O cerrado brasileiro já foi das veredas e dos lisos desérticos. Dos vaqueiros e dos jagunços. Dos bois e de seus carros.
Hoje é essa uma das paisagens que mais se vê:
Plantações de eucalipto estão substituindo a diversidade do cerrado brasileiro. Foto: Ismael dos Anjos
As plantações de eucalipto dominam parte dos cenários que vi tanto em viagens mais extensas — como a que rendeu a série documental “Rosa e Sertão” ou no roteiro que visava registrar os impactos da seca de 2014 na bacia do São Francisco — quanto em uma viagem mais curta e recente, rumo a Monte Verde.
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E meu incômodo não se deve a uma mera mudança de paisagem. Nas regiões em que as florestas de eucaliptos são estabelecidas, mudanças na cultura, modo de vida e ecossistemas acontecem como desdobramento.
Quando tive a honra de entrevistar Francisco Guimarães Moreira Filho, o “Criolo”, último vaqueiro vivo da expedição que João Guimarães Rosa fez em 1952 pelo sertão de Minas Gerais, ele falou sobre a tristeza que é ver o cerrado brasileiro tomado pelo eucalipto, sem as tradicionais veredas. Ao mesmo tempo, contou que, na fazenda que mantém, a árvore australiana também tomou o lugar das plantas nativas e do gado, que já foi o ganha-pão da família.
As razões não são poucas. Com bom preço de mercado e um ciclo veloz para uma árvore com a sua biomassa, o eucalipto cresce rápido e pode ser extraído a cada oito anos.
Na prática, para quem tem espaço suficiente e faz o plantio por quadrantes, a colheita de todo ano é garantida com o mínimo de manutenção possível (os trabalhadores são contratados apenas nas épocas de plantio e de retirada/entrega para as indústrias de celulose e siderúrgica).
Além disso, ainda existem os incentivos. Apesar das monoculturas serem algo comprovadamente prejudicial aos solos e à biodiversidade, as nossas leis encaram o plantio de eucalipto como reflorestamento (ou alternativa possível para a indústria de compra de créditos de carbono).
Foto de Luiz Felipe Silva e Fellipe Abreu, meus companheiros de viagem no sertão
Walter Viana, técnico da Superintendência de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Supram), afirmou em sua tese que o eucalipto consome 300 litros de água por metro quadrado a mais do que a vegetação nativa do norte de Minas Gerais.
Ou seja: plantado de forma ilimitada, ameaça o lençol freático e até os rios em regiões mais áridas. “O eucalipto consome de 800 a mil milímetros. Então toda água que chove ele consome ela. Esta água não está infiltrando e todos os rios e poços irão secar. A região chove pouco e o consumo de água já é elevado, aí o impacto pode ser significativo. O eucalipto está consumindo mais que o cerrado brasileiro”, disse para a EBC.
Os defensores das florestas de eucalipto entendem que um plantio planejado, intercalando com outras culturas, poderia ser sustentável. Acreditam também que, sem o eucalipto, as matérias-primas necessárias para as indústrias seriam exploradas direto das florestas naturais de cada região.
Ricardo Machado, professor da UNB especialista em cerrado, já desmistificou parte desta tese em entrevista: existem árvores nativas desse ecossistema, como o jacaré e o carvoeiro, que também têm crescimento rápido. Elas poderiam ser estudadas (ou incentivadas por políticas públicas) como alternativas menos danosas sem deixar de atender a indústria de celulose, por exemplo.
No último dia 21 de junho, o Ministério do Meio Ambiente transformou essa preocupação com o bioma em números: 50% do cerrado já não existe mais. Estima-se que 67% do desmatamento da região seja causado pela pecuária e 27% pela agricultura (como a soja na região compreendida entre Mato Grosso, Piauí, Tocantins e Bahia, que ameaça o Jalapão). A boa notícia, segundo o governo, é que a velocidade do desmatamento caiu 40% em 2017 (para 7.408 km²), quando comparado a 2015.
Infelizmente, não me parece um grande motivo para comemorar. Enquanto os incentivos à pecuária e os subsídios agrícolas continuarem e as florestas de eucalipto forem consideradas opções de reflorestamento, o problema está longe de chegar ao fim.
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Para que nossa conversa continue nos comentários, gostaria de fazer uma pergunta a você, leitor: já voltou para casa mais preocupado do que quando foi, depois de perceber as condições ou desafios do lugar para o qual decidiu viajar?
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Sim. Aqui no Rio Grande do Sul não é diferente. Já temos os desertos verde. As plantações de arroz no sul do Estado conviviam pacificamnete com a mata nativa. Porém , nos últimos anos, vimos o crescimento acelerado do plantio de eucalítos e pinus para abastecer uma industria de papel . E, o epaço que sobrou de arroz, está cedendo lugar para a soja.
Não sei onde vamos parar!
Infelizmente a tendência é de que esta ótica de exploração só seja alterada quando as coisas chegarem a um patamar crítico, e, talvez, irreversível..