Belém nasceu da água. Há 400 anos, o português Francisco Caldeira Castelo Branco recebeu do Rei uma ordem: ocupar a área ao redor do Grande Rio, o nosso querido Amazonas, para que assim Portugal desse mais um passo em direção ao norte do Novo Mundo e deixasse de vez o Tratado de Tordesilhas para trás.
Assim que desembarcou na Amazônia, Francisco ordenou a construção de um forte. Depois de garantir a proteção militar, foi a hora de igrejas, prédios públicos e um centro comercial surgirem. Assim nasceu Belém, de frente para a Baía do Guajará, que é formada pelo encontro dos rios Guamá e Acará.
Rios que sempre tiveram um papel na vida da região. Das comunidades ribeirinhas ao transporte – seja de pessoas ou de mercadorias. Belém está longe do Oceânico Atlântico, nada menos que 120 km. É pelas águas amazônicas que banham a cidade que mercadorias como peixes e açaí eram, e ainda são, transportadas do interior do Pará para águas salgadas. E depois para o outro lado do mundo. Foram essas águas que viram o Ciclo da Borracha, que trouxe uma riqueza inesperada e efêmera para Belém.
Mas, assim como ocorreu em várias cidades do mundo, a zona portuária de Belém acabou sofrendo com o abandono do poder público. Nas últimas duas décadas, os governos estadual e municipal trataram de resolver o problema. Assim surgiu a Estação das Docas, bem à moda Buenos Aires, que também transformou seu antigo porto em ponto turístico, o Puerto Madero. Atualmente, cerca de 1 milhão de pessoas passam pela Estação das Docas por ano, que está repleta de bares, restaurantes, espaços culturais e tem ainda um calçadão lindo que dá direito ao pôr do sol na Baía do Guajará.
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A mesma onda de revitalizações trouxe também o Ver-o-Rio, um calçadão de frente para a baía e cheio de barraquinhas de comidas típicas e áreas de lazer. O esforço turístico continuou com o Mangal das Garças, uma área de proteção ambiental criada em 2005, bem no coração de Belém. Por fim, o Complexo Turístico Feliz Lusitânia envolveu a reforma e readequação da área mais antiga da cidade, ao redor do Forte do Castelo, da Casa das 11 Janelas e da Praça Dom Frei Caetano Brandão, local de fundação de Belém.
Percebeu quanta coisa Belém fez para te receber e para tentar levar a população de volta para o rio? O problema é que esses esforços, por mais que tenham gerado bons resultados, tiveram um efeito colateral: a gentrificação. Essa palavra complicada que nem o computador reconhece como correta – e insiste em sublinhar de vermelho, no editor de texto – tem um significado importante.
“Chama-se gentrificação o processo de segregação sócio-espacial (principalmente nos centros antigos) em que se modifica a ocupação e em que as antigas populações são substituídas por outras, em geral de maior poder aquisitivo”, explica o pesquisador Juliano Pamplona Ximenes Ponte, da UFPA. Ele é o autor da dissertação “A Orla de Belém, Intervenções e Apropriação“.
Grandes eventos, como a Copa do Mundo ou as Olimpíadas, também podem causar esse efeito. E algumas vezes a gentrificação ocorre naturalmente, apenas pelo movimento dos moradores da própria cidade e sem a necessidade de obras estatais. Por exemplo, quando jovens e artistas, ou seja, gente sem grana, se mudam para bairros periféricos em busca de aluguéis mais baratos. Só que bairros, periféricos ou não, ficam mais interessantes com jovens e artistas entre seus moradores.
A cena cultural cresce. O bairro passa a ser procurado por outros moradores – e pela especulação imobiliária. Aos poucos, um bairro que atraiu gente por ser barato acaba se tornado caro, o que obriga os antigos moradores a deixarem a região. Os moradores que estavam lá antes daqueles jovens e artistas chegarem.
Isso ocorreu no Brooklyn, em Nova York, que só recebeu serviços como coleta de lixo e melhoria na educação depois que jovens – em sua maioria brancos – passaram a viver lá. Berlim e Dresden, na Alemanha, são outros exemplos de cidades que viram a gentrificação ocorrer.
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A gentrificação em Belém
Pesquisadores da UFPA estudam os efeitos da gentrificação em Belém desde 2001. Para o coordenador do projeto, o geógrafo Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior, o discurso de que criar espaços públicos beneficia toda a população da cidade não funcionou como era esperado. “Esses espaços, tidos como públicos, muitas vezes assumem um caráter privado porque o acesso não é tão fácil, ele é sempre mediado pelo valor, pelo dinheiro. A gente diz que o direito do cidadão é só o direito à paisagem, mas ele não tem o direito de usufruir desse espaço. Esse é o grande paradoxo de alguns projetos”, diz ele.
Esse parece ser o caso da Estação das Docas, que virou um ponto importante para a população de Belém, mas que só é acessível para alguns enquanto paisagem, pela vista do rio e calçadão, já que os bares e restaurantes têm uma média de preços alta – o que impede boa parte da população local de usar os serviços.
Além disso, começaram a surgir perto da orla de Belém arranha-céus voltados para o público de luxo. São apartamentos caríssimos, que não ficam na região ribeirinha, mas que têm vista para o rio e varandas enormes. Para cada prédio construído, casas e prédios antigos, assim como seus moradores, deixam a região.
Segundo os pesquisadores, a situação muda um pouco no Ver-o-Rio, outro projeto de revitalização que ocupou a orla de Belém. Ali houve uma tentativa de incluir a população da região. Houve um projeto para incluir os vendedores ambulantes e diversos grupos sociais conseguiram se apropriar do espaço.
O desafio é encontrar um ponto de equilíbrio que permita que áreas degradadas sejam revitalizadas, que a sociedade seja incentivada a usufruir de áreas públicas e que espaços turísticos sejam criados, mas sem expulsar as famílias de renda mais baixa. Esse desafio não é só de Belém, mas de qualquer grande cidade do mundo.
Para o turista, que de forma geral busca autenticidade e quer saber como é a vida em determinada cidade, também é importante que o processo de gentrificação seja compreendido. Esse é um importante passo para que viajantes valorizem mais negócios locais, por exemplo. E também um importante passo para criar uma sociedade mais plural.
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Muito bom. Parabéns pela reportagem!!! Sou de Belém e realmente a nossa cidade está passando por esses problemas que você citou…
Obrigado, Joseph.
Abraço.
Muito interessante essa matéria, reflete em minúcias o cotidiano vivido hoje pelo povo para esse. Parabéns!
Paraense*
Que bom que gostou, Jhenneff.Obrigado.