Jornalista, romancista, poeta, fotógrafa e viajante, Annemarie Schwarzenbach não só tem um nome alemão bastante impronunciável, como boa parte de sua obra nunca foi traduzida nem para o inglês. Em português, é possível encontrar o livro “Morte na Pérsia“, escrito nos anos 1930, mas inédito até 1995, com um relato sobre a jornada de seis meses que a levou à Pérsia, para escapar da ascensão do nazismo na Europa e também de seus problemas emocionais. Nessa jornada, porém, ela descobriu que não importa os quilômetros de distância, é impossível fugir de si mesma.
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Sua história começa em Zurique, nascida numa família aristocrática importante no país. Cresceu numa mansão no campo e desde criança costumava se vestir de menino, o que a família apoiava. Também foi desde jovem que ela começou a escrever. Aos 23 anos, concluiu um doutorado em história, obtido nas Universidades de Zurique e Sorbonne (em Paris).
Foi nessa época também que ela escreveu seu primeiro livro. Nos anos 1930, mudou-se para Berlim, fez amizade com os filhos do escritor Thomas Mann, Erika e Klaus, amizade essa que marcou toda sua vida. Berlim era uma cidade artística e movimentada e Annemarie aproveitava dias e noites ali, levando uma vida boêmia, no melhor estilo sexo, drogas, festas lésbicas, artes e cinema. Também passou a viajar com os amigos pela Europa.
Porém, em 1933, a ascensão do nazismo mudou seu estilo de vida. Sua família era simpatizante da extrema direita na Suíça e tinha boas relações com a Alemanha nazista. Sua amizade com a família Mann contrariava tudo isso, visto que era um círculo de judeus, políticos e refugiados. Ao invés de voltar para casa, ela decidiu ajudar Klaus Mann a financiar uma revista anti-fascista com fundos próprios. Entre os autores que escreveram para a publicação estão Ernest Hemingway e Albert Einstein.
Suas grandes jornadas pelo mundo começaram nessa época. Viajou com a fotógrafa Marianne Breslauer para a Espanha, numa matéria sobre os Pirineus, indo entre Barcelona e Pamplona para escrever sobre a vida das crianças ciganas, dos camponeses e das misérias. Outra de suas grandes jornadas foi uma expedição de seis meses de arqueologia pelo Oriente Médio, que a levou a Pérsia pela primeira vez. A viagem seguinte foi para acompanhar Klaus a um evento de escritores soviéticos em Moscou. De lá, foi de trem pela Ásia de volta para a Pérsia.
Nesse link da Biblioteca Nacional da Suíça é possível ver algumas imagens e roteiros de Annemarie
O ano era 1935 e ela se casou com o diplomata francês Achille-Claude Clarac, que, como ela, era gay. O casamento de conveniência com o amigo lhe garantiu um passaporte diplomático e mais liberdade em relação a sua família. Porém, devido a um romance escandaloso com a filha do embaixador turco em Teerã, ela e o marido foram viver um tempo na área rural do país e o isolamento a faz cair num vício em morfina, droga que antes ela usava recreativamente. Annemarie acabou voltando para Suíça, aproveitando para viajar pela Rússia e Balcãs de carro. No caminho, aproveitou para investigar mais sobre a vida de Lorenz Saladin, um montanhista e fotógrafo que havia morrido recentemente.
De volta ao seu país de origem, alugou uma casa e escreveu alguns livros, incluindo um chamado “A vida nas Montanhas” sobre Saladin. Passou a fotografar e documentar o ascensão do fascismo na Europa, visitando países como Austria e Tchecoslováquia. O ano de 1937 marcou sua primeira viagem aos Estados Unidos, acompanhada da amiga e fotógrafa Barbara Hamilton-Wright (primeira foto abaixo). De carro, viajaram pela costa leste, do Maine ao Sul, passando pelas regiões industriais, onde Schwarzenbach fotografava a vida dos pobres e escrevia reportagens sobre sindicatos, exploração e racismo, uma certa ironia para a sua elegante figura, uma filha de um industrialista. Também estava no país quando Roosevelt iniciou a política do New Deal, para tentar sair da grande depressão.
Fotografias de Annemarie Schwarzenbach nos Estados Unidos em 1937
Infelizmente, o vício em morfina a levou a ser internada no mesmo ano em que Hitler anexou a Áustria. A montanha-russa de internações e recaídas fez parte de toda sua vida. Em junho de 1939, Annemarie foge da Europa numa viagem longa para o Afeganistão, acompanhada de outra fotógrafa e escritora suíça importante, Ella Maillart.
As duas viajaram de carro sozinhas, desde Genebra, via Istambul, até Kabul. E lá que estavam quando a Segunda Guerra Mundial começou e consequentemente atrapalhou os planos de viagem; separam-se num momento em que Schwarzenbach mais uma vez se perdeu no vício em morfina. Ela acabou decidindo seguir para o Turcomenistão e tentar uma cura selvagem, no deserto. Reencontra-se com Mailart mais tarde, em 1940, na Índia. A longa viagem tornou-se mais um tema de livros escritos pelas duas.
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De volta a Suíça, no outono de 1940, a comentada beleza andrógina e angelical de Annemarie, tão celebrada por seus amigos e conhecidos escritores e fotógrafos, está se apagando pelo estilo de vida de morfina, álcool, pouco sono e comida. Foi um dos períodos mais duros de sua vida: tentou estrangular sua amante no sono, tentou suicidar-se quando o pai morreu, e mais uma vez, quando foi mandada para um sanatório.
No ano seguinte voltou a viajar para os Estados Unidos, onde trabalhou num comitê para ajudar refugiados vindos da Europa. No retorno ao continente, passou por Lisboa, onde o embaixador suíço tenta convencê-la a ficar como correspondente internacional. Ela acaba retornando para a Suíça e depois viaja como jornalista para o Congo, na época uma colônia belga. Ali, ela escreve poemas sobre o país e torna-se suspeita de ser espiã alemã. Viaja por Uganda e Ruanda. Fica, ao todo, seis meses no continente.
Em 1942, reencontra seu marido no Marrocos, antes de voltar para seu país. Decide fazer novos planos e tentar o cargo de correspondente em Lisboa. Porém, em setembro desse ano, na região dos Alpes suíços, sofre uma queda de bicicleta que causa uma lesão séria na cabeça. Um erro no diagnóstico médico leva Annemarie a falecer em novembro do mesmo ano. Nos seus últimos meses, doente, de cama, a mãe não permite que o marido ou os amigos a visitem. Para piorar, depois de sua morte, ela destruiu todas as cartas e diários da filha. Felizmente, uma amiga conseguiu manter várias escritas e fotografias, que foram arquivadas em Bern.
Nos curtos 34 anos de vida de Annemarie Schwarzenbach, foram tantas longas viagens, idas e vindas, que é difícil descobrir exatamente quando e onde ela esteve. Também é difícil descrever sua história e personalidade sem limitá-la a estereótipos. Mas é possível admirar seu talento como escritora, fotógrafa, sua vontade de desbravar o mundo e se livrar de seus próprios fantasmas.
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