“Defenda o Curdistão. Derrote o fascismo turco.”
A frase escrita em inglês e alfabeto latino, estampada em uma enorme faixa amarela num canto da praça, divide espaço com outras, em grego, quase ininteligíveis para mim. Não fosse o enorme A anarquista pichado em algumas delas e um ou outro grito de guerra em outros idiomas, o contexto poderia passar despercebido aos olhos estrangeiros desavisados.
Mas no Exarcheia, o teor político é latente.
“O governo mente”, diz outro letreiro. Dois imigrantes conversam em um banco. À medida que o sol cai, mais e mais pessoas se unem a eles, ocupando os outros espaços desse pequeno quadrado verde no centro do bairro.
Numa rua adjacente, uma dupla joga ping-pong em um bar que leva o símbolo do partido comunista, e uma garota de cabelo colorido chega para cumprir seu turno numa lanchonete cuja especialidade é o souvlaki vegano.
A Exarchion Square não é uma praça qualquer em Atenas. É o epicentro de uma vizinhança que há décadas atrai estudantes, intelectuais, artistas e anarquistas e, assim como as ruas, cafés e livrarias que a cercam, exala resistência e luta política.
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Em 1973, os estudantes da Polytechnio, cujo campus fica na entrada do bairro, criaram uma barricada dentro da universidade para protestar contra a ditadura militar em voga no país. O exército invadiu o espaço com tanques de guerra.
O episódio acabou contribuindo para a queda do governo e marcou para sempre a história do Exarcheia, que desde então se transformou em um palco para ações e grupos de esquerda que se orientam com base na solidariedade e na democracia direta.
Os diversos centros comunitários locais ajudam a implementar um sistema de autogestão na vizinhança. Qualquer pessoa pode assistir gratuitamente às aulas de idiomas, yoga ou música, e contribuir em troca, ensinando algo para a comunidade.
Restaurantes comunitários servem refeições a preço de custo e ativistas e moradores se revezam para cozinhar, organizar eventos sociais, limpar as ruas ou fazer rondas noturnas com o objetivo (nem sempre alcançado) de inibir a ação de traficantes e de alertar todo mundo caso o bairro sofra algum ataque da extrema direita ou da polícia.
Ataques esses que sempre existiram, mas se intensificaram nos últimos anos graças a um crescimento de grupos de extrema direita e anti-imigrantes, muitas vezes alinhados com as forças policiais.
Em 2008, Alexandros Grigoropoulos, um adolescente de 15 anos, foi assassinado pela polícia no bairro. Em resposta a isso, Atenas explodiu em protestos e embates contra a polícia, em especial dentro das ruas de Exarcheia. O jornal grego Kathimerini chegou a classificar o momento como “o pior episódio ocorrido na Grécia depois da restauração da democracia”.
Em 2015, quando a crise migratória provocou uma histeria coletiva na maior parte das capitais europeias – Atenas inclusa -, Exarcheia abriu suas portas para acolher os refugiados nas várias ocupações que, desde a década de 1980, procuram dar uso social a prédios abandonados. Isso acirrou ainda mais o antagonismo da polícia e outros grupos conservadores, que tentam, a todo o custo, implementar um processo de desanarquisação do bairro.
Kyriakos Mitsotakis, político conservador que ocupa o cargo de primeiro-ministro desde 2019, prometeu levar ordem ao local através de patrulhamento constante. Sob seu comando, a polícia começou a invadir as ocupações e prender imigrantes.
Mas, apesar de todos os esforços, o Exarcheia resiste, mantendo-se firme em seus ideais de solidariedade e em uma vida comunitária baseada na cooperação mútua.
No entanto, toda essa atmosfera artística e transgressora cobra seu preço. Nos últimos anos, o bairro viu o número de Airbnbs disponíveis se multiplicar e o interesse turístico na vizinhança crescer. Os antigos moradores começam a lidar com os efeitos da gentrificação enquanto observam os cafés e bares se encherem de jovens e hipsters nas noites de sexta.
Resta saber se a mobilização e a fundamentação ideológica de seus moradores será capaz de encontrar maneiras de resistir a essa outra ameaça, muito mais difusa, sutil e silenciosa.
Em um mundo tão carente de utopias, sigo torcendo para que sim.