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Atlas: Brasil, Índia

Happee: moda vinda das mãos de artesãos indianos para o Brasil

Somos apaixonados pela Índia. Tão apaixonados que abrimos uma marca inspirada no país”. Essa é a frase com que a Letícia Sales define a relação dela e do sócio, Peeyush Rastogi, com o país e com a Happee, uma marca de impacto socioambiental inspirada na Índia, viagens e muita positividade!

Letícia é formada em Moda pela Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo e pós-graduada em negócios internacionais. Ela foi parar na Índia há 7 anos, através de um programa de intercâmbio da AIESEC. “Trabalhei em algumas empresas brasileiras antes de vir pra Índia, até que resolvi realizar o sonho de morar no exterior. Minha intenção não era vir para a Índia, mas a maioria das vagas da AIESEC em moda eram aqui, então acabou acontecendo naturalmente”. Ela também fez um intercâmbio de moda na Itália.

Peeyush apareceu na vida dela durante o intercâmbio. Ele era o vice-presidente no escritório da AIESEC de Jaipur, e era responsável justamente pelo departamento que traz intercambistas de fora para trabalharem nas empresas locais. “Nos conhecemos e, com o passar do tempo, vimos que ambos tínhamos o desejo de criar um negócio com impacto, que não fosse apenas uma empresa que visa o lucro, que segue o padrão tradicional de funcionamento”.

happee leticia e socio na india

Letícia diz que na experiência trabalhando lá, percebeu que a moda é uma indústria muito injusta e desigual no mundo inteiro. Antes da Índia, ela já havia trabalhado no Brasil e na Itália, e percebeu que há um padrão global na indústria de exploração de mão de obra, que vai desde marcas de fast fashion até marcas de luxo italianas. “Como continuar ‘vestindo a camisa’ em empresas como essas?”, pensou.

Ela já tinha experiência com moda e o Peeyush tinha experiência lidando com empresas locais de vestuário, então resolveram criar um negócio de impacto na indústria.

“Trabalhamos para proporcionar uma vida melhor a artesãos e pessoas em situação de vulnerabilidade, dando-lhes o carinho e o respeito que merecem, e uma chance de dar às suas famílias uma vida melhor”.

Eles começaram a levar alguns produtos para o Brasil, para ver do que as pessoas mais gostavam, e assim foram criando os primeiros produtos. Lançaram a Happee em julho de 2015 e, com o passar do tempo, revisaram as causas sociais que apoiam e os produtos que vendem. Hoje, eles trabalham com roupas femininas (e algumas camisas masculinas), sapatos, lenços e acessórios como nécessaires e carteiras. “Nossos produtos possuem estampas e bordados feitos à mão, através de técnicas ancestrais indianas”.

happee leticia e socio em frente ao monumento

Happee e o empreendedorismo social como forma de transformação

“Para nós, a Happee é um modo de resolver alguns problemas da indústria da moda através do nosso trabalho. No empreendedorismo social, nós acreditamos que fazer o bem é uma prioridade, assim como o lucro. Fazer o bem nos faz tão felizes quanto um mês com boas vendas, ou bons resultados que temos em qualquer departamento. O impacto social faz parte de tudo o que fazemos. Não é uma ação pontual feita por um departamento específico. Faz parte da empresa assim como o desenvolvimento de um produto, é um pensamento constante de como podemos impactar a vida das pessoas, melhorar o que já fazemos. Como podemos tornar um produto mais artesanal para darmos renda a mais artesãos, como podemos usar uma parte do lucro para reverter em ações na comunidade, como podemos fazer uma etiqueta em papel artesanal para empregarmos mais famílias”, conta Letícia.

Letícia conta que cada comunidade e artesão são muito diversos. Ela diz que os artesãos na Índia frequentemente moram nas zonas rurais, assim como a maior parte da população indiana. “Há dados não-oficiais que contabilizam 200 milhões de artesãos no país, tornando o trabalho artesanal o pilar da economia rural depois da agricultura. Raramente eles possuem computador, o acesso a matérias-primas é super restrito, e certamente eles não estão na internet. Então como achar e trabalhar com eles? Além disso, cada região da Índia é muito rica por um tipo específico de trabalho artesanal. É como as rendeiras no Nordeste do Brasil. Você não vai ao Rio Grande do Sul encomendar uma produção de toalhas rendadas, por exemplo”.

happee leticia e socio mulheres indianas

Para saber com o que trabalhar, eles escolhem os tipos de trabalhos que gostariam de fazer, descobrem em quais vilas eles são feitos e vão até o local. Em um dos casos, a vila ficava há mais de 20 horas de distância de trem, quase na fronteira com o Paquistão.

No processo de confecção, os produtos são desenhados por eles e eles não lançam mais do que duas ou três coleções por ano, para evitar desperdício de matérias-primas e consumo desnecessário. A equipe da Happee desenha ou escolhe as estampas, e produzem amostras das roupas nas estampas escolhidas. Após a aprovação da modelagem e protótipos, iniciam a produção.

“Nossas roupas são feitas por uma pequena oficina em Jaipur, com 10 funcionários, e os acessórios feitos por artesãos de diversas partes da Índia. O dono da oficina de costura é uma pessoa super honesta e abriu a oficina para proporcionar uma vida melhor à família, após passar 20 anos ganhando pouco na indústria. Após a produção ser concluída, uma parte do nosso estoque fica na Índia, para atender aos nossos clientes locais e internacionais. O restante, enviamos para o Brasil, onde estocamos e distribuímos a lojas e para os consumidores que compram pelo nosso site brasileiro. Às vezes, artesãos nos oferecem produtos ou estampas que eles criaram, e acabamos incorporando às coleções”.

artesão indiano estamparia

Processo de design: 0 resíduos

“Quando se trabalha com sustentabilidade em mente, esse processo é natural. Na Happee, quem deu a ideia foi o Peeyush, após fazer um curso sobre moda sustentável e estudar mais sobre o assunto. A sustentabilidade não é apenas usar tecidos e matérias-primas menos poluentes. Ela também requer que você leve em conta a vida útil do seu produto, os resíduos gerados na produção e as pessoas envolvidas. Afinal, de que adianta usar algodão orgânico, se a peça foi costurada com mão de obra infantil?”.

Letícia conta que as roupas geram muitos resíduos, pois há um enorme desperdício de tecido e que para isso, existem técnicas de modelagem que reduzem esse desperdício de maneira simples e, o que eventualmente sobra, eles usam para fazer papel artesanal ou guardam para reutilizar em outros produtos. Esse papel é usado nas TAGs da Happee e vem com sementes de manjericão. Dessa maneira, as TAGs podem ser plantadas ao invés de jogadas fora.

tag ecológica da happee

Responsabilidade social e a preocupação com as mulheres indianas: os absorventes ecológicos

“Aqui na Índia, 80% das mulheres não têm acesso a absorventes durante o período menstrual. Há mais de 300 milhões de mulheres em idade fértil na Índia. Imagina uma população do tamanho do Brasil com problemas todos os meses por causa da menstruação? Temos uma parceria com uma ONG de Jaipur chamada PraveenLata Sansthan. Eles desenvolveram um absorvente feito de tecido antibacteriano, lavável e reutilizável. Eles pesquisaram muito para esse desenvolvimento, possuem vários protótipos e laudos de durabilidade e propriedades antibacterianas. Para cada produto vendido na Happee, doamos um absorvente menstrual feito pela ONG a uma mulher que precisa”.

Nas doações, os absorventes são colocados em kits com 4 unidades cada, e proporcionam higiene menstrual a mulheres por 5 anos. Eles iniciaram essa parceria há menos de um ano, quando redesenharam a marca. Os absorventes são doados em vilas nas zonas rurais da Índia e, após algum tempo, representantes da ONG voltam lá e conferem o resultado. “As mulheres continuam, de fato, usando os absorventes mesmo um ano e meio após a doação. É muito gratificante fazer parte de um projeto tão lindo e feito por pessoas tão comprometidas e responsáveis”, conta uma orgulhosa Letícia.

mulheres indianas confecção

O coronavírus e o impacto na Happee e as ações sociais

“Acompanho de perto as notícias desde janeiro, e já imaginava que o coronavírus se espalharia mundo afora, pois ninguém estava levando a sério. Fiquei cautelosa com a nova coleção, e acabamos adiando o início da nova produção, que começaria em março. Aí começou o lockdown e parou o país todo. Nos primeiros dias, nem os funcionários de supermercados conseguiam chegar ao trabalho, então a oficina que trabalha com a gente foi naturalmente, afetada. Com o passar do tempo, eles conseguiram começar a produzir máscaras para hospitais”.

Na Índia, estão lockdown há 6 semanas, agora estendidas por mais duas. Certamente não vão sair de casa antes de junho, quando completar 2 meses e meio de lockdown. Lá, o confinamento geral tem sido bem rigoroso.

Letícia conta que até recentemente, não havia nada aberto além de mercados e farmácias. As coisas começaram a mudar e agora, em cidades onde não há novos casos, começou a haver uma flexibilização maior e gradual. Apenas em Jaipur, onde ela mora, há quase 500 bloqueios policiais nas ruas.

“Ninguém sai de casa, a população obedece e até a oposição concorda com o confinamento. Por ser um país muito populoso, com grande população pobre e com condições precárias de higiene, há um consenso de que é necessário que todos colaborem para que o contágio diminua. Quando há um caso em algum apartamento por exemplo, o governo bloqueia não apenas o apartamento, mas o prédio inteiro”.

Letícia contou que não imaginava que o governo fosse lidar tão bem com o problema, e de maneira tão ciente e organizada. “A capacidade de testagem foi ampliada, e agora é de 70 mil pessoas por dia no país. A flexibilização leva em conta uma divisão dos 733 distritos da Índia em cores. Os distritos de cor verde, onde não há nenhum caso há mais de 21 dias, possuem maior liberdade de movimento. Me sinto segura e protegida aqui”, diz ela.

Quando souberam que a oficina que eles trabalham estava fazendo máscaras de tecido, resolveram ajudar. Conseguiram fundos para fazer mais de 1000 máscaras que, ao invés de venderem, foram doadas para comunidades carentes em Jaipur, além de 100 kits com máscaras + álcool em gel à policiais que patrulham as ruas. “Ainda estamos recebendo doações e, em breve, lançaremos uma pré-venda de alguns produtos feitos pela oficina, para serem enviados após o lockdown”.

Com R$20, você ajuda na doação de 10 máscaras a pessoas que precisam. Para doar, basta mandar uma DM no Instagram ou no inbox do Facebook da Happee.

Outra ação promovida por eles durante a pandemia foi a doação das cestas básicas para os trabalhadores da oficina. Ao todo, foram doadas mais de 220 cestas básicas a famílias entre 4 a 6 pessoas. As cestas foram o suficiente para alimentar até 1300 pessoas por 15 dias durante a quarentena. “Essa foi a nossa primeira ação, para ajudar a ONG a alimentar famílias que haviam perdido a renda durante o lockdown. Depois de algumas semanas, doamos cestas básicas aos 10 funcionários da oficina e começamos a campanha das máscaras”.

As ações da Happee durante a pandemia:

  • Doação de cestas básicas para alimentar 220+ famílias que perderam a renda por 15 dias na Índia, mais de 1300 pessoas no total;
  • Doação de cesta básica aos 10 costureiros que trabalham na oficina; Produção de 1000 máscaras com a oficina que faz as roupas da Happee, proporcionando renda aos costureiros durante a quarentena.

As máscaras estão sendo doadas a comunidades que precisam aqui na Índia, entre eles:

  • 100 máscaras a policiais que patrulham as ruas de Jaipur, que também receberam frascos de álcool em gel;
  • 100 máscaras à Rays, uma ONG que cuida de crianças soropositivas.

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Fernanda Pádua

Tenho BH como meu ponto de partida e o meu porto seguro. Entrei pela primeira vez em um estádio de futebol aos 10 anos e ali descobri que queria ser jornalista. 20 anos depois, me tornei repórter esportiva e viajante nas horas vagas. Fiz intercâmbio na Irlanda em 2016/2017, pra estudar inglês. Tenho um objetivo de visitar todos os estados brasileiros e metade dos países do mundo e já percorri boa parte do trajeto, mas várias histórias e paisagens legais ainda estão por vir.

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