Quando, durante uma de suas expedições pelo Novo Mundo, o espanhol Gonzalo Jimenez de Quesada encontrou-se com o povo muísca, no coração da selva Amazônica, não sabia que seria ele o responsável por criar a lenda de El Dorado e uma corrida do ouro que duraria séculos.
O ano era 1532 e pouco ainda se sabia sobre as riquezas, perigos e mistérios que viviam nas sombras da enorme floresta tropical. Quesada falou em seus relatos de viagem sobre um rei tão rico, mas tão rico, que cobria todo o seu corpo com ouro e, do meio de uma canoa, jogava pedras preciosas em um lago como oferenda aos deuses.
Naquela época, já não era segredo para ninguém do outro lado do Atlântico as quantidades absurdas de ouro, prata, esmeraldas e outras pedras encontradas nas colônias americanas, e a ideia de um soberano detentor de tanta riqueza logo atiçou a ganância e a imaginação dos espanhóis. Imaginação que era alimentada por mais e mais relatos que chegavam dos exploradores na América do Sul.
A cada contato com indígenas, pipocavam narrativas que sustentavam a existência de um lugar de fortuna extraordinária perdido no meio da floresta. Algumas vezes, essas histórias contadas pelos indígenas tinham como objetivo agradar os conquistadores ou conseguir apoio em guerras entre as tribos. Foi o que ocorreu com Sebastián de Belalcazar, que, em 1535, após dominar o último enclave Inca, escutou de um nativo a confirmação da existência do rico reino, na tentativa de convencer o comandante a apoiar seu povo em uma guerra contra os muíscas.
Cena da animação O Caminho para El Dorado (2000), da Dreamworks. Reprodução.
De lá pra cá, quem contou o conto, aumentou um ponto, e a lenda de El Dorado floresceu. Havia quem falasse em ouro que “brotava da terra como as plantas”, tão “abundante quanto os peixes nos rios”. O suficiente para erguer uma cidade inteira construída com o metal e decorada com as mais diversas pedras preciosas. Uma riqueza sem tamanho oculta entre a densa vegetação da selva amazônica.
Por séculos, El Dorado foi a motivação que levou centenas de exploradores a desbravar o território sul-americano em busca da fama e fortuna que conseguiriam ao encontrá-la, sem sucesso. A cada nova expedição, uma nova provável localidade era apontada. O que começou na Amazônia colombiana cruzou fronteiras e se estendeu para o Equador e Peru e, depois, cada vez mais ao leste, rumo à Venezuela, Brasil e Guianas.
Houve até mesmo quem apontasse o Deserto de Sonora, no México, como a verdadeira localização de El Dorado, mas a cidade sempre acabava por virar fumaça nas mãos dos conquistadores.
Lago Guatavita, na Colombia, a origem da lenda de El Dorado. Foto: Shutterstock.
El Dorado: um único metal, duas culturas
A lenda de El Dorado é a exemplificação do gigantesco choque de culturas desencadeado pela chegada dos europeus às Américas. De um lado, a sede de ouro, a urgência de explorar economicamente o novo território e de se apropriar de qualquer tipo de riqueza que por aqui encontrassem. De outro, civilizações com outros valores, costumes e simbolismos.
Para os povos originários da América Latina, metais e pedras preciosas não tinham valor econômico, apenas ritualístico. Eram usados em decoração de templos, palácios e tumbas, na confecção de utensílios e em oferenda aos deuses. A economia era movida pela troca e, em algumas situações, diferentes materiais – como tecidos de algodão, cacau e milho – faziam um papel parecido com a moeda, calibrando o valor das mercadorias.
E o que o comandante Quesada viu naquele dia de 1531 não foi uma demonstração de riqueza como ele pode ter interpretado, mas sim um ritual tradicional entre os muíscas, população que habitava o altiplano colombiano desde 800 D.C e que chegou a ser a terceira mais populosa do continente, depois dos Astecas e dos Incas, mas desapareceu no século 18 como consequência da colonização.
Na época, eles coroavam seus governantes cobrindo-os com resina e depois com pó de ouro e enviando-os para o centro de um lagoa em uma jangada, de onde ele fazia oferendas aos deuses para pedir por um bom e próspero reinado. Muitos acreditam que essa lagoa seja a Lagoa Guatavita, localizada no município de mesmo nome, a 75 km de Bogotá.
No século 16, os espanhóis chegaram a encontrar e até mesmo a tentar drenar a lagoa, na tentativa de alcançar a riqueza que estaria depositada ali. De fato, algumas joias e pedras preciosas foram recuperadas nas margens, mas naquela época eles não conseguiram chegar ao fundo. Mesmo depois disso, a busca por uma El Dorado mítica prosseguiu. De acordo como o arqueólogo José Oliver, em uma palestra na University College London, a lenda de El Dorado perdurou por tanto tempo porque havia o desejo de que a história fosse real.
Miniatura de El Dorado no Museu do Ouro de Bogotá
Hoje, os estudiosos aceitam que El Dorado nunca existiu como um lugar, mas sim como uma pessoa, o rei dos muíscas. Duas pequenas esculturas de ouro que representavam o ritual foram encontradas por arqueólogos nos séculos 19 e 20. A primeira desapareceu num incêndio que atingiu o navio que a levava para a Europa.
A segunda está exposta no Museu do Ouro de Bogotá, ao lado de dezenas de peças esculpidas pelos muíscas que, de acordo com pesquisadores do próprio museu, tinham técnicas únicas de manejo do metal, diferentes de tudo o que os europeus conheciam, e uma produção excepcional de ouro, na altura da chegada dos espanhóis.
Essas habilidades acabaram tornando-os bastante visados pelos conquistadores. E tudo o que eles queriam era agradar aos deuses.
El Dorado – Serviço
Museu do Ouro de Bogotá
Endereço: Cra. 6 #15-88, Centro, Bogotá
Funcionamento: 9h às 18h.
Fecha às segundas-feiras.
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Obrigada, Emilly!
Mais tem a possibilidade de El Dorado realmente ter existido? E estar nos dias de hoje em algum lugar na floresta amazônica?
muito bom, vou usar essa lenda para o meu quadrinho
Que legal, Wesley, espero que ajude! 🙂
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