimo, suco de caixinha vendido como se fosse natural, dinheiro que seria mais bem gasto em qualquer lanchonete da esquina, mas fotos que não acabam mais na rede social.
O ambiente descolado garante o momento Instagram do restaurante, que pode ser uma bosta – não faz diferença. Nunca mais voltei no estabelecimento, não compartilhei fotos e fiz minha parte para não levar mais gente desavisada para lá. Essa é, no fim das contas, a única forma de impedir que lugares ruins se destaquem.
Mas o assustador é que muita gente não se importa se a comida é ruim ou se os preços são incompatíveis com o produto – se o lugar rende boas fotos e o prato é fotogênico, então está tudo bem.
Esses dias, num bar de Belo Horizonte, ouvi a história de uma pessoa que saiu para beber com amigos, num restaurante onde a comida é reconhecidamente boa, mas passou horas insistindo que o grupo migrasse para outro, em que a comida é mais cara e ruim. Ao receber esse argumento, o rapaz explicou: “é que aqui eu não consigo fazer fotos boas. Lá meu Instagram vai encher de curtidas”.
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Olá Rafael,
Amei o seu post sobre comida não instagramável, curioso que as pessoas vejam antes de mais nada o que mostrar aos outros do que ter prazer no que vai fazer ou consumir. O maior prazer não reside no que se vai observar, ver e extrair daí a sua fruiçã mas sim nos likes que obterá … é muito pobre e vazio acho… ao final de contas o que visitaram ou consumiram, se calhar lá no fundo nem prestaram atenção e aí fica tudo muito superficial… pena!
Falou tudo, Maria.
Abraço e obrigado pelo comentário!
olá rafael. ótimo post, parabéns. vivemos em mundo de artificialidades onde o que vale é que fica bem na foto. já vi gente levando mais tempo para tirar uma foto do que comendo. isso quem lucra é o estabelecimento porque cobra bem caro, mas isso só deve mudar se as pessoas mudarem, acho que vai demorar um pouquinho…abs
Não vejo isso mudando tão cedo, Renata. 🙂
Abraço.
Acho que levaram longe demais o conceito de “primeiro comer com os olhos”. ?
Exato, Bia! hahaha
Vivemos numa época de aparências. Observo as pessoas nesses lugares decorados e vejo que tudo (na maioria), é fingimento, forçado…aquele sorriso lindo para posar pra foto que se desfaz no momento que o flash desaparece, aquele desespero para registrar a comidinha e mostrar que é cool. Nada contra, eu já fiz muito…como você disse, quem nunca? Mas o texto nos faz refletir sobre esse nosso comportamento. Escreva (m) mais sobre essa temática! 🙂 um abraço.
Obrigado pelo comentário, Carla.
Abraço.
Muito legal o post,me fez refletir as mudanças!
Que bom que gostou, Fabiane.
Abraço.