Bola em campo, equipe a postos. O objetivo: passar uma pequena bola de borracha por um aro vertical feito de pedra, utilizando, para isso, os joelhos, cotovelos e quadris. O melhor jogador da equipe faz uma jogada com o quadril, a bola bate contra o aro e quica para longe. Não parece fácil, e não é. Gol ali é coisa rara, pode demorar horas, talvez dias. Mas, na arquibancada, espectadores pacientes vibram a cada lance, ansiosos para saber quem sairá vivo daquela disputa. Afinal, como já dizia aquela canção do Skank, bola na trave não altera o placar, mas que beleza é uma partida de Pok-ta-Pok!
Ao caminhar por qualquer um dos muitos sítios arqueológicos pré-hispânicos do México e América Central, é bem provável que você passe, sem se dar conta, por cima dos gramados onde, séculos atrás, o mais popular esporte da região mesoamericana era disputado. O campo, que podia ser em formato I (no estilo romano, com os tracinhos do topo e na base da letra) ou em formato T, não diz muito aos visitantes do século 21. Mas, no passado, foi palco de uma das mais importantes manifestações culturais dos povos que ali viviam.
Conhecido pelos maias como Pok-ta-Pok (ou Pok-a-Tok) e pelos astecas como Tlachtli ou Ullamaliztli, o famoso esporte mesoamericano na verdade precede todos esses impérios. Foi criado pela civilização Olmeca, que dominou a região entre 1500 e 400 a.C. e que foi o berço de todas grandes civilizações mesoamericanas que vieram depois.
Campo do juego de pelota em Monte Albán, cidade cerimonial zapoteca no estado de Oaxaca, México
Na língua asteca, Olmeca significa “Povo do País da Borracha”. Eles habitavam uma região repleta de seringueiras no centro-sul do México, de onde tiraram a matéria-prima para a fabricação das bolas usadas no jogo que, embora pesassem entre 3 e 5 kg, quicavam bem. Tanto peso já demonstra que o esporte não era para os fracos. Os jogadores entravam em campo protegidos por pequenas almofadas de algodão ou couro em uma base de madeira nos lugares em que havia impacto com a bola.
Com o passar dos séculos, a prática sofreu alterações nas regras e ganhou variações regionais, embora mantivesse o princípio básico. Em alguns lugares, por exemplo, o jogo era disputado entre duas pessoas. Em outros, a partida era entre equipes de sete. O jogo era extremamente dinâmico, já que a bola só tocava uma vez em cada jogador antes do passe. A lógica era parecida com a do futebol ou do basquete: cada equipe tinha seu aro, que precisava ser defendido do gol dos adversários. A equipe que conseguia passar a bola pelo aro oposto primeiro era a vencedora (não, não havia 7 a 1 por ali, pessoal!). Uma única partida podia durar dias.
Na altura em que os espanhóis chegaram às Américas, o Pok-ta-Pok era praticado da região em que hoje fica o Arizona até a Nicarágua, tendo espalhado-se também pelas ilhas do Caribe, como Cuba e Porto Rico. O México ostentava, disparado, o maior número de campos: ainda existem hoje 1500 espalhados pelos sítios arqueológicos do país, alguns deles com 3500 anos.
O conquistador Hernán Cortés chegou a enviar para a Europa uma equipe asteca para se apresentar diante do rei Carlos I, em 1548. Batizaram o esporte simplesmente de “Juego de Pelotas” (criatividade, pra quê?), ainda que, convenhamos, “Pok-ta-Pok” seja um nome muito mais divertido. Não me estranha que o jogo não tenha pegado no ocidente.
Ruinas de um campo no sítio arqueológico do Tajín, no estado mexicano de Veracruz
Um esporte de sangue e dos deuses
O que não mudava de uma região para a outra era a importância do Pok-ta-Pok para aquelas sociedades. O esporte não era considerado apenas um jogo recreativo, mas tinha um forte valor ritual e, algumas vezes, também bélico. Em diversas ocasiões, as cerimônias após o jogo incluíam o sacrifício da equipe perdedora. Isso era particularmente comum entre os Maias, mas ocorria também em outras civilizações. Além disso, o esporte era considerado uma atividade nobre, e as partidas oficiais eram disputadas entre membros da elite e combatentes de guerra de alta patente.
Na civilização Maia, a prática era tão importante que eles viam nela um reflexo da própria vida e da manutenção da ordem cósmica, representando a batalha entre os senhores do inframundo contra adversários terrenos. Um guerreiro maia era também um jogador de bola. Nos anos tardios do Império (eles já eram completamente decadentes na chegada dos espanhóis), o esporte passou a ser uma representação das muitas guerras entre as várias cidades-estado Maias.
As batalhas eram recriadas através do Pok-ta-Pok com os prisioneiros de guerra da cidade inimiga. A derrota em vida era reproduzida em campo e, após a partida, os soldados capturados eram decapitados ou tinham seus corações arrancados num sacrifício de sangue. No sítio arqueológico Maia de Chichén Itza, no estado mexicano de Yucatán, ainda se pode ver pinturas que retratam o líder da equipe vencedora segurando a cabeça decapitada. O corpo do adversário jaz de joelhos, e sangue em forma de serpentes jorra de seu pescoço.
Pintura com a representação do jogo maia no sítio arqueológico de Chichén Itza. Foto: Tono Balaguer
Os astecas também tinham no Ullamaliztli, como eles batizavam o jogo, um forte simbolismo cerimonial. Naquele Império, no entanto, o esporte adquiriu um aspecto popular, praticado como atividade recreativa por todas as classes sociais. Jovens de elite aprendiam a jogar nas “escolas”, e os melhores se destacavam. Nas partidas, jogadores e torcida muitas vezes apostavam joias, tecidos e escravos. Os campos construídos dentro das sedes de governo e centros cerimoniais recebiam as partidas consideradas sagradas, depois das quais também eram realizados sacrifícios humanos.
O aro pelo qual era preciso passar a bola. Foto: Duarte Dellarole
Copa Peninsular Pok-ta-Pok e o juego de pelota nos dias de hoje
O Pok-ta-Pok deixou de ser praticado como esporte competitivo no século 16, com a colonização espanhola. Durante muito tempo, a única forma de ver de perto uma representação do que foi esse importante ritual mesoamericano era com os espetáculos turísticos realizados em algumas partes do México, como os que ocorrem no resort Xcaret, em Yucatán.
Desde 2015, no entanto, a Associação de Jogos e Esportes Autóctonos e Tradicionais de Yucatán passou a realizar uma Copa anual do esporte. A primeira edição contou apenas com jogadores mexicanos. Mas, em 2017, receberam também equipes de Honduras, El Salvador, Belize e Guatemala. A iniciativa pretende resgatar as tradições das populações originárias da região e conta com a participação de antropólogos, historiadores e arqueólogos na reconstituição das regras.
Segundo o presidente da Associação, José de Jesús Manrique, foram precisos 10 anos de pesquisa para resgatar o Pok-ta-Pok, e algumas regras foram adaptadas para a prática moderna. As equipes são formadas por quatro pessoas e o jogo transcorre em dois tempos de 15 minutos. Assim como nos antigos jogos Maias, o primeiro a fazer um gol é o vencedor da partida. Caso ninguém marque naquele jogo, o campeão será decretado pelo número de pontos acumulados ou perdidos durante os dois tempos, a depender dos lances efetuados. Sentar-se sobre a bola, por exemplo, implica uma perda de três pontos. Os sacrifícios humanos, é claro, foram banidos.
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Muito boa a matéria.
O Pok-ta-Pok criado nos antigos Impérios me parece ter a mesma função social dos esportes de hoje.
Interessante essa relação, não é, Gilberto? Eu também achei muito curioso que o esporte desempenhassem o mesmo tipo de função social em sociedades que ainda não haviam tido contato entre si.