Em quase todos os monumentos históricos que você visitar no Egito, pense em uma cidade chamada Aswan. E também quando você passar por qualquer cidade da Europa que tenha um obelisco egípcio, como Roma, que tem vários deles, incluindo um no centro do Vaticano, ou Paris. Conhecida em português como Assuã ou Assuão, essa cidade era a fonte das pedras que construíram boa parte do Egito Antigo: ali estava o granito usado para fazer as estátuas, obeliscos e templos que sobrevivem por milênios.
Aswan está no sul do Egito e sua localização marca a antiga fronteira do Império, onde fica a primeira catarata do Nilo. Ali, a paisagem e o calor, mesmo no inverno, fazem justiça à expectativa de quem visita um país no deserto do Saara. Era Aswan a conexão entre os egípcios e o resto da África. E é lá que fica um dos templos mais importantes dedicados à deusa Ísis, o Templo de Philae.
A simpatia do povo de Aswan foi referenciada por todos os egípcios que conheci. E também o fato de que ali entraríamos em contato com outra civilização antiga, a Núbia, um povo negro que reinou essa região por muitos anos.
Barqueiro em Aswan
Dica importante: Não deixe de contratar um bom seguro de viagem para o Egito. Saiba como escolher um seguro bom para países da África e garanta um cupom de desconto
História de Aswan e do povo núbio
O povo núbio existe desde a pré-história. Eles criaram um importante reino, que ocupava o território que compreende hoje, geograficamente, o sul do Egito até Khartum, no Sudão. A Núbia era um corredor de comércio entre o Egito a o resto da África desde três mil anos antes de Cristo: eles importavam marfim, ouro, incenso, ébano, cobre e animais.
Especiarias a venda numa vila núbia, em Aswan
Durante o Império Médio, mais ou menos dois mil anos antes de Cristo, o Egito começou a expandir seu território nas terras da Núbia, com a construção de fortes ao longo do Nilo. Apesar de um histórico de conquistas entre os povos, a relação entre eles era de paz e cooperação. O Egito chegou até mesmo a ter faraós de origem núbia.
Muitos milênios depois, com o fim da era colonial e o estabelecimento da República do Egito, em 1953, a Núbia foi dividida entre o Egito e o Sudão. Nos anos 1970, com a construção da barragem de Aswan, que deu origem ao Lago Nasser, o povo núbio foi forçado a deixar suas casas e a se reassentar. É por isso que é possível encontrar várias vilas núbias em Aswan.
O templo de Philae e a deusa Ísis
Alexandre, o Grande, conquistou o Egito. Após a morte dele, seu general, Ptolomeu, assumiu o poder, sendo coroado Faraó – assim começou a dinastia Ptolomaica e o reinado grego no Egito. Ptolomeu II decidiu construir um templo dedicado à deusa Ísis. É que o culto a essa deusa, da maternidade, fertilidade e magia, era tão forte que os gregos – e mais tarde os romanos – continuaram com o costume.
A representação de Ísis, com sua coroa que lembra uma vaca e a fertilidade
O lugar escolhido para o novo templo era a Ilha de Philae, no Nilo. Segundo algumas lendas, era ali que o corpo de Osíris, irmão e marido de Ísis, estava enterrado. Confusa essa história? Ainda de acordo com a lenda, o outro irmão, Set, tinha muita inveja de Osíris e decidiu fazer uma armadilha para ele. Mandou construir um caixão especial e, num jantar, desafiou os presentes a entrarem na tal tumba para ver quem cabia lá dentro. Vários tentaram, sem sucesso. O sarcófago tinha as medidas exatas de Osíris e, quando ele entrou, imediatamente o selaram lá dentro e o jogaram no rio Nilo.
Ísis ficou desesperada e passou dias e dias procurando o irmão. Quando Set soube que a tumba tinha sido encontrada, mandou esquartejá-lo em 14 partes e espalhar pelo Egito. Usando sua magia, Ísis conseguiu reunir todas as partes, com exceção do pênis, que tinha sido comido por um peixe. Então ela fez um pênis a partir de uma planta. O corpo de Osíris foi mumificado (daí surgiu a tradição). E antes que Osíris se tornasse o deus do reino dos mortos, Ísis engravidou do irmão/amante. O filho deles, Horus, é o deus dos céus (mais tarde ele se fundiu com a lenda de Rá, o deus sol), que vingou o pai e matou Set.
Osíris e Ísis
Dizem que as lágrimas de Ísis, chorando por Osíris, causaram a primeira cheia do Nilo. Suas imagens são representadas muitas vezes como uma mãe e seu filho, o que leva muita gente a crer que o mito de Ísis foi, mais tarde, usado como inspiração para a Virgem Maria e seu filho Horus, ou Jesus.
Ísis amamentando Horus. O rosto da deusa foi destruído na época cristã
Toda a história de Ísis está retratada nas paredes do Templo de Philae. Dizem que Cleópatra costumava ir ao templo reverenciar a Deusa. E que, quando ela se vestia para o público romano, o fazia como uma representação de Ísis.
O templo de Philae, como nossa guia nos explicou, não é tão bem feito e detalhista como eram os templos construídos por governantes egípcios, mas para nós, leigos, é impressionante. Esse foi um dos últimos templos destruídos pelos cristãos, quando o império romano passou a proibir cultos pagãos. Pelo fato de estar mais isolado, somente no governo de Justino é que desativaram o templo, tentaram destruir as referências à deusa (o que é visível nas paredes, com as marcas do que parece um machado) e ainda o converteram, por um período, numa capela.
Mas o impressionante é pensar que o Templo de Philae não está mais em seu local original. É que na época da construção da barragem, nos anos 1950, a ilha de Philae estava na zona de alagamento. E o templo sofreu com alagamentos, perdeu as cores das paredes, mas continuou de pé. A UNESCO, então, nos anos 1970, criou um projeto de salvação, que foi posto em prática por um time holandês. Eles desconstruíram o templo, num lego da vida real, em 40 mil peças. E depois o reconstruíram, pedra por pedra, numa ilha vizinha, a Agilkia, onde está até hoje.
O Templo de Philae também tem referências à deusa Hator, que é personificação de uma vaca e que às vezes tem um culto semelhante a Ísis. E um pequeno templo de Trajano. A arquitetura é uma mistura da arte grega e egípcia, o que é visível claramente nas colunas.
Como visitar o templo de Philae
A entrada no Templo de Philae custa 60 libras egípcias (cerca de 11 reais).
Pier para pegar os barcos na saída do Templo de Philae
O templo fica afastado do centro da cidade, numa ilha no meio do Lago Nasser. Então, se você não estiver numa excursão, é necessário pegar um táxi até a entrada do templo e mais um barco para chegar na ilha. Isso significa negociar com um taxista para te levar lá e esperar por você (pelo que pesquisei na internet, são umas 100 libras egípcias se você quiser que o táxi te espere ir e voltar do templo). E depois o barco, que deve ser negociado por 40 a 50 libras egípcias por pessoa, ida e volta.
O caminho para pegar o barco de Aswan para o Lago Nasser. Prepare-se para muito assédio dos vendedores
Outras atrações em Aswan
Um passeio comum e bastante agradável é um cruzeiro pelo Rio Nilo para visitar uma das vilas núbias. Na ida, o nosso barco, que tinha motor, fez um caminho mais longo e passeamos por quase uma hora pelo cenário incrível do rio. Depois, descemos na vila de Gharb Seheyl, passeamos por lá, fizemos algumas compras e voltamos de barco para o hotel por um caminho mais curto.
Essa não é a única vila núbia, mas é a que recebe a maior quantidade de turistas. É possível também tentar conhecer locais mais tranquilos, como a Ilha Seheyl e Gharb Aswan, além da Ilha Elefantina, que é um passeio de mais fácil acesso.
O pessoal do blog “A Mochila e o Mundo” fez o passeio até lá de felucca, que é o barco sem motor, à vela. E Mairon pelo Mundo ficou hospedado nessa vila núbia que eu visitei. Ele fala do passeio pelo Museu Núbio, que parece ser muito interessante.
Uma dica: todos os egípcios que estavam conosco disseram que Aswan é o melhor lugar para comprar suvenires no Egito. Isso porque a maioria dessas coisas, como estátuas de deuses e pirâmides, lenços de pashimina e camisas de algodão, vem de lá. Mas esteja pronto para negociar profissionalmente.
Outro passeio em Aswan é visitar o Obelisco Inacabado. Eu contei a história desse monumento no post sobre a arte de fazer obeliscos no Egito Antigo. A visita à antiga pedreira é gratuita.
Por fim, existe Abu Simbel, onde ficam os esplêndidos templos dedicados ao Deus Rá, nos arredores de Aswan. Eu não fiz o passeio, mas achei o relato do Mochila e o Mundo muito completo.
Onde ficar em Aswan
O hotel onde Agatha Christie escreveu “Morte no Nilo”
Das experiências mais luxuosas que eu já tive na minha vida – foram bem poucas, mas memoráveis – a hospedagem no hotel Old Cataract certamente entra no top 3. Esse hotel histórico foi construído na época do Império Britânico e recebia personalidades como o Primeiro Ministro Winston Churchill e a escritora Agatha Christie. É possível visitar as impressionantes suítes especiais de ambos, com direito a plaquinha na porta. Ou desembolsar uma bela fortuna de R$20 mil reais por noite e se hospedar nos tais quartos com história.
Eu fiquei num quarto mais “comum” do hotel, no prédio novo, com vista para o Nilo. Isso não tornou minha experiência menos agradável. É que do meu quarto eu conseguia ter vista panorâmica para o rio, a ilha Elefantina, o prédio histórico do hotel e as piscinas. E também ficavam no meu prédio o spa e a maravilhosa piscina indoor. Isso sem comentar o fato que meu quarto era bem maior que a minha casa, com um hall de entrada, sala, escritório, o quarto em si, closet, banheiro gigantesco e varanda.
Não é barato ficar no Old Cataract, mas dá para achar diárias a partir de R$450 (na baixa temporada) ou R$700 (na média ou alta temporada). Mas é uma experiência daquelas para se lembrar para o resto da vida. E comparando com hotéis 5 estrelas em outras regiões do mundo, até é um preço bem abaixo da média.
Dá para tentar conseguir algumas promoções na baixa temporada ou, para quem faz parte do Le Club, programa de “milhas” da Accor: o Old Cataract é da rede Sofitel Legend.
Outras opções de hotéis e pousadas
Se seu orçamento não permitir o Old Cataract, não se preocupe. Fiz aqui uma lista com os hotéis e pousadas em Aswan com a melhor localização, nota acima de 8 no Booking e com wifi gratuito. São 14 opções de alojamentos.
Como chegar a Aswan
De trem
Você consegue ir de trem para Aswan partindo do Cairo ou de Luxor. Da capital, a viagem leva 13 a 14 horas e de Luxor são três. É recomendável comprar a passagem para as classes 1AC ou 2AC e dar preferência para os trens sleeper ou express. É possível comprar as passagens pela internet, no site do governo, ou diretamente na estação, no Cairo. Há, também, um trem especial, de uma companhia privada, que sai da estação de Gizé.
Para informações completas sobre viagem de trem no Egito, recomendo ler o tópico no site Seat 61.
De avião
Aswan conta com um aeroporto que fica a 25 quilômetros do centro da cidade. A EgyptAir opera voos de e para Cairo, Luxor e Abu Simbel e a LotusAir faz o trajeto vindo do Cairo. Dá para achar voos entre R$250,00 a R$450,00, ida e volta.
Do aeroporto para o centro de Aswan negocie táxi na faixa das 30 ou 40 libras egípcias.
De ônibus
Não é recomendado fazer esse trajeto de ônibus, visto que a jornada é muito longa e pode ser um pouco perigosa. Mas, sem dúvida, é o jeito mais barato de ir de Cairo a Aswan. O ônibus sai às 17h da rodoviária do Cairo, Al-torjoman, e chega, se não houver engarrafamento, às 9h30 a Aswan. É possível comprar diretamente no balcão da empresa, na rodoviária.
De barco
Fazer um cruzeiro no Rio Nilo é o sonho de muita gente e há diversos passeios que fazem a viagem entre Luxor e Aswan em três ou quatro noites. Infelizmente, não temos nenhuma empresa para indicar.
A nossa viagem pelo Egito foi uma presstrip feita a convite da AmCham Egypt.
Inscreva-se na nossa newsletter
Luiza, sensacional sua postagem! Farei este passeio em março de 2019 e pode acreditar, que através de vc, já estou com um pé no Egito!!!!Não vejo a hora de ficar extasiada com os lugares e as inúmeras lendas que enchem o país de mistério.
Eu não vejo a hora de voltar lá Lucia!
Luiza, vim consultar sobre o templo de Philae e acabei lendo todo o post, muito bom.Fiz, em fevereiro último, este passeio: represa de Asswan, tempo de Philae, Abu Symbel, aldeia Núbia e um delicioso cruzeiro de Asswam a Luxor. Foi uma semana inesquecível. Além desta parte do Egito visitamos Qeops e Gize e outras atrações no baixo Nilo. Uma viagem que planejei desde meus estudos de história antiga la no Secundário, demorou mas valeu a pena. Aconselho
Obrigada por comentar José. De fato é uma viagem dos sonhos e inesquecível
Uau!
Esta série de posts sobre o Egito está sen-sa-cio-nal! Parabéns!
Luiza, estou adorando essa série de posts sobre o Egito. Meu sonho desde criança.
Quanto ao ano de início do domínio Ptolomaico no Egito, teve início nos anos 300 a.C. Creio que houve um erro de digitação no post.
Já estou ansioso pelos próximos posts. Abraço!
Oi Juliano,
Obrigada por indicar o erro. Não foi digitação. Eu me confundi com as datas na hora de escrever, mas tá corrigido.
Abraço,