Fecha a mala, chama o Uber e vai pro aeroporto – o trânsito, quase sempre de horário de pico, não ajuda. Passa com pressa pela área de embarque e encontra a impaciência nos aparelhos de raio-x: é muita demora, reclama. Tira, em segundos, o notebook da mochila. E se prepara para correr por alguns minutos.
Segue para o portão de embarque, que é sempre o mesmo, o 20. O voo também raramente varia. Viver na ponte área, entre duas cidades, duas casas, entre duas vidas, tem suas peculiaridades. Malas que nunca são desfeitas ou completamente refeitas; restaurantes e bares favoritas lá e cá; dois endereços – e, por que não, até dois sotaques um pouco diferentes. Basta chegar em São Paulo que o mineirês se atenua; só é preciso voltar para Belo Horizonte e todos os ons voltam para as ruas.
Tudo em dobro: dois supermercados, duas rotinas, duas vezes mais plantas e muita comida congelada – é melhor do que deixar estragar. Frequentemente divide o avião com gente que vai ou volta do escritório, trava a guerra dos cotovelos com passageiros que vestem roupas sociais e que despacham entre a decolagem e a aterrissagem. Também está ansioso para chegar, mas o ambiente executivo contrasta com sua bermuda e despreocupação com o expediente, que já deixou para trás. É que compartilha a ponte aérea, não a causa dela: enquanto tantos fazem isso por conta do trabalho, suas viagens quinzenais são para a janta de sexta-feira.
E para os finais de semana de ócio, a cerveja de um sábado à tarde, o passeio no parque e a série despretensiosa de uma manhã de domingo. Para o cinema, a conversa, os beijos e carinhos. Para caminhadas pela Paulista, tomar café na varanda e passeios pelo bairro que aprendeu que também é seu, mesmo que só a cada 15 dias. Acumula milhas aéreas para que consigam dormir abraçados na rede da varanda; matam as saudades a cada viagem para que ela surja, ainda maior, alguns dias depois.
Só diz que relacionamento à distância não funciona quem nunca viveu um – o que não quer dizer que seja fácil fazê-lo funcionar. A logística é o desafio mais óbvio, seguida de perto pelo desespero do bolso. “Prepare-se para o relacionamento mais caro de nossas vidas”, ela disse. Estava certa, como sempre. E valeu cada centavo.
Desafiadores mesmo são os dias comuns. Nada de colo depois do trabalho, nada de cerveja numa noite de terça. Nem pensar em me encontra na saída do metrô e vamos ao supermercado. A ausência é quase sempre garantida em eventos sociais de meio de semana. Quando não estão juntos, estão separados não por bairros, casas, agendas, mas por 600 quilômetros. Não há um encontro sequer que dispense planejamento, pesquisas, contas, organização. E com meses de antecedência. Driblam a distância com a tecnologia. É Skype para conversar, é telefone que não acaba mais. É contagem regressiva para o play em conjunto na série favorita. Espera, acho que você está alguns segundos na minha frente, reclama.
Não que encontros repentinos sejam impossíveis: são muitas as passagens de avião compradas no dia do voo, graças a promoções muito esperadas. E ao menos a distância só parece infinita – sem um oceano ou vários estados no meio do caminho, sempre é possível ir de ônibus. E assim fazem várias vezes, nove horas pra cá, nove horas pra lá. Curvas, buzinas, luzes na madrugada, trânsito e o frio do ar-condicionado. Ir de ônibus significa economizar quando os voos tornam a saudade impagável, mas tem o custo de perderem duas noites juntos. E isso sim é caro demais.
Se a constante presença da ausência é a marca dos dias que passam afastados, a intensidade dá o tom no relacionamento. Tudo é mais forte: os beijos e as discussões, os almoços e as conversas, as certezas e as inseguranças. Dormem agarrados porque sabem que durante a semana a cama vai ficar vazia. E fria. O tempo que passam juntos só não é o fim da saudade porque a saudade logo aprende a viver da própria antecipação.
A porta do apartamento é sempre a testemunha dos momentos mais tristes e mais felizes. Ela se abre para receber os primeiros beijos, após dias separados; se fecha nas despedidas, sempre demoradas. Não me esquece, pedem um ao outro. Impossível. Me avisa quando chegar no aeroporto, diz ela, que recebe a primeira mensagem assim que ele sai do elevador.
Ainda bem que ela vai na semana que vem.
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Mas gente, que fofura <3
Quatro anos de fofuras <3 🙂
Que texto maravilhoso, Rafa
Obrigado, Otávio. 🙂
Bem conheço essa vida… mas por terra seriam mais de 12h de viagem: A distância entre São Paulo e Porto Alegre é um pouquinho maior que São Paulo e BH.
E é bem isso… aiai.
Brigada pelo texto, Rafa! Ele é seu mas identifica muito o que passo aqui. 🙂
Que bom que gostou, Denise! 🙂
Abraço e obrigado pelo comentário.
Amo a sensibilidade dos seus textos, fique com o coração apertadinho agora por vocês. Que existam sempre muitas promoções de passagens . s2
Obrigado, Karina. 🙂
Mas o texto representa o passado: depois de dois anos e meio à distância, desde o ano passado moramos juntos.
Mas ainda aceito as promoções de passagens, só que agora pra irmos pra outros cantos, haha.
Abraço.