Como escalar a Table Mountain, em Cape Town

Ainda no meio da montanha e já sem água potável, pensei seriamente na possibilidade de ser resgatado de helicóptero. Nunca fui do tipo atlético – enquanto meninos da minha idade jogavam futebol, eu passava horas entretido com meu vídeo game. Esse fato tornou a subida mais complicada, é claro, mas juro que não achei que seria tanto.

Era janeiro de 2011. Eu estava em Cape Town, na África do Sul. A montanha em questão era a Table Moutain, cujo topo se ergue a cerca de mil metros acima do mar. Não, nada de uma escalada pelas paredes da montanha. A subida foi andando mesmo, teoricamente um trekking leve. Teoricamente. Eu e a Naty demoramos quase sete horas para completar o desafio. Só umas três horas a mais do que o normal e uma hora e meia depois que uma adolescente de uns 13 anos acabou a subida.

Você pode me chamar de sedentário. De dramático e exagerado. Até mesmo de sedentário dramático com tendências ao exagero. Mas subir a Table Mountain foi uma das grandes conquistas da minha carreira atlética, logo depois de não ser o último escolhido para o time de futebol, na terceira série.

Se eu ainda tivesse forças, teria chegado ao topo correndo e cantarolando Gonna Fly Now, no melhor estilo Rocky Balboa. Mas preferi chegar quase rastejando, ajoelhar e dar graças a Deus que a tortura tinha acabado. E não me olhe com essa cara: eu teria sofrido bem menos se a temperatura na Cidade do Cabo, que na véspera exigia casacos, não tivesse subido inesperadamente. Os termômetros marcavam 43ºC.

Planeje sua viagem: Saiba em qual região se hospedar em Cape Town

Vai viajar? Não deixe de contratar um bom seguro de viagem para a África do Sul. Saiba como escolher um seguro eficiente para países africanos e garanta um cupom de desconto

Table Moutain na Cidade do Cabo, África do Sul

Nós só descobrimos isso no meio da subida e da pior forma possível – deduzindo a temperatura pelas gotas de suor que escapavam de nossos corpos. Mas deixa eu voltar para a princípio da história. Foi assim que as coisas aconteceram:

8h –  Acordamos, tomamos café e seguimos de táxi para a Table Mountain. “Existem duas formas de subir”, nos disse uma funcionária do parque. “Vocês podem ir de teleférico, o que demora dois minutos. Ou podem subir caminhando”. Jovens saudáveis como vocês costumam demorar umas quatro, no máximo cinco horas.”  Optamos por ir caminhando, afinal éramos jovens e saudáveis, exatamente como a moça disse. Só que não.

8h30 – Compramos duas garrafas de água com um litro cada. Erro número dois – naquele calor nós precisaríamos de umas dezessete garrafas, o que significa que seria necessário levar também um carrinho de mão para empurrar toda a tralha montanha acima. Ahh, e na hora que começamos a subida não estava tão quente assim. Erro número três: não conferimos a previsão do tempo na véspera da subida.

8h45 – Começamos a subir. Lentamente a cidade ficou menor. “Até que não parece tão difícil”, pensei, enquanto fazia cara de desdém para uma adolescente de 13 anos que subia num ritmo mais lento que o nosso.

8h51 – “Porra, está quente hoje, hein?”

8h55 – “ QUE MERDA! QUANDO QUE ESSA CIDADE FICOU TÃO QUENTE ASSIM?!!, esbravejei enquanto jogava água no rosto. O problema é que a temperatura em Cape Town aumenta muito quando pára de ventar, durante o verão. Nessa situação a cidade fica mais quente que o inferno. Sim, isso significa só um pouco mais agradável do que Montes Claros. Entendeu o problema?

9h15 –  Achamos o primeiro – e único – riacho. Usei a água para me refrescar. Beber seria imprudente e eu ainda tinha uma garrafa e meia de água comigo.

Table Mountain Cape Town

9h45 – Resolvemos parar para descansar. A adolescente de 13 anos não. Ela continuou – e com cara de quem não fazia nada de muito especial.

10h20 – Paramos novamente. Uma mulher com um bebê de colo continuou a subida.

11h – Exaustos, paramos de novo. Um idoso na casa dos noventa anos e usando uma bengala continuou a subida. Ok, isso não aconteceu. Mas poderia ser verdade.

11h30 – Paramos novamente. O calor era tanto que até minha camiseta me incomodava. Já a muçulmana de burca continuou o caminho dela, sem parar. Não, isso não é exagero. Olha ela aí.

Subida a table mountain Africa do sul

11h40 – O helicóptero da foto acima procurava uma mãe inconsequente que estava subindo a montanha com uma criança de colo. Para o alívio de todos – principalmente do bebê – os dois foram resgatados. Ninguém mandou a apressadinha nos ultrapassar.

12h50 – Os militares continuavam com os resgates. Já sem água, morrendo de sede e completamente esgotados, pensamos seriamente em pedir para sair. De quebra ainda ganharíamos um voo panorâmico de helicóptero até o hospital mais próximo.

13h30 – Uma família de indianos nos deu uma garrafa d’água. Mas que fique claro que isso não explica porque fomos morar na  Índia  cerca de nove meses depois.

14h – O tênis que eu usava começou a se decompor. “Será que vou ter que alcançar o topo descalço?”

14h05 – O tênis da Naty começou a se decompor. E era um tênis-fodão-próprio-para-trekking-com-poucas-semanas-de-uso.

15h – Perguntamos para um militar do exército sul-africano se faltava muito para o topo da montanha. “Só mais uma hora”, ele disse, pensando que nós gastaríamos três.  E saiu para resgatar mais alguém. A essa hora a adolescente de 13 anos que começou a subida conosco já terminava sua última fatia de pizza, no restaurante do topo da montanha. O All Star dela provavelmente aguentou a subida. O meu calçado já abria a boca e colocava a língua pra fora.

15h45 – Chegamos! Quer dizer, só eu e a Naty. Apenas partes do tênis-fodão-próprio-para-trekking-com-poucas-semanas-de-uso sobreviveram ao dia.

Alto da Table Mountain

Por sorte, o restaurante no topo da Table Mountain não cobra preços absurdos. Enchemos a cara com pizza, água e Coca Cola. Aproveitamos a vista, que é simplesmente incrível. Tudo bem que falta exatamente a parte mais bonita da cidade, que é a própria Table Mountain, mas lá de cima é possível ver todos os lados da Cidade do Cabo. As praias, prédios, o porto, O V&A Waterfront e o estádio construído para a Copa do Mundo de 2010 são alguns dos destaques.

Cidade do Cabo África do Sul

Vista de Cape Town

Uma hora depois, começamos a descida. De teleférico, claro – os dois minutos menos suados que já vivi.

Ontem a Naty me perguntou se subiremos novamente a Table Mountain, durante nossa próxima passagem por Cape Town. Claro! A vantagem é que nossa marca não é tão complicada de bater.

Cape Town Table Mountain

*Foto destacada deste post: Entropy1963, Wikimédia Commons

Inscreva-se na nossa newsletter

5/5 - (1 voto)

Compartilhe!







Eu quero

Clique e saiba como.

 




Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

  • 360 nas redes
  • Facebook
  • YouTube
  • Instagram
  • Twitter

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

9 comentários sobre o texto “Como escalar a Table Mountain, em Cape Town

  1. Hahahaha AMEI esse post!
    tenho o sonho de ir pra lá e me diverti com a parte de que o senhor, a muçulmana de burca e até a mulher com bebe passou na frente de vcs hahaha
    Parabéns pelo blog excelente, to viciada nele!

    1. Oi, Fabiano.

      Pois é, a subida não é fácil não, mas pelo menos valeu uma bela história.

      Pode deixar que vou conferir seus vídeos.

      Abraço!

  2. Eu me senti lá! vocês dão dicas em forma de história. E eu to 2 dias lendo o blog e já viajei pra vários lugares. Espero que saia da imaginação logo…

    1. Oi Letícia! Que bom que vocês gostou! Tentamos sempre fazer textos divertidos e em forma de história mesmo. Nosso maior objetivo é incentivar o desejo de viajar nas pessoas. Achamos que esse tem sido um bom método!

      Obrigado pela leitura! Seja bem-vinda ao blog! =)

2018. 360meridianos. Todos os direitos reservados. UX/UI design por Amí Comunicação & Design e desenvolvimento por Douglas Mofet.