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Como foi voar da Europa para o Brasil durante a pandemia

“Queria estar com a minha família agora, vivendo este momento”, disse-me Giuseppe na mesa de café da manhã no Porto, Portugal, três semanas atrás. Giuseppe é italiano e divide casa comigo. Alguns dias antes, ele havia desistido de passar o aniversário com a mãe, porque seu voo de volta era pelo aeroporto de Bérgamo, perto de Milão. A precaução, naquele momento, me pareceu levemente exagerada. Dois dias depois, com a Itália se fechando completamente, da noite pro dia, minha percepção mudou.

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Mas, ainda assim, quando ouvi Giuseppe dizer que queria estar com a família, só consegui pensar que era melhor ele estar seguro em Portugal. Não conseguia ainda ter a dimensão de que em breve estaríamos todos nós no mesmo estado de quarentena. Ainda estava presa às memórias do carnaval, de viajar como se nada estivesse acontecendo, de brincar com uma conhecida que voltou de Milão, passear pelo Douro e acreditar que a situação não era tão grave assim.

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Turistando na minha cidade durante o carnaval

Tanto que uma semana depois eu embarquei para Marselha, na França, de onde sairia meu voo para o Brasil. Quando eu programei minha ida ao país, sequer imaginava que pegaria um dos últimos voos possíveis. Só comprei uma passagem na promoção e fiquei feliz que conheceria uma cidade nova. Quando finalmente embarquei no voo de ida para o Brasil, o voo de volta para Europa já havia sido cancelado.

O medo veio em ondas. Às vésperas da viagem, tomei a precaução de trocar meu quarto num hostel por um quarto num aparthotel. Após a chegada na cidade, numa quinta-feira, saí para comer com colegas que conheci em outra viagem e vi Marselha aberta e funcionando normalmente enquanto o presidente fazia um pronunciamento apaziguador na TV.

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As tentativas mornas de isolamento francês não duraram nem 24 horas

No dia seguinte, decidi ficar trancada no hotel. Um ministro francês anunciou que museus e outros lugares fechados não deveriam mais abrir. No sábado, pensei que dar uma volta por espaços abertos não seria tão ruim assim, vi aglomerações de franceses em terraços e na beira da praia, almoçando e festejando a chegada da primavera como se nada estivesse acontecendo.

Naquela mesma noite, de volta ao hotel, descobri que o governo mandou avisar: a partir de meia-noite, bares e restaurantes fechariam as portas. Enquanto isso, centenas de jovens franceses corriam para aproveitar as últimas horas de bebedeira.

Incerta do que aconteceria no dia seguinte, segui para o aeroporto, assistindo a uma cidade deserta da janela aberta do carro. Encontrei um aeroporto vazio e seguindo as mesmas regras da rua: restaurantes fechados, cadeiras empilhadas, faixas de contenção. A cada minuto que meu voo atrasava, aumentava o medo de que eu ficaria presa ali. A quarentena na França era iminente – de fato, no dia seguinte o país inteiro fechou. E para sair na rua desde então, só com justificativa impressa.

Felizmente, meu voo partiu. Cheguei em Lisboa, passei por uma fila de imigração estranhamente vazia, mas encontrei um portão de embarque lotado de gente. Meu voo, ouvi alguém brincar, era composto metade por pessoas que haviam comprado a mesma promoção que eu e a outra metade por pessoas que compraram passagem de última hora para conseguir voltar para o Brasil.

O casal do meu lado vivia essa situação. Estavam na Espanha, outro país que se fechou da noite para o dia. Eles alugaram um carro em Madrid, dirigiram até Portugal e compraram o primeiro voo que viram pela frente – depois iam tentar o reembolso da passagem de volta original.

Cheguei no Brasil em meados de março. O país que parecia ainda estar alguns dias atrás do que eu acabara de viver. Foi uma espécie de viagem do tempo versão pandemia. Aeroporto, lojas, bares e restaurantes em funcionamento normal. Pouco a pouco, as coisas foram fechando tal como na Europa. E eu vi as mesmas reações das pessoas: de negar os fatos até se chocar com a realidade.

vista da janela quarentena corona

Depois da chegada no Brasil, a minha vista do isolamento

A verdade é que eu entendo mais do que nunca a frase do italiano sobre querer estar com os seus. Nesse momento estou em quarentena no sul do país, com a família do meu namorado. Felizmente, completei hoje os 14 dias de isolamento, sem ter nenhum sintoma.

Todos os voos que tínhamos programado para essa temporada no Brasil foram cancelados. Tive que decidir, em uma noite, se pegava o último voo possível para BH, do aeroporto de uma cidade pequena que ia fechar, mas acabei decidindo ficar. O medo de ir e a necessidade de isolamento falaram mais alto.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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