“Viva sua vida o mais intensamente que puder. Viva cada instante como se fosse o último”. Foi esse o conselho que Louise Eugene escutou em casa desde pequena, muito antes de adotar o pseudônimo de Alexandra David-Néel e partir pelo mundo em busca de aventura e conhecimento. Nascida em Paris, em 1868, a menina cresceu em meio aos livros da biblioteca de seu pai, um acadêmico de valores progressistas e bastante subversivos para a época, mas que seguia a cartilha conservadora da burguesia francesa. Ali, já nos primeiros anos de vida, se encantou pela filosofia budista e pelas viagens que descobriu nos livros de Julio Verne e Fenimore Cooper.
Talvez tenham sido os romances que criaram nela o desejo incontrolável de explorar o mundo e de se livrar do futuro que havia sido traçado para ela. Mas Alexandra David-Néel acredita que a sementinha foi plantada muito antes disso: “É provável que as histórias de todas essas aventuras tenham entrado na minha cabeça antes mesmo de nascer”, escreveu ela certa vez.
Aos três anos, escapou da babá e foi encontrada perambulando sozinha pelo bosque de Vincennes, na França. Aos 15, foi passar férias com a família em Ostende, na Holanda. Sem avisar ninguém, pegou um barco para a Inglaterra, de onde teve que voltar dois dias depois, faminta. Dois anos mais tarde fugiu novamente, percorrendo de bicicleta a distância da Holanda até Nice, na França. E aos 19, viajou a pé da Suíça até a Itália.
Seu histórico de fugas só teve fim aos 22 anos, quando terminou seus estudos de Sânscrito e Tibetano na College de France, alcançou a maioridade e herdou uma bolada da avó. Ela então seria livre para viver da forma como sempre sonhara. E, durante toda a vida, ela sentira fascinação por terras distantes. Durante suas visitas ao Museu Guimet – o Museu Nacional de Arte Asiática em Paris – que usava de local de estudos, deparou-se com uma estátua de Buda que a deixou impressionada. Ali, mergulhada no aprendizado da filosofia Budista, adotou-a como uma vocação de vida em uma época em que pouco se sabia sobre o tema no Ocidente.
Em 1890, realizou seu sonho de conhecer a Índia para estudar de perto a religião. Depois, viajou ao Vietnã, conhecido na época como Indochina, e se juntou à Companhia de Opera do Teatro de Hanoi, como cantora. Viajou com elas pelo Norte da África e pela Grécia.
Aos 36 anos, casou-se com Philippe Néel, um empresário francês que conheceu em Tunis, mas encontrou dificuldade de se conformar com o papel de esposa. Feminista, não queria filhos, e as limitações da vida de uma burguesa casada a levaram à depressão. Buscando saciar os anseios da esposa, Philippe a envia em uma viagem de estudos à Índia. O acordo é que ela ficaria no país por 18 meses. Ficou 14 anos.
Em uma de suas muitas viagens pelo país, conseguiu uma entrevista com o XVII Dalai Lama, que estava exilado na fronteira com o Tibet depois que o país foi invadido pela China, em 1908. O encontro foi um fato inédito: nunca antes uma mulher não tibetana havia tido a honra de estar na presença do líder espiritual. Saiu dali com o convite de visitar Lhasa, capital do Tibet, na época proibida para estrangeiros.
Durante os 11 anos seguintes, tentou visitar a cidade diversas vezes. Na companhia de Yongden, um jovem tibetano de 14 anos que ela adotou como companheiro de viagem e como um filho, viu as tentativas falharem repetidamente. Até que, as 56 anos, fantasiou-se de mendiga peregrina e partiu a pé pelas montanhas do Tibet. Enfrentaram o frio e a fome, receberam esmolas e doações de comida, em uma viagem que durou três anos (algumas fontes falam em oito meses, na verdade). Tiveram que tomar uma sopa feita com o couro das botas e, dias mais tarde, começaram a congelar em meio a neve, até que Yongden se lembrou de uma meditação que, acreditavam, ajudava a acender o fogo interior. Aos poucos, sentiram o calor voltar ao corpo e seguiram viagem. Os momentos finais foram os mais dramáticos. Yongden torceu o joelho e eles foram obrigados a se abrigar em uma cabana, sem comer nem dormir por seis dias.
Chegaram a Lhasa em 1924 e, ali, ela aprofundou seus estudos sobre o budismo até ser nomeada Lady Lama, honra que marcou sua total aceitação por parte dos tibetanos. Grande parte das experiências e aprendizados dessa época ela retrata em seus mais de quarenta livros. O mais famoso deles é o “Viagem ao Tibet”.
No livro “Místicos e Magos do Tibet”, ela descreve uma situação curiosa: apesar de todos os seus mestres terem a alertado, ela se interessou por uma prática perigosíssima, conhecida como a conjuração de uma tulpa. A magia consistia em materializar uma entidade ou objeto através da força do pensamento. Alexandra idealizou um homenzinho pequeno e gordo, de personalidade alegre e inocente que deveria servir a ela como escravo. Depois de muito tentar, ela consegue materializá-lo e, no início, a entidade trabalhou conforme os desejos dela. Com o tempo, no entanto, passou a ter vontade própria e a agir de forma malévola. Com medo da própria criação, ela precisou de seis meses para reverter o processo e se desfazer da tulpa. Sobre o episódio, ela disse: “Não há nada estranho na circunstância que possa ter criado a minha própria alucinação. O interessante é que nestes casos de materialização, outras pessoas vêem as formas de pensamentos criadas”.
Alexandra David-Néel morreu em sua casa nos Alpes, aos 101 anos, quando corrigia as provas de seu último livro.
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Muito bom seu artigo, estou acompanhando eu blog há alguns dias e posso dizer é estou adorando. Sempre tem conteúdo de qualidade com bastante dicas e informações interessantes!
Parabéns!
Olá Antonella,
Obrigada! Fico feliz que tenha gostado!
Abraços 🙂