“Meu objetivo aqui não é só mostrar lugares que vocês não conheciam no Rio de Janeiro. Quero que vocês aprendam sobre uma parte da nossa história que não nos mostram na escola. Uma herança que muitas vezes é esquecida e apagada, mas que está presente na nossa cultura, na nossa pele. Que é parte do Brasil e de quem somos”. Foi com essas palavras que a guia de turismo e uma das organizadoras do projeto Sou + Carioca, Gabriela Palma, encerrou o passeio guiado pela Pequena África.
Diante dela, um grupo de 40 pessoas escutava as palavras finais. Adultos e crianças que trocaram as praias e a água de coco para caminhar, por cerca de três horas, pelas ruas de uma região da capital fluminense de enorme importância histórica e cultural para a cidade – e também para o país -, mas que foi esquecida e negligenciada por séculos.
A Pequena África é formada pelos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. A região foi apelidada dessa forma pelo músico Heitor dos Prazeres, por ser uma área que, na virada do século 19 para o 20, contava com uma forte presença de escravos libertos e comunidades quilombolas. Ainda hoje, as ruas, sobrados e praças dali preservam as marcas físicas e culturais da influência africana. E é esse passado que Gabriela tenta resgatar em seu tour.
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O Cais do Valongo e o Cemitério dos Pretos Novos
No trajeto, havia mesmo vários lugares que eu – e boa parte das pessoas que participaram do tour comigo – não conhecia. E alguns outros que eu ignorava a importância histórica. Não só eu, aliás: o Cais do Valongo, última parada do passeio, é um sítio arqueológico importantíssimo que permaneceu escondido durante décadas.
Entre 1774 e 1831, o local era o maior mercado de negros escravizados do Rio de Janeiro. Estima-se que esse tenha sido o porto de desembarque de algo entre 500.000 e 700.000 africanos que foram sequestrados e forçados a atravessar o Atlântico.
A região não foi escolhida ao acaso. O Cais do Valongo foi construído em uma área fora do perímetro urbano e afastada do local onde vivia a elite carioca, que não queria contato com os negros, achava o mercado feio e sujo para seus padrões wannabe europeu e morria de medo de contrair doenças.
Cais do Valongo. Foto: Shutterstock
Quando o comércio transatlântico de pessoas escravizadas foi proibido, em 1831, o Cais do Valongo foi fechado. Nas décadas seguintes, a prefeitura do Rio, com o objetivo de modernizar a cidade e apagar as memórias de um passado escravocrata, resolveu aterrar a região, jogando o porto – e a memória de uma das nossas maiores tragédias humanitárias – para baixo da terra. O local permaneceu oculto até 2011, quando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) passou a conduzir estudos arqueológicos na região.
Foi também por meio desses estudos que o cemitério dos Pretos Novos foi redescoberto. O lugar, um terreno próximo ao cais, era usado como vala comum para aqueles que perdiam a vida durante a viagem insalubre nos navios negreiros. Os corpos eram jogados ali sem nenhum cuidado, homenagem ou respeito, juntamente com animais mortos e lixo. Os que chegavam vivos, mas apresentavam alguma doença, eram tratados nas Casas de Engorda, também nas redondezas, até que pudessem ser vendidos no Mercado do Valongo.
Pequena África: A Herança Cultural Africana no Rio
Com fechamento do Mercado do Valongo e o fim do comércio negreiro no Brasil, a zona ao redor do porto – que naquela época ainda era periférica – acabou se convertendo no local de trabalho e moradia de negros que conseguiam a liberdade. Vindos grande parte das fazendas do nordeste, eles chegaram ao Rio de Janeiro na entrada do século 20 e ali estabeleceram uma verdadeira comunidade. Construíram suas casas, espaços de culto para praticantes de religiões de matriz africana e locais de convívio que ajudaram a criar e fortalecer a identidade cultural daquela parte do Rio de Janeiro.
Pedra do Sal. Foto: Divulgação
É o caso da Pedra do Sal, berço tanto do samba carioca quanto da tradição das escolas de samba, e que ainda hoje preserva sua vocação musical e as rodas de samba que ocorrem todas as segundas-feiras. Uma alternativa é fazer um tour guiado pela história do samba no Rio de Janeiro, que inclui a pedra do sal e outros pontos importantes para o surgimento do estilo, que começou a ganhar o Brasil a partir da Pequena África. Veja aqui as informações completas sobre o passeio.
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Outro ponto importante de mobilização e vida social é a Igreja Negra, que além de centro religioso era também lugar de manifestações políticas. Apesar de ser um templo católico, as cerimônias realizadas ali eram bastante sincréticas.
A Estátua de Mecerdes Baptista no Largo da Prainha, é parte da Pequena África. Ela foi a primeira bailarina negra do Teatro Municipal e se consagrou como especialista em danças africanas
Com a expansão da cidade, os moradores originais dali acabaram expulsos para áreas mais distantes e o local passou por um processo de embranquecimento. Os Jardins Suspensos do Valongo, construído à moda parisiense, com suas estátuas que imitam as gregas, marcam esse processo. Projetados pelo arquiteto Luis Rei, essa foi mais uma tentativa de “modernizar e embelezar” a cidade, apagando as marcas do que havia ali antes.
O recente resgate desse passado fomentou a criação do Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana e o reconhecimento da Pequena África como patrimônio material e imaterial para a população de origem africana.
O Circuito Turístico da Pequena África
O roteiro turístico da Pequena África tem como ponto inicial o Museu de Arte do Rio (MAR) e conta com seis pontos de interesse oficiais. Além de passeios turísticos guiados, como o da Gabriela, o visitante também pode explorar a região com auxílio do aplicativo para celulares Passados e Presentes.
- Largo de São Francisco da Prainha
- Morro da Conceição
- Pedra do Sal
- Cais do Valongo
- Jardins Suspensos do Valongo
- Cemitério dos Pretos Novos
Sobrados e casarões do Largo da Prainha, uma das primeiras paradas do passeio
Passeios Sou + Carioca
Quando a Gabi – que eu já conhecia do mundo dos blogs de viagem – me chamou para esse passeio, achei que era uma excelente oportunidade para conhecer o projeto dela, o Sou + Carioca. Além do Tour Pequena África, que ela faz uma vez ao mês, o projeto conta com 12 guias e pretende mostrar diferentes facetas da cidade para moradores e turistas através de passeios culturais e de aventura com preços acessíveis. Os roteiros urbanos custam R$10 por pessoa, já as trilhas variam entre R$15 e R$45. A programação e todas as informações sobre os passeios você confere na página deles no Airbnb.
Onde ficar no Rio de Janeiro
Com uma cidade grande de locomoção complicada, acredito que procurar uma hospedagem perto do metrô é sempre uma boa ideia. Por isso, bairros como Ipanema, Copacabana, Flamengo e Botafogo são sempre boas pedidas de onde ficar no Rio.
Para uma descrição mais completa, leia nosso guia dos melhores bairros onde ficar no Rio de Janeiro.
Opções de hospedagem recomendada em Copacabana e Ipanema:
- Atlantis Copacabana Hotel
- Bamboo Rio Hostel
- CabanaCopa Hostel
- Casa del Mar Hostel
- Hotel Arpoador
- Arena Ipanema Hotel
- Ipanema Beach House
- Mojito Hostel e Suites
- El Misti Ipanema
Embora tenham muitas atrações e bom acesso ao transporte público, é preciso ter cuidado ao se hospedar no Centro ou na Lapa, já que algumas ruas ali podem ser perigosas durante a noite. Se quiser procurar hotel nessa área, o Santa Teresa é um opção mais segura. Lá você ainda tem a chance de se hospedar em um belo casarão colonial.
Opções e hospedagem recomendada no Santa Teresa:
- Vila Galé Rio de Janeiro
- Vila Santa Teresa
- Altos de Santa Teresa
- Casa da Gente
- Terra Brasilis Hostel
- Santa Tere Hostel
- Rio Earth
Encontre hotéis no Rio de Janeiro
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Gostaria de saber quando será a próxima tour Pequena África.
Grato.
Olá! A programação com os tours está na página deles no Facebook: https://www.facebook.com/soumaiscarioca/
Entre em contato com eles!
Abraços!
Parabéns pelo texto, Natália! São essas exposições e constatações, ainda que raras, que nos ajudam a reparar, gradualmente, o nosso real descaso com esses espaços sociais, que pouco preenchem o imaginário histórico brasileiro. Poderia seguir falando, mas só desejo notificar meu reconhecimento a este post.
Olá Heitor, obrigada! Fico feliz que tenha gostado. Se tiver a oportunidade de fazer esse tour, é bem interessante para conhecer mais sobre essa história.
Abraços!
Escrevi sobre esse Circuito recentemente, são lugares muito especiais para o povo preto que significam muito poder e resistência.
Aqui no Rio, nós promovemos passeios pela cidade e convidamos duas professoras de história para ministrar uma aula de história a céu aberto, foi muito emocionante não apenas conhecer os pontos, mas proporcionar protagonismo do mulherio negro.
Quando estiver pelo Rio vem fazer um dos nossos passeios conosco, vai ser um prazer recebê-la e trocar experiências!
Beijos
Cami Santos
http://www.naestradacomasminas.com.br
Olá Cami,
Obrigada por comentar! Pode deixar que quando eu estiver no Rio eu entro em contato com vocês! Vai ser um prazer conhecer esse projeto que já admiro de longe 🙂
Abraços!