“Acesso proibido”, dizia o aviso no portão. Ótimo. Nada como fazer um tour secreto num dos lugares mais misteriosos do mundo – o Vaticano. Milhares de turistas visitavam a cidade-Estado naquele momento. Apenas 12 sortudos se preparavam emocionalmente para passar pelos guardas suíços e explorar a necrópole, uma parte do Vaticano que pouca gente sabe que existe. São tumbas da época de Cristo que ficam debaixo da Praça de São Pedro. Mais: a Igreja Católica diz que ali está a tumba do próprio São Pedro. Após alguns minutos de espera, o guarda nos chamou. Era hora de explorar o porão do Vaticano.
Não chegamos ali apenas por sorte, mas depois de muita pesquisa na internet. Tampouco pagamos rios de dinheiro – o tour até a tumba do Apóstolo Pedro é aberto ao público e custa apenas 12 Euros. Mas é quase um segredo de Estado. Descobrimos que para agendar o tour é preciso trocar e-mails diretamente com o Escritório de Escavações do Vaticano. E com muita antecedência, se possível meses antes da viagem.
O Vaticano escolhe quase tudo: data, horário… O visitante pode pedir que o tour seja em determinado idioma, mas não há garantias de que será atendido. Nós fomos: o e-mail do Vaticano avisava que o tour seria em português. Isso sim foi sorte.
Quem nos recebeu foi um Padre brasileiro. O português um pouco enferrujado denunciava que ele já morava no Vaticano há anos. Nosso grupo era formado por 10 brasileiros – incluindo eu, a Natália Becattini e a Luíza Antunes, que também são autoras aqui no blog – e um casal de italianos que não falava português, mas achou um lugar no tour brazuca e resolveu não largar o osso.
“Prestem atenção naquele quadrado branco”, disse o Padre Wagner, apontando para uma marca no chão, em frente ao Escritório das Escavações. “Sabem aquele obelisco que hoje fica no centro da Praça de São Pedro? Ele antes ficava naquele quadrado. Esse obelisco foi provavelmente a última coisa que São Pedro viu antes de morrer”. Milhões de cristãos passam em frente ao obelisco todos os anos. Quantos sabem disso?
Leia também: Roma, uma cidade de mitos
Ponto preto mostra antiga posição do Obelisco, atualmente no centro da Praça de São Pedro (Imagem: Vaticano)
Obelisco no centro da Praça de São Pedro
A Necrópole do Vaticano
Entramos por outra porta de acesso restrito e descemos alguns lances de escada. Nada de caveiras nas paredes – portas de vidro davam um toque de século 20 ao local, que é escuro e um pouco apertado. “Lá embaixo é abafado. Se alguém passar mal me avise. Saímos imediatamente”, disse o Padre.
São 23 mausoléus retangulares, um ao lado do outro. Andamos entre eles. Onde há quase dois mil anos havia uma rua, hoje é somente o porão do Vaticano. “Roma era a capital do Império, então não só cristãos foram enterrados aqui. Gente de todas as religiões, crenças”, disse o Padre, apontando para uma imagem do Deus egípcio Oros, que acompanha as pessoas na passagem da vida para a morte. Tão perto da pedra fundadora da Igreja – o próprio Pedro – até hoje existem elementos de outras religiões.
Os mausoléus tinham chão de mosaico branco e preto, com figuras de seres mitológicos e deuses. E as paredes tinham arcos e algumas aberturas, onde ficavam sarcófagos de argila. E não ache que a necrópole era um lugar de tristeza. Nosso guia explicou que as muitas religiões do Império acreditavam que os mortos viviam nos mausoléus. Por isso, os cemitérios eram lugares muito visitados. As pessoas faziam festas ali.
Os poucos mausoléus que foram desenterrados são só uma pequena parte da necrópole, que continua quase totalmente debaixo da terra. Há suspeitas de que toda área debaixo do Vaticano seja um enorme cemitério, até o encontro com o Castelo de Santo Ângelo, que também foi originalmente um mausoléu: o do Imperador Adriano.
Castelo de Santo Ângelo
Imaginei como tudo aquilo era. Pessoas andavam por ali. Árvores, pássaros e flores deviam compor o visual. Olhei para cima. Onde hoje há apenas o chão da Praça de São Pedro, antes as pessoas podiam ver o céu. É complicado não se emocionar, não refletir na brevidade da vida – e na presença da morte – quando a gente pisa num lugar onde outras pessoas também viveram, há dois mil anos. E, quem sabe, pessoas nem tão diferentes da gente assim…
Chegamos ao túmulo. Todos do grupo se revezaram para ver, de uma respeitosa distância, o que, segundo a Igreja Católica, são os ossos do apóstolo Pedro. Uma luz iluminava um buraco numa parede. Dentro dela, uma espécie de caixa transparente. Na caixa, pequenos objetos, aparentemente pedaços de ossos humanos. Era o mais próximo que poderíamos chegar dos restos mortais de um homem que mudou a humanidade.
Alguém que, segundo o relato bíblico, foi apóstolo e amigo íntimo de Jesus e viveu junto com ele os anos que fizeram com que boa parte do mundo passasse a ser divida em a.C. e d.C. Mesmo que você não acredite que aqueles ossos são mesmo de Pedro – eu mesmo não sou católico e não tenho certeza – é impossível não se emocionar ao pisar num dos pontos mais sagrados para bilhões de fiéis ao redor do mundo. Mas, por que a Igreja Católica garante que aqueles ossos são de São Pedro?
Um pouco de história
O padre explicou que na época de Cristo o lugar que hoje é o Vaticano era um Circo Romano. Mas sem palhaços: a diversão era a dos gladiadores, das lutas de feras e das execuções públicas. O obelisco que citamos no começo do texto é mais antigo que Roma – foi surrupiado do Egito a mando de Calígula, que o instalou no centro do seu parque de diversões.
Quando Nero pôs fogo em Roma (segundo dizem as más línguas), ele colocou a culpa nos cristãos. Começou assim a perseguição. Muitos foram queimados vivos, crucificados, estraçalhados por animais selvagens… Neste ponto a versão católica diverge de outras religiões cristãs: os católicos dizem que Pedro, considerado por eles o fundador da Igreja, estava na capital do Império durante a perseguição de Nero.
Ele teria sido morto no centro daquela arena, crucificado de cabeça para baixo, já que não se considerava digno de morrer da mesma forma que Jesus. Depois de morto, seu corpo foi enterrado numa colina que ficava ali perto, a colina vaticana. A mesma coisa aconteceu com os corpos dos inúmeros executados ali e logo a colina virou uma espécie de cemitério.
Os anos se passaram e o Circo de Nero e Calígula foi abandonado. Não que a diversão romana tenha se tornado mais, digamos, pacífica. Os imperadores resolveram construir uma arena que fosse digna de Roma e mais próxima da cidade. Assim nasceu o Coliseu, muito maior e moderno. Os espetáculos foram transferidos para lá e o antigo palco foi convertido, aos poucos, em cemitério e em ponto de peregrinação, principalmente para os cristãos, que iam visitar a tumba de São Pedro, de outros mártires e de parentes.
Em 312 d.C Constantino virou Imperador de Roma e acabou com a perseguição aos cristãos. Elementos pagãos foram incorporados à fé cristã, que passou a ser protegida pelo Império. Constantino mandou construir uma basílica num conhecido ponto de peregrinação cristã e preservou o que seria a tumba do apóstolo Pedro.
A basílica foi construída exatamente acima da tumba. Séculos mais tarde, em 1502 d.C., o Papa Júlio II mandou destruir a Basílica Constantiniana e fez uma nova, muito maior, também no mesmo lugar. É a atual basílica de São Pedro, que, segundo a tradição católica, também teria sido construída rigorosamente acima da tumba do santo.
Interior da Basílica de São Pedro – Tumba do apóstolo Pedro fica debaixo dela
No século 20, o papa Pio XII ordenou uma reforma no local onde eram enterrados os Papas. Ao realizarem a obra, os operários acharam partes da antiga necrópole, a do primeiro século d.C. O Papa sabia que, pela tradição católica, o túmulo de Pedro deveria estar naquela necrópole e mandou que fossem feitas escavações. Várias tumbas foram desenterradas, tudo isso entre 1939 e 1950. Para evitar que Hitler interferisse na obra ou tentasse se apoderar de qualquer coisa, o Papa inventou uma obra nos jardins do Vaticano para justificar a grande quantidade de terra que era retirada da necrópole.
A tumba de São Pedro foi encontrada, exatamente debaixo da Basílica. Os ossos, por outro lado, não estavam lá. Na década de 1950 a arqueóloga Margherita Guarducci resolveu retomar as buscas. Ela localizou um buraco revestido de mármore num muro vermelho, que estava ao lado do túmulo, No muro, ela achou a inscrição Petrós Ení, que em grego significa “Pedro está aqui”.
O conteúdo que estava no buraco do muro havia sido removido anos antes e estava num armazém. Lá, Margherita Guarducci encontrou vários pedaços de ossos humanos. Testes indicaram que seriam ossos de um homem, que teria vivido no primeiro século d.C. Tudo estava envolto num tecido imperial, identificado como sendo do século 4 d.C., exatamente o século em que Constantino foi Imperador de Roma. Além disso, junto com os ossos havia o mesmo tipo de terra que foi encontrada na tumba. Foi o suficiente para o Vaticano anunciar que havia encontrado os ossos de São Pedro.
Você pode questionar a conclusão – muita gente faz isso. Como eu disse no começo do texto, para boa parte do mundo cristão Pedro nunca botou os pés em Roma – Paulo foi quem esteve lá. Outros colocam em dúvida o trabalho dos arqueólogos e lembram do interesse da própria Igreja em dizer que as relíquias de Pedro são reais.
Como fazer o tour secreto pelas catacumbas do Vaticano
Você não precisa ser o Papa e nem o Robert Langdon, personagem do escritor Dan Brown, para visitar a necrópole e a tumba do apóstolo Pedro. O procedimento, uma vez que você sabe da existência do tour, é simples. Mande um e-mail para o Escritório de Escavações do Vaticano. São dois endereços eletrônicos scavi@fsp.va e uff.scavi@fabricsp.va
No e-mail, envie os nomes, idades e nacionalidades de todas as pessoas que vão com você e lembre-se que nenhum grupo pode ter mais de 12 pessoas. No assunto, diga que você tem interesse de fazer o scavi tour e forneça todas as datas disponíveis. Se você vai ficar uma semana em Roma, dê as datas. Quanto mais dias, mais chances. Mas lembre-se de que o Vaticano pode te colocar em qualquer horário nesses dias, então não forneça como opção o dia que você chega ou vai embora de Roma, por exemplo.
Enviei o e-mail em inglês. No dia seguinte eu recebi uma resposta. Informava o valor (12 euros por pessoa, como dito antes) e a data que o tour estaria disponível para nosso grupo. Na época o pagamento precisava ser por cartão de crédito e a única forma de fazer isso era enviando o número do cartão e os outros dados por e-mail mesmo. Assim que o pagamento foi efetuado o Vaticano mandou um e-mail confirmando a reserva. Mais informações neste site.
Uma última dica esperta: o tour acaba dentro da Basílica de São Pedro. Ou seja, pode ser uma boa visitar a basílica depois do tour, já que assim você não vai precisar enfrentar aquela fila enorme.
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Ola, adorei o Post! Mandei agora um email para marcar uma visita para a semana do dia 17-22 de junho. Será que dá tempo. Rose, quanto tempo demoraram pra responder o teu e-mail?
Oi Andrea,
Resta só esperar mesmo. O prazo está um pouco apertado, mas quem sabe não dá? Estamos torcendo por você. Boa sorte. =p
Oi Rafael, apesar de ficar apenas dois dias em Roma consegui agendar a visita.O Vaticano me enviou a confirmação. Fiquei muito feliz. Gostaria de informar o pessoal que acompanha seu blog que o pagamento para a visitação agora é feito direto lá, 10 min. antes da visita. Ao menos foi o que me informaram no email.
Abraços.
Oi Rose. Muito obrigado por nos informar disso. Vou atualizar a informação no post, pra facilitar a vida de outros viajantes que passam por aqui.
Abraço!
Achei maravilhosa a repostagem esclareceu muita coisa…estou marcando para Julho de visitar o Vaticano, mandei e-mail no começo deste mês para o escritorio e só recebi a confirmação de recebimento do e-mail…é normal demorarem para responder a solicitação? se não conseguirmos ir eles respondeu comum “não” pra gente?
obrigada
Oi Stefanie,
No meu caso demorou alguns dias sim, mas não foi muita coisa não. Não sei te dizer se eles avisam que não tem jeito, já que para mim a resposta foi positiva. Acho que pode ser uma boa você enviar um outro e-mail, perguntando se eles receberam o primeiro.
Oi eu vi no fantastico a muito tempo sobre uma igreja e embaixo tinha um local com corpos, mas estavam conservados e até mostraram uma menina que estava super conservada, com cabelo, pele e tudo mais ela estava no caixão. Eu queria saber se alguem poderia me dizer onde posso encontrar essa reportagem, se alguem souber..Obrigada
Oi Patrícia! Certamente não são essas catacumbas do Scavi tour. Será que não seriam essas aqui, ó? https://oglobo.globo.com/boa-viagem/tuneis-igrejas-catacumbas-revelam-lado-macabro-da-italia-3304260 Essa matéria do Fantástico eu não achei, mas tem essa aqui do SBT. https://www.youtube.com/watch?v=D1PHZdYGt2g
Oi Rafael, adorei seu post e imadiatamente mandei um email para lá . Estarei em Roma por apenas 4 dias (em junho próximo) mas contando que um é de chegada e outro de partida, sobraram apenas dois. Mesmo assim tentei agendar…estou aqui torcendo os dedinhos para que eu dê essa sorte.
Parabéns pelo post e pelo blog!
Oi Rose! Que bom que este post te ajudou! E tomara que dê certo, porque esse tour é muito legal! =p
Oi, Rafael
Excelente teu post e por conta dele estamos agendando uma visita para abril com 6 pessoas. Esperando ter a sorte de pegarmos um guia em Português. Fiquei um pouco preocupado com um aviso sobre pessoas com claustrofobia não realizarem o passeio. É verdade? Vc achou muito apertado?
Grande abraço
Rodrigo
Oi, Rodrigo!
Que bom o post te ajudou. Acho que vocês vão gostar bastante da visita pelas catacumbas do vaticano. O lugar uma é espécie de sala sem janelas, mas não é apertado demais. Você não vai precisar fazer nenhum tipo de contorcionismo para entrar lá, por exemplo. Acho que só quem tem claustrofobia de verdade – e não apenas quem não curte muito lugares fechados – tem problemas. Uma pessoa que não entra num elevador, por exemplo, não conseguiria fazer o tour.
Espero ter ajudado! Qualquer dúvida e só falar!
Abraço
Ajudou sim! Valeu!
Abraço
Olá Rafael.
Tenho marcado o Scavi tour para março, e gostaria de saber se tivesse algum problema quanto a câmera fotográfica. No site diz que não pode levar, mas acredito que o problema está em tirar fotos.
Obrigado e aguardo retorno.
Rômulo
Oi Romulo! Eles dizem que não pode entrar com câmera e nem bolsas/mochilas grandes. Na hora não barraram a gente não. Entramos com as bolsas/mochilas (e câmeras dentro delas) e ninguém reclamou. Mas não tiramos nenhuma foto, claro. Então acho que é o que você disse: não querem que tirem fotos. Se estiver tudo guardado, sem problemas. Evite de entrar com a câmera na mão ou pendurada no pescoço, e acho que vai dar tudo certo. Pelo menos com a gente foi assim. Abraço!
Achei estranho a parte de mandar o número do cartão de crédito por email. Isso não parece seguro, realmente é a única maneira de realizar o pagamento?
Oi Rodolfo. Pois é, eu também achei estranho, mas acabei resolvendo confiar e não tive nenhum problema. Eles só deram a alternativa de como eu informaria o número do cartão – se via fax, telefone, ou E-Mail. Como em todas eu teria que passar os números, optei pelo e-mail mesmo, que era mais simples.
Incrível! Adorei este post, muito gostoso de ler e bem original. Há muitos anos estive em Roma e fiz a visita às catacumbas, mas aquelas bem “turisbocas” mesmo rsrs… Tentarei ir às catacumbas do Vaticano na próxima viagem à Roma, e me sentir no livro “Anjos e Demônios” do Dan Brown 😀
Pois é, Luciana! A gente se sente num livro do Dan Brown mesmo! hehehe Eu acho que é um passeio fantástico para fazer em Roma. Pena que pouca gente sabe que existe. Abraço!
Já tinha ouvido falar sobre este tour secreto mas com poucos pormenores, e se já tinha ficado interessado agora ainda estou mais!! Como tou pretendendo ir em fevereiro a Roma vou tentar encaixar este tour nos poucos dias em que vou ficar por lá. Obrigado pelas dicas e aguarda sua visita no meu blog.
Olá Luffi! O tour é bem legal sim. Vale a pena encaixar no roteiro, caso vá passar por Roma. Abraço!