Você sabia que as duas dinastias mais poderosas da história de Portugal foram fundadas por bastardos? Neste texto você conhece a história dos Jon Snows da vida real, Mestre de Avis e D. Nuno Álvares, cuja aliança e estratégias, fundaram as dinastias de Avis e Bragança.
Tudo começa com outra grande lenda portuguesa, o caso de Pedro e Inês. Dom Pedro I (de Portugal, não do Brasil), teve D. Fernando, com a sua primeira esposa, Constança Emanuel. Foi Fernando quem foi coroado com a morte do pai. Além disso, Pedro teve dois filhos do casamento escondido com Inês de Castro: Dom Dinis e Dom João.
Para complicar um pouco mais a história, ele teve outro filho chamado João, esse um verdadeiro bastardo, filho de uma de suas amantes. Esse João era mais conhecido como Mestre de Avis, título de uma ordem militar-religiosa que seu pai, o rei, lhe concedeu.
D Fernando I, o filho legítimo coroado rei de Portugal, casou-se com Leonor Teles e só teve uma filha mulher, Beatriz, que aos 11 anos foi enviada para a Espanha para se casar com o Rei de Castela, cujo nome você pode imaginar: João I.
A crise dos “Joãos” e a Dinastia de Avis
Em outubro de 1383, Dom Fernando I morreu. E a confusão se instaurou, porque, basicamente todos os “Joãos” passaram, à sua maneira, a cobiçar o trono.
De um lado, estava a Rainha Leonor como regente, que era odiada pelos portugueses. Ela também apoiava a pretensão de sua família ao trono, o que colocaria João I de Castela no governo, acabando com a independência do país. Do outro, o Dom João, filho de Pedro e Inês, um homem amado no reino e o nome mais indicado a virar rei. O problema? Ele estava no lugar errado e na hora errada quando o irmão morreu: no reino de Castela. Assim, acabou preso em Salamanca enquanto toda a crise se desenrolava.
E correndo pelas beiradas estava o Mestre de Avis, que teoricamente não poderia entrar na disputa por ser bastardo. No entanto, ele conseguiu apoio dos ingleses, dos nobres de segunda linha e da burguesia. Com isso, em dezembro de 1383, ele foi ao Paço Real em Lisboa e assassinou o amante galego de Leonor – que fugiu – e assumiu a regência.
O assassinato do Conde Andeiro, o amante da rainha Eleonor
Obviamente, o Reino de Castela não gostou da jogada de poder. João I de Castela também se declarou rei de Portugal, por direitos de casamento. Começou então uma guerra civil, que se desenrolou de 1383 a 1385, com cada vila e casa nobre apoiando um lado.
Um dos principais apoiadores do Mestre de Avis era um jovem nobre chamado Nuno Álvares Pereira (guarde esse nome). Ele provou-se um grande general e estrategista brilhante. Foi o responsável pelas inúmeras vitórias, incluindo a famosa batalha de Aljubarrota, que finalmente expulsou os castelhanos do território português e terminou na construção do Mosteiro da Batalha.
Em 1385, o Mestre de Avis, através de uma série de acordos e estratégias jurídicas, foi declarado rei pelas cortes portuguesas – o primeiro governante português a ser eleito numa assembleia popular que incluiu comerciantes. Tornou-se D. João I e criou a dinastia de Avis. O rei se casou com uma princesa inglesa, Felipa de Lancastre, garantindo uma longa aliança entre Inglaterra e Portugal.
De bastardo a rei: Dom João I de Portugal, o Mestre de Avis
A Dinastia de Avis, ou Dinastia Joanina, passou a investir em navegações e na conquista de novos territórios, como o norte da África e, depois, a América.
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O Condestável de Portugal e a dinastia de Bragança
Importante dizer que Nuno Álvares também era um filho bastardo de um nobre importante, que gerou trinta e três filhos, nenhum de seu casamento oficial. Ele passou a ser muito amado no reino pelo seu papel fundamental na vitória contra Castela. Com isso, ganhou o título de Condestável de Portugal, que era um cargo de chefe do exército, abaixo apenas do rei. Também recebeu a doação de diversas terras e títulos, que o tornaram o principal senhor do reino.
Dom Nuno Alvares, condestável de Portugal. De bastardo a santo!
E aí entra a sua capacidade estratégica, para além da área militar: o condestável tinha uma única filha, Dona Beatriz, e dada sua posição na corte, somente um casamento real estaria a altura dela. O Rei chegou a oferecer o casamento com o príncipe, o que Nuno Álvares recusou. É que, caso aceitasse, seu nome se misturaria com o da casa real e apagaria seu legado.
Resolveu então casar D. Beatriz com ninguém mais, ninguém menos, que o filho ilegítimo do rei, D. Afonso. Com isso, em 1401, o Dom João I criou o Ducado de Bragança e doou uma série de terras ao casal – e D. Nuno fez o mesmo, criando a Casa de Bragança, a mais rica de Portugal.
Mas as estratégias de consolidação familiar de D. Nuno não pararam por aí. Em 1415, ele decidiu largar a vida militar e se dedicar à caridade e a religião. Ele foi tão bom nisso que eventualmente foi canonizado e desde 2009 é o Santo Condestável.
Além disso, ele distribuiu toda a sua herança igualmente aos três netos. Isso não era comum para época: normalmente, a herança seria concentrada para sua filha ou, muito raramente, ao neto primogênito. Porém, ao fazer isso, Nuno Álvares garantiu poder, dinheiro e uma capacidade para alianças matrimoniais que normalmente os segundos filhos nunca teriam. Isso tudo sem atrapalhar em nada o ramo principal da Casa de Bragança, que já era riquíssimo.
Sua família, com essa estratégia, cresceu forte, com ramificações poderosas, casamentos dignos de reis, sobrevivendo aos reveses históricos sem perder a importância. Passou a ser conhecida como a Sereníssima Casa de Bragança. Em 1501, D. Jaime, no cargo de Duque, começou a construir o Paço Ducal de Vila Viçosa, um palácio digno de Versalhes, numa pequena vila no Alentejo.
Uma reviravolta: de Avis a Bragança
A dinastia de Avis seguiu no poder. Já os duques de Bragança permaneceram como a segunda casa mais importante do país, por dois séculos. Então, o jovem rei D. Sebastião desapareceu numa batalha no Marrocos. Como ele não tinha herdeiros, isso iniciou uma nova crise sucessória.
O resultado, porém, foi menos favorável à independência Portuguesa. Porque foi o Rei Filipe II da Espanha que conseguiu assumir o trono. E então, durante 60 anos, Portugal foi governado por monarcas espanhóis. Ao mesmo tempo, o palácio dos duques de Bragança, em Vila Viçosa, funcionava como uma corte paralela, não só militar, mas também com vida cultural única em Portugal.
Os reis espanhóis, atentos ao perigo que a casa de Bragança representava, lhes vetaram casamentos para controlar aumento de terras e ainda mais proximidade com casas reais. Mas isso não foi suficiente. Em 1640, os nobres portugueses se revoltaram contra a dinastia filipina e iniciaram uma revolução chamada de Restauração da Independência.
Tal guerra estava centrada na ascensão de D. João, Duque de Bragança, ao título de D. João IV. Ele manteve, entretanto, os bens da Casa de Bragança, agora uma Dinastia, separados da coroa. Foram membros da Dinastia de Bragança que governaram o Brasil até 1889 e Portugal até 1910. De bastardos a imperadores em algumas centenas de anos.
Brasão da Dinastia de Bragança
Post com dicas para visitar locais históricos em Portugal:
• Visita ao Paço Real de Vila Viçosa
• Conheça o Mosteiro da Batalha, em Óbidos
Para saber mais sobre o tema:
História Libidinosa de Portugal (e-book)
Como é que o sexo, o desejo, o adultério e as paixões mais ou menos secretas dos nossos líderes influenciaram a História de Portugal ao longo dos séculos?História Libidinosa de Portugal aborda questões espinhosas como a sucessão dinástica e a extraconjugalidade na evolução de um país que deve as suas origens mais remotas ao adultério de um soberano de Leão e Castela e que foi oferecido como dote a uma bastarda real. Num registo solto e rigoroso, o autor recorda o mistério sobre a filiação de Afonso Henriques, as acusações de bigamia contra Afonso III, o amor incendiário de Pedro I e Inês de Castro, a predileção por freiras de João V, as aventuras homossexuais de João VI ou os rumores sobre o lesbianismo da rainha D. Amélia.
Com a instauração da República, o sexo perdeu importância para o regime, mas continuou a confundir-se com os assuntos de Estado. O presidente Manuel Teixeira Gomes ficou conhecido como apreciador de ninfetas e rapazinhos; Salazar, celibatário com fama de casto, manteve várias ligações românticas longe dos olhares públicos; Sá Carneiro e Snu Abecassis protagonizaram uma história de amor que desafiou os bons costumes da época; José Sócrates viu a sua intimidade cair na praça pública quando rebentou o maior escândalo da democracia portuguesa. Um olhar imperdível, singular e mordaz sobre a nossa identidade enquanto país. Saiba mais: https://amzn.to/3162zqG
Bastardos Reais: Os Filhos Ilegítimos dos Reis de Portugal (e-book)
Ao longo de quase oitocentos anos, duas mulheres e 32 homens sentaram-se no trono de Portugal. Destes soberanos, apenas seis não tiveram filhos. E dos 26 restantes, só dois não terão tido filhos ilegítimos. Segundo os testemunhos que a História nos deixou, todos os outros foram pais de bastardos. Estes filhos ilegítimos dos reis de Portugal assumiram papéis de relevo e cargos influentes, tanto na corte como no estrangeiro. Desempenharam ofícios importantes e diversos – um foi mordomo mor, outro capitão na conquista de Ceuta, outro ainda foi arcebispo de Braga. Dom João I, sendo bastardo, foi um dos reis mais proeminentes de Portugal. E outros houve, por seu lado, que foram líderes da oposição, criando instabilidade e promovendo a rebeldia do povo contra os seus pais e irmãos no poder. Reconstituindo a vida de todos estes homens e mulheres, Bastardos Reais revela-nos uma parte escondida e apaixonante da História de Portugal. Saiba mais: https://amzn.to/33XtQgQ
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