A primeira lembrança que tenho de uma Copa do Mundo data de 1994.
Eu tinha 7 anos. Me recordo do gol de biquinho do Romário, do Bebeto balançando um bebê imaginário na comemoração e do pênalti para fora do Roberto Baggio, é claro, mas o que me lembro mesmo é das coisas que cercavam as partidas na televisão.
Minha família alugou uma casa na praia, e parentes e amigos de tudo quanto é canto se aboletaram por lá. A cada partida, era uma festa. Comida aos montes, primos disparando fogos de artifício e, no segundo seguinte ao chute que nos deu o tetracampeonato, eu e meu pai saímos correndo desembestados e pulamos na piscina com roupa e tudo.
Eu adoro futebol. Mas amo ainda mais as energias que ele é capaz de mobilizar.
Justamente por isso, me meti em duas empreitadas curiosas durante as últimas edições da Copa do Mundo.
Em 2010, jornalista recém-formado, morando em São Paulo sem emprego e doidinho pra fazer qualquer-coisa-relacionada-a-futebol, fiz uma entrevista para um frila na Placar (maior revista de esportes do Brasil). A ideia era ficar na redação cobrindo a Copa, mas acabou se transformando em algo bem mais inesperado.
Os editores da revista precisavam selecionar um participante para “Chase The Makarapa”, primeiro reality show da história a ter uma Copa do Mundo como pano de fundo. As duas pessoas já convidadas por eles desistiram, e me perguntaram se eu teria problema com competir em eventuais provas ou pagar uns micos na TV. Só pensei: “para ver uma Copa de perto? De jeito nenhum! Assino onde?”.
Ao todo, foram 32 dias rodando pela África do Sul. Conheci Joanesburgo, Pretória, Durban, Jeffrey’s Bay, Cidade do Cabo, a região Xhosa em que Nelson Mandela cresceu e muito mais. Cumpri tarefas como dançar, surfar, nadar em um aquário com (pequenos) tubarões, pular de bungee jump e, em troca, tive a chance de conhecer Desmond Tutu, ganhador do Nobel da Paz, ver de perto a relação do país com o apartheid e assistir a sete partidas, incluindo os jogos de abertura e final.
Foi incrível, lógico. Mas mantenho o que disse na matéria sobre o reality, que escrevi ao voltar. Descobri que Copa do Mundo é coisa que você não consegue assistir pela TV. É preciso sentir.
Quando uma Copa do Mundo acontece, não são apenas os 32 times que entram em campo. As atmosferas são muitas, e existem muito além de quem tem ingresso na mão. Enquanto um país inteiro se faz de anfitrião, milhares de pessoas com origens, idiomas e vestimentas diferentes caminham e sonham juntas.
Há gente que participa pintando as ruas, estendendo bandeiras, recebendo os amigos, fazendo festa ou protestando contra gastos ou políticas absurdas. Entender como todas essas histórias coexistem e se desenrolam – às vezes dentro de uma só pessoa –, é o que, para mim, o maior evento esportivo do planeta tem de melhor a oferecer.
Veja também: Quando você está viajando, para que serve a fotografia?
O programa Chase the Makarapa foi premiado como Programa do Ano no SAB Awards
Com a Copa de 2014 programada para o Brasil, não saía da minha cabeça a vontade de repetir aquela experiência.
Em parceria com a equipe do PapodeHomem, criei um projeto e me joguei na estrada. Sozinho, comecei com um voo para Manaus, depois peguei um carro em Campo Grande e rodei mais de 7.500 quilômetros de carro até chegar aos bastidores da final, no Rio de Janeiro.
A cada estado ou cidade em que parava, o objetivo era sempre o mesmo: registrar o torneio de um jeito diferente, a partir da ótica das histórias, sentimentos e pessoas que o cercavam.
Escrevi 25 artigos para a coleção PapodeCopa, que abordaram de paixão pelo futebol ao turismo sexual. Ou se alguém que perdeu uma casa para um estádio ainda tem vontade de assistir aos jogos.
Foi uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida.
E, além das memórias, tenho fotos que não me deixam esquecer o que presenciei ao percorrer o nosso País.
Roque, do sertão do Piauí, não liga para futebol. Mas gastou todas as economias para fazer um campo no meio da aridez
Depois de perder a casa em um deslizamento de terra, Francisco, de Natal, prometeu não assistir mais aos jogos da Copa
Do lado de fora da estação Cosme e Damião, em Recife, moradores estavam desesperados para ganhar os copos ilustrados da Copa. Um retrato da exclusão no Brasil e no torneio.
Fotos múltiplas. Trecho de estrada, criança recolhendo recicláveis depois da festa dos torcedores e meninas tapando buracos em troca de trocados em estrada do Ceará.
O refugiado haitiano Joseph Hosner e sua camisa do Neymar
A incrível festa da rua 3, em Manaus, que ganhou concurso de a rua mais enfeitada do Brasil.
Com o evento da Rússia batendo à porta, a vontade é arrumar as malas de uma vez e bater perna por lá até conhecer, de perto, as histórias que marcam um dos países mais malucos do planeta.
Copa do Mundo, para mim, é um pretexto para ver, ouvir, aprender. Conversar sobre futebol, claro, mas ainda mais sobre pessoas.
E para vocês, leitores, que Copas do Mundo foram marcantes e por quê? Estou curioso para seguirmos com o papo nos comentários.
Inscreva-se na nossa newsletter
fazia tempo que não lia uma pagina tão agradável e leve. Valeu.
A Copa do Catar ou Qatar, vem aí.
Vamos.
Cara, que textão! Eu particularmente não curto muito futebol, mas copa é diferente. A primeira copa de que tenho lembrança é a de 94 também. Só lembro da comemoração da vitória e que eu tinha o chaveiro do mascote daquela edição. A que mais me marcou acho que foi a de 98, não por resultados, mas porque, já maior, pela primeira vez eu escutava os nomes de vários países juntos, várias camisas diferentes, bandeiras, idiomas e via reportagens na TV sobre a cultura dos países que participaram. Principalmente sobre o país-sede ou sobre as seleções que jogariam contra a nossa. Foi aí que comecei a me interessar por mapas, capitais, culturas diferentes e, indiretamente, por viagens que eu colocaria em prática anos depois.
Como você disse, com certeza as Copas são ótimas pra conhecer países. Espero um dia acompanhar uma Copa do Mundo e fazer algo do tipo que você fez.
Em 2014, quando estava fazendo uma viagem pelo Rio e Minas, conheci no Rio um francês hospedado no mesmo lugar que eu pelo Couchsurfing que estava com um projeto parecido com o seu. Ele passou pelas 12 cidades-sede e fez mini documentários em ada uma abordando vários temas, do impacto das obras à cultura regional. Muito interessante. Deixo o link abaixo (espero que tenha legenda em outros idiomas): https://www.vincent-tiphine.com/exp%C3%A9ditions-et-voyages/au-coeur-du-br%C3%A9sil/
Valeu pelo depoimento e tomara que você consiga acompanhar uma Copa sim, Juliano!Já estou com saudades da experiência só de ler e responder esse seu comentário.
Agradeço também pela indicação do trabalho! Vou assistir com cuidado