Se você ainda é da turma que acha que azul é cor de menino e rosa é cor de menina, e que o mundo é assim e as pessoas têm que parar de querer mudar, pense outra vez. Os papeis de gênero tais como conhecemos em nossa sociedade são construções que somente correspondem a uma forma de ver o mundo, encerrada em um espaço e tempo específico. Ao longo da História e até os dias de hoje, inúmeras sociedades romperam com o modelo binário de gênero que atribui papéis de acordo com o sexo biológico.
A ocorrência de sistemas de gênero não-binários é tão comum na humanidade que surgiu em todos os continentes e em todos os períodos históricos. São culturas que, se observadas de perto, mostram que a forma usada por nós para lidar com sexualidade, sexo e identidades é apenas uma entre as muitas possibilidades existentes e que nada é uma verdade absoluta neste mundo. Há culturas que reconhecem três, quarto e até cinco gêneros, cada um deles com diferentes papéis e contribuições sociais. Conheça agora algumas delas.
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Mahu (Polinésia)
Na língua havaiana, “Kane” significa “masculino” e wahine “feminino”. Os antigos povos que construíram nesse isolado arquipélago do pacífico uma grande civilização, com idioma, cultura e filosofia próprias, no entanto, reconheciam que algumas pessoas não são apenas um ou apenas outro. Esses são os “Mahu”, uma identidade de gênero ambígua que incorpora características consideradas tanto masculinas quanto femininas pelos havaianos. E não entenda mal, não é que eles fossem um menino que queria ser menina ou uma menina que queria ser menino. Eles são os dois, tudo junto e misturado.
Tradicionalmente, os Mahu eram valorizados como cuidadores, curandeiros e guardiões dos valores e costumes. Hoje, muito dessa cultura ancestral já se perdeu, mas ainda há movimentos no Havaí que se esforçam para preservar as tradições de seu povo e, entre elas, o reconhecimento social dos Mahu, embora nos dias de hoje o termo também seja usado para se referir aos transexuais. Se você sabe um pouco de inglês, tem um documentário legal sobre os Mahu nos dias de hoje lá no Youtube.
Quariwarmi (Império Inca)
Na América pré-colombiana, os Incas adoravam a Chuqui Chinchay, uma divindade que incorporava os gêneros masculino e feminino. Os xamãs que conduziam os rituais sagrados em honra a essa divindade pertenciam a um terceiro gênero, conhecido como Quariwarmi. Eles cultivavam um visual andrógeno como um sinal de que representavam um terceiro espaço que negociava entre o feminino e o masculino, o presente e o passado, os mortos e os vivos. Foram condenados como sodomitas com a chegada dos espanhóis.
Guevedoche (República Dominicana)
É raro que gêneros não-binários surjam a partir de critério biológicos, mas isso ocorreu na República Dominicana. Há um traço genético hereditário que faz com que bebês nasçam com gônadas masculinas, mas aparentem ter genitália externa feminina até a puberdade, quando se desenvolvem como garotos (genitália incluída). Como normalmente essas crianças foram criadas como meninas até mais ou menos os 12 anos, em vez de mudarem o gênero, os dominicanos acabam encaixando-as em um terceiro gênero, e a maior parte se identifica como Guevedoche (que significa “testículos aos 12”) ou machi-embra (macho-fêmea).
Two-Spirit (América do Norte)
Diversos povos originários da América do Norte reconhecem identidade de gênero não-binárias, conhecidas como Two Spirit (Dois Espíritos). A ideia é que em um só corpo habita ao mesmo tempo um espírito feminino e masculino.
A ideia era aplicada para pessoas que desempenhavam papeis sociais atribuídos a ambos os gêneros. Existe uma enorme diversidade de termos, papéis e identidades entre os povos nativos dos Estados Unidos e Canadá, mas é amplamente aceito entre os estudiosos que a grande maioria deles reconheciam um ou mais gêneros não-binários e a existência de pessoas com dois espíritos era algo corrente na maior parte das tribos.
Bissu (Indonésia)
Maior grupo étnico do sul da Indonésia, os Bugi reconhecem não apenas duas ou três identidades de gênero, mas cinco. Além do Makkunrai (feminino) e Oroané (masculino), eles também têm o gênero calabai (um equivalente aproximado de homem trans), calalai (mais ou menos o que seria pra gente uma mulher trans) e bissu, que é algo como uma união de todos os gêneros.
É comum que pessoas interssexuais (aquilo que antes chamávamos de hermafroditas) sejam consideradas bissu, porém há diversos indivíduos com órgãos sexuais completamente femininos ou masculinos que se identificam com o gênero. Eles usam roupas e acessórios tradicionalmente associados tanto ao gênero masculino quanto feminino e possuem um importante papel na sociedade, em especial na condução de rituais religiosos. Em 1949, passaram a ser perseguidos por radicalistas islâmicos, porém há grupos que atuam no país na tentativa de proteger os direitos dos bissus.
Aravani (India)
Foto: Shutterstock
A Índia é famosa por reconhecer judicialmente os hijra (equivalente aos nossos transexuais, travestis e eunucos) como terceiro gênero. Embora desde o domínio britânico sejam discriminados pela sociedade e acabem precisando recorrer à prostituição e mendicância para sobreviver, a tradição dos hijra é ancestral. Uma vertente dessa tradição, praticada no estado do Tamil Nadu, é a Aravani, pessoas que nascem homens, mas adotam papeis femininos em estágios bastante precoces de seu desenvolvimento. O nome significa noivas de Aravan, uma deidade hindu.
A tradição tem raíz no antigo livro Mahabharata, um clássico épico indiano e um dos textos sagrados mais importantes do hinduísmo. Em uma passagem, o texto conta que os Pandavas, filhos de Pandu, poderiam conquistar Kurukshetra se sacrificassem um homem perfeito entre eles. Aravan, filho virgem de Pandav, se ofereceu para sacrifício. Seu único pedido foi que ele passasse uma noite como um homem casado.
Como nenhum rei queria oferecer uma de suas filhas em casamento a um homem que tinha os dias contados, Lord Krishna assumiu sua forma feminina e se casou com Aravan. A cada ano, durante a primeira lua cheia do mês Tamil (correspondente ao nosso abril/maio), os Aravanis se reúnem em Koovagam para celebrar esse mito. Eles se identificam como a forma feminina de Krishna.
Muxes (México)
“Nem homens, nem mulheres, tudo ao contrário”. É assim que se definem os Muxes y Nguiu’, indivíduos pertencentes ao terceiro gênero do povo Zapoteca, no istmo de Tehuantepec, no sudoeste do México. Os Muxes são homens que assumem uma identidade feminina sem necessariamente abrir mão da masculina. É considerada uma condição de nascença, o que quer dizer que os zapotecas acreditam que a pessoa não tem escolha em se tornar muxe, é algo que carrega com ela. Eles se dedicam a tarefas como o bordado, decoração de festas, cerâmica e comércio e em algumas famílias, o nascimento de um muxe é considerado uma benção. Costumam se relacionar com homens que se definem como heterossexuais. Quer saber mais sobre eles? Durante o tempo que passei no México, conheci um grupo de muxes. Para saber o que eu aprendi, leia o post “A terceira via: a luta diária dos muxes e a fluidez de gênero no México“.
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Minha nossa como você aguentou esse Henrique falando asneira! KAKALALA vindo do futuro pra mandar ele tmnc!
kkkk esse dia foi foda! Muito obrigada pelo apoio do futuro kkkk
Muito interessante!
Obrigada, Cris!