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Conhecer outras terras é se perder – literalmente

Um dos grandes clichês de viagem diz que ninguém conhece outras terras para se encontrar, mas para se perder. O problema é quando isso tem sentido literal, ou seja, toda vez que eu viajo.

No ano passado, na Itália, eu, minha namorada e meu sogro alcançamos aquela proeza típica de estacionamentos de shopping, mas que às vezes dá as caras também em outros ambientes: paramos o carro do lado de fora de Montalcino, uma cidade de cinco mil habitantes no sul da Toscana. Passeamos por cerca de duas horas, tomamos sorvetes e, cidade vista, resolvemos pegar o carro e retornar para Florença. Mas quem disse que sabíamos onde o veículo estava parado?

Foi mais de uma hora gasta com caminhadas, várias perguntas a moradores e mais caminhadas, período em que circulamos pela cidade inteira, de ponta a ponta. Quando nossa fama já começava a dar o que falar “olha ali, mamãe! Os brasileiros que perderam o carro estão passando aqui de novo!”, encontramos o veículo.

O erro cometido foi um dos mais básicos quando o assunto é não se perder: não tínhamos o nome do estacionamento, não decoramos nenhum ponto de referência significativo (só uma escadaria e um muro) e, pior, não lembramos de marcar a localização do estacionamento no Google Maps. Enfim, o tipo de história que já apareceu aqui outras vezes, seja comigo, em Mumbai, seja com a Luíza, que está eternamente perdida, mas se recusa a pedir informação.

Enquanto percorríamos Montalcino e víamos o sol se pôr e as temperaturas caírem, me lembrei de outra ocasião em que fiquei sem saber o rumo de casa, mesmo tendo tido o cuidado de decorar (parte) do endereço do hotel e até alguns pontos de referência. Foi em Puebla, no México, em 2017.

Toscana, Itália

Toscana

Saímos do local onde estávamos hospedados, memorizamos o nome da rua, a Poniente, e de um restaurante próximo, o Fonda de Santa Clara. Some isso a um celular carregado e com internet: era impossível ficar perdido.

Mas, parafraseando o ditado, se a gente começa fazendo o necessário, logo parte para o possível e termina o cheklist com o impossível. A primeira etapa, rapidamente ticada da lista, foi vencida quando o celular descarregou, no fim do dia. Sem Google Maps, o jeito foi perguntar.

A constatação de que estávamos perdidos só veio quando recebemos a terceira indicação de caminho – três direções completamente diferentes. E um outdoor revelou parte do problema: o Fonda de Santa Clara não era um restaurantezinho qualquer, mas um famoso, com cinco unidades em Puebla. Por isso, cada pessoa a quem perguntamos indicou o caminho para um dos estabelecimentos.

Não bastasse esse, digamos, probleminha, mais tarde descobrimos que as ruas de Puebla não têm nomes, mas números, e que seguem a lógica dos pontos cardeais. Ou seja, todas as ruas que estão na direção do poniente, o ponto cardeal oeste, eram chamadas assim, variando na numeração: existe a Avenida Poniente 2, a Avenida Poniente 3, a Avenida Poniente 23… são dezenas de Avenidas Poniente, sendo que as de numeração ímpar estão de um lado e as pares do outro da cidade.

Tem lógica, eu sei, só não a nossa. Eventualmente acabamos chegando ao hotel – apesar de ser absolutamente péssimo com endereços, até que eu tenho um senso de direção razoavelmente bom. O aprendizado é que não basta decorar o endereço e alguns pontos de referência. É preciso se certificar de que essas coordenadas te levam a apenas um lugar, o certo.

Puebla, Viagem

Puebla, México

Lição que eu obviamente não aprendi, como mostra a experiência na Toscana, dois anos depois. Mais tarde, conversando com meu avô, entendi o por quê. E aceitei que não há nada que eu possa fazer para melhorar.

Ele me contou que, durante uma passagem por Bruxelas, nos anos 1970, saiu do hotel e decorou um nome que aparecia numa placa em frente ao estabelecimento. Eram duas palavrinhas hoje comuns até em português, mas que há cinquenta anos a globalização ainda não tinha trazido ao Brasil: Stella Artois.

Foi só ao tentar retornar ao hotel, pedindo orientação de onde estaria a tal Stella Artois, que ele descobriu que se tratava não apenas de uma propaganda de cerveja, mas da mais onipresente delas.

Não tem jeito, é genético. A fruta nunca cai muito longe do pé justamente para não correr o risco de se perder na volta pra casa.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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6 comentários sobre o texto “Conhecer outras terras é se perder – literalmente

  1. muito bom, otima descrição de perrengue muito comum para nós viajantes. Mas é isso ou tambem isso que da sabor a nossas aventuras . só que a otima descrição de suas aventuras ou desventuras me encheu de satisfação Grato, Abraços.

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