Instituição mais poderosa do mundo durante a Idade Média, a Igreja Católica não era livre de críticas, mas gostaria de ser. Foi assim que surgiu um movimento rebelde na França – ou herege como diria o Papa da época – que questionava o acúmulo de riquezas e a corrupção da igreja.
O movimento surgiu no berço da própria igreja, com paróquias de cidades como Toulouse, Carcassone e Albi, na região do Languedoc, discutindo ideias perigosas para o catolicismo. Provavelmente suas origens vieram das rotas comerciais, onde outras ideias rebeldes apareceram, como bogomilismo na Bulgária e seitas chamadas gnosticas. No século 12, as paróquias dessas cidades abandonaram formalmente a crença católica. A confusão estava armada e logo começou a se espalhar para além das fronteiras francesas.
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A catedral de Albi, onde nasceu o catarismo
Quem eram os cátaros?
Os cátaros, termo que tem origem grega e significa “puro”, chamavam a si mesmos de “bons homens” e “boas mulheres. Acreditavam que existiam dois deuses. Um Deus Bom, que representava o espírito, e o Deus Mau, que era correspondente ao campo material. Ou seja, todas as coisas materiais, incluindo o próprio corpo humano, eram consideradas corrupções criadas pelo Deus Mau e nosso corpo era uma prisão impura da alma. Essa necessidade de se desfazer de todas as coisas terrenas, parar com o ciclo de reencarnação e se elevar à pureza levou o historiador Zoé Oldenbourg a chamar o catarismo de “budismo ocidental.”
Eles condenavam a propriedade privada, rituais da igreja como batismo, comunhão e casamento, o dogma da Santíssima Trindade e o consumo de carnes de animais. Tudo o que tinha relação com o que era material não era bom. E é aí que aparecem também as confusões sobre o que eles acreditavam ou não. Como os cátaros são o lado perdedor dessa história e tiveram praticamente todos os seus documentos e textos queimados, fica difícil entender o que é pura invenção sobre suas crenças e aquilo que era verdade.
Por exemplo, há textos que falam que os cátaros não viam problema em matar uma mulher grávida, enquanto outros dizem que eles eram contra assassinato. A igreja os acusava de sodomia, mas também dá para encontrar noticias de que eram contra o sexo e a reprodução. Enfim, muita boataria.
A cruz que é símbolo da região Occitânia também era um símbolo do movimento cátaro. Na foto, a Praça do Capitólio, em Toulouse.
Há um consenso sobre o único ritual do catarismo, chamado consolamentum, que tinha como função retirar o pecado e fortalecer a presença do Espírito Santo na pessoa. Ele deveria ser realizado uma única vez na vida, tendo em vista que o conceito de pureza cátara era bastante estrito. Por isso, era comum realizá-lo em pessoas que estavam perto da morte. Dizem os boatos que, uma vez feito o consolamentum, a pessoa podia cometer suicídio, praticar jejum ou até mesmo ser sufocada por um travesseiro, para morrer logo, antes de perder sua condição de pureza.
O consolamentum também era o ritual para fazer os crentes alcançarem a condição de perfeitos, que eram os bispos da crença cátara. E essa era basicamente a única hierarquia do catarismo, que também contava, abaixo dos perfeitos, com os filhos maiores e os filhos menores, para realizar as tarefas que cabiam à paróquia.
Fortaleza de Carcassonne
Os crentes perfeitos tinham que seguir uma vida de restrições e eram os que poderiam fazer o rito do consolamentum e pregar a fé cátara. É interessante dizer que, ao contrário da Igreja Católica, mulheres também poderiam ser consideradas perfeitas. Para eles, a ideia da diferenciação entre gêneros era errada. Uma vez que o corpo material era uma criação do Deus Mau, então a diferença entre homens e mulheres não tinha importância. O espírito é imaterial e sem sexo. Obviamente, a ideia de que as mulheres também podiam ser líderes espirituais atraiu muitas delas ao catarismo.
O Papa x o Catarismo: a Cruzada Albigiense
O catarismo se espalhou entre camponeses, mercadores e chegou até a nobreza. Tanto eles eram populares, inclusive protegidos por nobres e bispos católicos, que foram inúteis as primeiras tentativas dos papas de acabar com o movimento considerado herege.
De 1147 a 1209, numa espécie de cruzada espiritual, a Igreja Católica enviou sistematicamente delegados papais para essa região da França, com o objetivo de reprimir o catarismo e convertê-los de volta ao catolicismo. Bispos perderam cargos, pessoas foram excomungadas, mas a fé seguia crescendo.
O estopim desse baú de pólvora foi em 1208, quando o Papa Inocêncio III enviou Pierre de Castelnau, um monge e advogado canônico, para falar com o conde Raimundo II, que era o governante de Toulouse. Castelnau excomungou Raimundo, mas no caminho de volta para Roma foi assassinado em represália.
Foi assim que o Papa convocou uma cruzada contra os cátaros. O Rei da França se recusou a liderar o movimento e nem permitiu que seu filho o fizesse. O Vaticano, passando por cima dos poderes do Rei, lançou um decreto papal que permitia a tomada das terras de cátaros e seus apoiadores. Foi a desculpa perfeita para que os nobres do Norte da França se jogassem de cabeça contra os nobres do sul, na chamada Cruzada Albigense, que tem o nome por causa da cidade de Albi.
A Cruzada Albigiense durou 20 anos e massacrou o população do Languedoc. Em batalhas nas cidades de Béziers e Carcassone, a população foi massacrada – sem diferenciação entre católicos e cátaros – chegando a pelo menos sete mil mortos, incluindo crianças.
A cruzada só terminou em 1229, quando Raimundo II assinou o Tratado de Paris, concordando que a Casa de Toulouse perdesse boa parte dos seus feudos para a Coroa Francesa. Porém, apesar do massacre, o catarismo ainda não estava extinto.
O ressurgimento da Inquisição
Mais ou menos em 1206, Domingos de Gusmão, um padre católico, caminhou por essa região para acompanhar um bispo e, ao observar o cenário de guerra, percebeu o porquê do catarismo ter feito tanto sucesso: os enviados do Papa vinham tentar combater os chamados “hereges” apresentando-se com toda a pompa e circunstância, enquanto os tais hereges pregavam e viviam uma vida simples, humilde e comunitária. Domingos envolveu-se então na pregação tentando usar as mesmas técnicas dos heréticos: participando de debates públicos e falando com uma linguagem que todos compreendiam.
Representação de um debate de São Domingos contra os cátaros
Mais tarde, em 1216, Domingos, que acabou virando santo, fundou a Ordem Dominicana, ou Ordem dos Pregadores, com o foco em combater as heresias da fé por meio da pregação, participação na vida comunitária e do estudo. O convento dos Jacobinos, uma das principais atrações de Toulouse, foi construído para a Ordem. Ao contrário das igrejas comuns, aquele era um espaço de pregação. O formato da igreja, com colunas no centro e o altar bem no meio da nave, era para facilitar as conversas dos frades com a comunidade. Entre os membros da Ordem Dominicana estava São Tomás de Aquino, até hoje um dos mais importantes teólogos do catolicismo. O crânio dele encontra-se no convento em Toulouse.
Para perseguir os hereges que tinham sobrado, o Papa Gregorio IX, em 1233, mandou avisar todo mundo – por meio de duas bulas: que comece a Inquisição. O poder de inquisidores foi dado à recém criada Ordem Dominicana. Caberia a eles investigar e punir rebeldes. O resultado disso foi que, em 1244, mais de 200 pessoas foram parar numa enorme fogueira na fortaleza de Montségur. Isso sem contar tantas outras mortes e torturas realizadas a fim de que os cátaros que restavam “confessassem seus pecados”.
Foi assim que o catarismo chegou ao fim, pelo menos na França. A Ordem Dominicana só cresceu, tendo grandes mestres em universidades e muito poder por conta da inquisição. Somente alguns séculos mais tarde, por conta da peste negra, é que perdeu a força que tinha no continente europeu.
Viaje por essa história
Fortaleza de Carcassonne
Para saber mais sobre a história dos cátaros, vale a pena ir direto à fonte: basta visitar a região da Occitânia, na França, também conhecida como Languedoc. Diversas cidades ali ainda guardam memórias das batalhas das cruzadas e ruas com nomes dos hereges.
Saiba mais nos nossos textos sobre Toulouse, Carcassonne e Albi.
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Os Cátaros foram dizimados a mando do papa Gregório durante 30 anos, não por ser considerados hereges mas, por acreditarem que Maria Madalena foi a apóstola maior de Cristo, inclusive sua esposa dando-lhe filhos, inclusive prestando-lhe culto.
As únicas mulheres que ficaram durante a crucificação de Cristo foram as Marias, Madalena também foi a primeira testemunha de sua ressurreição, portanto, o machismo e a inveja da igreja romana fez dela uma prostituta, quando na verdade foi a escolhida e amada dentre os apóstolos.
Somente em 1969 é que a igreja veio tratar Madalena de forma diferente, mesmo assim deixando-a como uma pecadora qualquer…
Essa igreja romana é uma verdadeira blasfêmia do cristianismo verdadeiro, se é que não foi inventado por ela, misturando o paganismo com o Mitraísmo para criar uma agenda de poder.
Essa igreja, tem que ser estuda como o maior símbolo da mentira existente no planeta!!!
Oi Carlos,
Eles eram hereges porque ameaçavam o grande poder da igreja. Essa questão da Maria Madalena era só mais um dos motivos para serem dizimados.
Concordo, um motivo contrário a sua agenda de poder já era o suficiente para levar qualquer um à morte. Desde à sua criação até os dias atuais isso continua, pois esse mantra dos “crescei-vos e multiplica-vos” só tem contribuído para o crescimento da miséria e da escravidão moderna…
Os palácios são os mesmos, os sacerdotes são os mesmos, a prática é a mesma, ou seja, suntuosidade em Roma e nas igrejas, pobreza e ignorância nos seguidores!