“Eu sou um pirata da perna de pau, do olho de vidro, da cara de mau”. Muita gente conhece essa música infantil sobre piratas, criminosos com um código específico de conduta, famosos por tomarem os mares deste mundo de assalto, nos séculos 17 e 18, a época dourada da pirataria. Piratas não tinham medo de perseguir, pilhar, roubar e matar. Mas também eram vistos como os Robins Hoods do mar, roubando dos ricos. Independente das histórias, o que não é comum é identificarmos mulheres como piratas, mas elas existiram.
Pense numa mulher nesse período. Para elas, havia poucas opções para fugir de uma vida como donas de casa, esposas, mães ou prostitutas. Algumas daquelas que sonhavam com aventura e liberdade acabavam indo atrás disso em terras distantes e se envolvendo com o crime, mas também com a experiência de viver uma vida com suas próprias regras no mar.
Anne Bonny e Mary Read numa exposição do Museu Marítmo de Hamburgo, Alemanha
Nenhuma das mulheres que já apareceram na série Grandes Viajantes eram criminosas, no sentido em que, apesar da sociedade em seu tempo condená-las de alguma forma por suas características incomuns, elas nunca mataram ou roubaram. Esse não é o caso dessas duas personagens. Tal como Barba Negra, Barba Ruiva e outros famosos piratas que existiram por aí, Anne Bonny e Mary Read estavam do outro lado da lei, mas, apesar disso, tiveram vidas interessantes e histórias que merecem ser contadas.
Ao longo de suas vidas, essas piratas mantiveram o padrão de “trocar” de gênero quando lhes era conveniente. Ambas adaptavam-se ao ambiente, vestindo-se de meninos para escapar da pobreza, de mulher para casarem-se, de homem para se tornarem piratas e finalmente de mães para salvarem-se da morte.
Anne Bonny
Anne Bonny nasceu na Irlanda, em Cork. Era a filha de um advogado com a sua criada, algo escandaloso na época. Tão escandaloso que o pai passou a vestir a menina de menino para diminuir o falatório. Não adiantou muito e a família acabou se mudando para a Província da Carolina, uma parte da colônia britânica que viria ser os Estados Unidos. Ali, o pai enriqueceu trabalhando como mercador. Bonny era conhecida por seu temperamento difícil: numa briga, ainda jovem, ela esfaqueou uma servente. Dizem que bateu até deixar hospitalizado um homem que tentou estuprá-la
Sua personalidade forte também se manifestou quando, com cerca de 16 anos, decidiu casar-se com um marinheiro pobre, James Bonny. Quando o pai não concordou com a união, eles fugiram juntos para Nassau, conhecida na época como a República dos Piratas. O marido de Anne arrumou um emprego duvidoso: ser, como diríamos no Brasil, X9. Ele entregava informações para que o governador local prendesse piratas. Anne Bonny ficou com nojo do trabalho do marido, e a convivência com os piratas em Nassau fez com que ela passasse a apreciar bastante a companhia deles.
Não tardou para que ela conhecesse um pirata que a interessou para além da amizade. Era John Rackham, ou Calico Jack, famoso por conta de sua bandeira negra com uma caveira e duas espadas. Eles começaram o romance e propuseram a James um acordo justo. Lhe pagariam uma boa quantia em troca do divórcio. Ele não aceitou. Ficou sem mulher e sem dinheiro.
Calico e Anne partiram pelos mares caribenhos num navio chamado Willian, em 1720. Algum tempo depois, Anne engravidou, foi para Cuba, teve o filho e não se sabe o que foi feito da criança – se ficou com um casal de amigos ou se nasceu morta. Ela não tinha interesse em ser mãe e, pouco depois, voltou à vida pirata.
Mary Read, a outra personagem da história
Mary Read era inglesa. Nascida em 1695, fruto de um caso que sua mãe teve enquanto o marido, um marinheiro, voltou para o mar e a deixou sozinha. Envergonhada com a gravidez escandalosa, foi para o interior do país para se esconder. Ela já tinha um filho legítimo que morreu quaseo ao mesmo tempo em que Mary Read nasceu. Sua mãe, desesperada, bolou um plano: disfarçou a filha de menino para enganar a família do marido e receber suporte financeiro. E assim, da infância à juventude, Mary viveu como um menino.
Foi vestida de homem que ela trabalhou como marinheira e se alistou na marinha britânica. Como um bravo soldado, lutou na Holanda contra a França. Mas então Mary se apaixonou por um soldado flamengo. Ela abandonou o disfarce, eles se casaram e ambos usaram suas comissões como militares para comprar uma hospedaria na Holanda. A história de amor terminou cedo, com a morte do marido. Read então voltou a se vestir de homem e tentou prestar serviço militar aos holandeses, mas eram tempos de paz e não havia muito o que fazer. Ela resolveu pedir demissão e entrou num navio em direção às Índias ocidentais.
Foi nessa viagem que Mary, vestida de homem, juntou-se à tripulação de Calico Jack, também por volta de 1720. E foi assim que as duas personagens cruzaram caminhos pela primeira vez.
Anne Bonny e Mary Read
Há de se questionar como a tripulação aceitava Bonny e Read no barco. Mulheres, dentro do circuito pirata, eram consideradas má sorte a bordo. Mas essas não eram típicas mulheres da época. Eram guerreiras e certamente não davam nenhum espaço para que alguém questionasse suas posições. Por meses, a costa da Jamaica e de Cuba foram assombradas pelo navio de Calico Jack e suas famosas piratas.
Ilustração do livro “General History of the Pyrates”
Inicialmente, porém, ninguém no navio sabia que Read era mulher. Dizem que Bonny começou a sentir uma quedinha por Mary e resolveu se declarar. Foi assim que se revelaram e viraram grandes amigas. Alguns dizem que elas também eram amantes.
Segundo depoimentos de outros piratas, elas não se vestiam com roupas masculinas todo o tempo. Era apenas nos momentos de perseguição ou para atacar outros navios que Bonny e Read assumiam seus personagens. Esses relatos, todos revelados no livro “A História Geral dos Piratas”, do Capitão Charles Johnson, publicado em 1724, também contam que elas eram ferozes e estimulavam a tripulação, com gritos e ação.
Infelizmente para elas, o sucesso como piratas não durou muito tempo. Depois de alguns meses de pilhagens, um caçador de piratas chamado Capitão Jonathan Barnet tomou de surpresa a tripulação de Calico Jack, que estava ancorada na Jamaica. Tão de surpresa que praticamente todo mundo estava bêbado e poucos conseguiram lutar. Todo mundo menos nossas intrépidas Anne e Mary, que furiosamente e – praticamente sozinhas – tentaram salvar o navio. Elas ficaram tão putas com a falta de ajuda que também atiraram contra sua própria tripulação, que não as ajudou.
Todos foram condenados ao enforcamento. Dizem que Bonny viu Calico Jack no dia de sua execução e disse ao amante: “Se você tivesse lutado como um homem, não teria morrido como um cão”. As duas mulheres, por sobrevivência, declararam estar grávidas. O juiz mandou que essa declaração fosse checada e foi comprovada verdadeira, o que reverteu a pena de morte.
Mary Read teve uma infecção com febre e morreu após cinco meses de prisão. Já Bonny teve um destino desconhecido. Não há muitos registros sobre ela, apenas que não foi executada. Tem quem diga que seu pai ressurgiu, pagou a fiança, e levou a filha de volta para a Província de Carolina, onde ela se casou, teve filhos e morreu perto dos 80 anos de idade. Ninguém sabe o que aconteceu com a criança que ela supostamente gerava no momento de sua condenação.
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Fui um Comandante dos tempos modernos. O mar ainda possui seu encanto aventureiro.
Com certeza Marcus. O mar é sempre uma aventura
Não conhecia essas histórias, realmente muito legal! Gosto desse “universo”, mas só via histórias em filmes hehe
=)